terça-feira, fevereiro 23, 2010

BENJAMIN STEINBRUCH

Madiba

Folha de S. Paulo - 23/02/2010


Não há por que cultivar ódios e ressentimentos nem por que deixar de absorver experiências bem-sucedidas do passado

ANTES DE mais nada, deixe-me dizer que o filme "Invictus", dirigido por Clint Eastwood, que narra o momento em que Nelson Mandela saiu da prisão e assumiu a Presidência da África do Sul, não é nenhuma obra-prima. Está longe disso, em minha modesta opinião, apesar da interpretação mais uma vez extraordinária de Morgan Freeman, no papel do líder africano.
Há no filme, porém, uma mensagem muito interessante, que o diretor quis e conseguiu passar: a ideia de que o sucesso de uma jornada depende da aglutinação das pessoas e do esquecimento de conflitos do passado.
Em uma das passagens mais marcantes do filme, Mandela conta que, nos 27 anos que passou na prisão, ele e todos os demais negros sempre torciam contra a seleção de rúgbi da África do Sul. Nos estádios, era a mesma coisa. Brancos torciam pelos "Springboks", como eram chamados os jogadores da seleção. E negros apoiavam os adversários, fossem quem fossem.
Após deixar a prisão e se eleger presidente da República, Mandela se deparou com a Copa do Mundo de Rúgbi, que seria disputada na África do Sul, em 1995. Como sempre, os negros estavam torcendo contra a seleção, que, aliás, fazia péssima campanha e era um azarão na disputa. A própria direção do partido de Mandela, por unanimidade, havia decidido apoiar a mudança do nome e das cores (verde e dourado) da camisa da seleção sul-africana.
Mandela, entretanto, viu no evento esportivo uma oportunidade para avançar em sua luta pela unificação do país, depois de longos anos sob o regime do apartheid. Convenceu seu partido a mudar de ideia, apoiou abertamente a seleção e estimulou os "Springboks", que só tinham um negro entre os 25 jogadores, a manter um relacionamento direto com a população nos recantos mais pobres do país.
O resultado foi muito bom para a seleção, que disputou uma emocionante final de Copa com os tradicionais "All Blacks" neozelandeses, e para a sociedade. O filme não é uma biografia de Nelson Mandela nem a história de seu desempenho no governo da África do Sul. Focaliza, exclusivamente, um momento da atuação do líder africano. Um momento em que Madiba, como era carinhosamente chamado pelos seus aliados mais próximos, tentava construir um país unificado e, para isso, tinha de, ao mesmo tempo, impor o fim da discriminação racial e impedir o ódio ressentido e vingativo dos que haviam sido discriminados por longos anos.
Sem unir a sociedade, não há como avançar em nenhum projeto de país. Talvez essa mensagem que o diretor Eastwood passa no filme também explique muito do avanço conseguido no Brasil nas últimas duas décadas. Não há por que cultivar ódios e ressentimentos nem por que deixar de absorver experiências bem-sucedidas do passado, mesmo em casos extremos, como o da África do Sul.
Fica difícil construir uma nação próspera se uma parte dela torce pelo adversário ou pelo fracasso econômico do próprio país. Muitas vezes presenciamos essa situação no Brasil, especialmente em períodos pré-eleitorais. Uma frase emblemática de Madiba no filme caberia bem a esse propósito: "Se eu não posso mudar diante de uma nova circunstância, como posso querer que os outros mudem?". O Brasil mudou. As circunstâncias, também.

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