sexta-feira, fevereiro 05, 2010

BARBARA GANCIA

Que dia lindo, não?

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/02/10

Onde Oscar Wilde estava com a cabeça quando disse que falar do tempo é o último refúgio dos sem imaginação?

QUEM EXAMINA o embate entre aqueles que dizem que o poder público tem 0responsabilidade direta pelas enchentes e os que alegam que são Pedro é o grande culpado pelas calamidades deste verão pode perder de vista a noção de que falar do tempo nem sempre foi um convite ao radicalismo.
"Todo mundo fala do tempo, mas ninguém faz nada a respeito", notava Mark Twain na virada para o século 20. Ouvindo assim, a gente até diria que o autor de "As Aventuras de Tom Sawyer" é morador do Jardim Pantanal e está aguardando cadastramento na prefeitura na esperança de voltar para casa.
Oscar Wilde, sempre tão em forma para colocar o dedo na ferida, parece ter pisado numa casca de banana ao discorrer sobre o tema.
Dizia ele que "conversar sobre o tempo é o último refúgio de quem não tem imaginação".
Bem, nesse caso, é de admirar que entre seus conterrâneos existam nomes como Shakespeare, Newton, Blake, Turner, Darwin, Keynes e até John, Paul, George e Ringo, não é mesmo?
Sim, porque os ingleses não fazem outra coisa senão tomar chá e discorrer sobre o tempo. No caso deles, falar sobre as intempéries é uma forma de não falar sobre o que interessa. Por exemplo: quando um inglês quer saber se sua mulher passou a tarde cometendo adultério com o açougueiro enquanto ele estava no escritório, em vez de perguntar diretamente: "Você está me traindo, sua cadela sem-vergonha?", ele joga na roda alguma consideração um pouco mais amaneirada do tipo: "Que dia glorioso, não é darling?", ao que a cara-metade é capaz de capitular e confessar tudo.
Franceses não gostam de conversas muito elaboradas. Qualquer frase que inclua dois "oh-la-lás" já está de bom tamanho para eles. E falar do tempo faz parte desse menu descompromissado. Mas, por algum motivo que me escapa, eles adoram tecer considerações sobre o clima que utilizem metáforas zoológicas.
Exemplos: "Il fait un froid canard" (faz um frio de pato), "C" est un temps à pas mettre le chien dehors" (faz um tempo para não colocar o cachorro para fora) e "Mieux vaut un renard au poulailler qu" un homme en chemise en février" (mais vale uma raposa no galinheiro do que um homem em mangas de camisa em fevereiro).
Inspiro-me nos franceses para dizer que, enquanto escrevo, chovem cães e gatos lá fora. Olho pela janela e vejo a esquina da minha casa completamente inundada. Dois carros estão parados no meio da rua e uma moto forma um leque de velociraptor ao tentar contorná-los. Por conta das chuvas, as ruas do meu bairro estão mais enrugadas do que o rosto da Donatella Versace.
Na semana retrasada, não consegui enviar o texto desta coluna para o jornal em função de corte na energia elétrica ocorrido depois de um temporal...
E cá estou eu falando do tempo, como você e a torcida do Íbis. Falar do tempo parece que une as pessoas, não é mesmo?
Ou melhor, unia. Hoje em dia, bastou alguém dizer que houve uma enchente em São Paulo para começar o jogo acusatório. Como se a culpa não fosse de todos nós, prefeitura e são Pedro incluídos.

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