quarta-feira, janeiro 06, 2010

SIMON TISDALL

Iêmen vira peão-chave do xadrez diplomático

O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/01/10


Ainda não está claro até que ponto o presidente Barack Obama considera a possibilidade de intervir no Iêmen, mas não há dúvida de que os EUA intensificarão seu envolvimento no país. O problema é que a questão iemenita não pode ser tratada com uma política de isolamento. A proposta de Obama de garantir o sul do Península Arábica sob sua proteção pode desestabilizar a região como um todo, como ocorreu depois das invasões do Afeganistão e do Iraque. Obama é muitas coisas, mas não um Lawrence das Arábias.

Como seu colega Hamid Karzai, do Afeganistão, o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, não é o mais confiável nem o mais entusiástico dos aliados. Seu poder é contestado por facções tribais do norte e sul do país. Para Saleh, a Al-Qaeda não é particularmente ameaçadora. O que ele mais teme é ser tachado de títere dos EUA.

E, como o presidente Asif Ali Zardari, do Paquistão, cujo governo foi desestabilizado pelos ataques americanos lançados do outro lado da fronteira, Saleh tem boas razões para minimizar o grau de cumplicidade de seu governo. As forças dos EUA ajudaram e em muitos casos participaram diretamente de incursões aéreas iemenitas contra supostos campos de treinamento da Al-Qaeda. A Arábia Saudita também realiza operações no território iemenita.

O envolvimento saudita é um dos aspectos do efeito cascata que a questão iemenita provocaria. Ele desperta mais um fantasma da era George W. Bush: a perspectiva de introduzir tropas americanas nesse país, sejam elas forças especiais, paramilitares da CIA, ou civis, arrastando-as para uma guerra por procuração com o arqui-inimigo de Riad, o Irã. Teerã apoiou milícias xiitas no Iraque ocupado e agora é acusada do mesmo tipo de ingerência em seu apoio aos rebeldes houthis no Iêmen.

Segundo a imprensa árabe, em novembro, membros da Guarda Revolucionária do Irã e do Hezbollah reuniram-se com líderes houthis para discutir a escalada do conflito na fronteira iemenita-saudita. Além disso, o Irã estaria contrabandeando armas para grupos do Iêmen e da Somália via Golfo de Áden.

As implicações do envolvimento direto dos EUA nessas intrigas regionais são preocupantes. Desafiar o Irã no Iêmen não facilitaria o objetivo mais importante do Ocidente: garantir um acordo nuclear com Teerã. Aprofundar o envolvimento saudita no Iêmen poderia ainda frustrar os esforços de Riad para promover a reconciliação entre o Fatah e o Hamas e, desse modo, facilitar um acordo árabe-israelense - um dos principais objetivos de Obama.

O impacto negativo da internacionalização dos múltiplos conflitos do Iêmen para os países vizinhos do Chifre da África também deveria fazer com que Washington parasse um pouco para pensar. A milícia islâmica al-Shabaab da Somália anunciou na semana passada que enviará reforços ao Iêmen se os EUA decidirem atacá-lo.

A decisão sobre um novo front na guerra ao terror é delicada. Com a atual situação, não levará muito para que se desencadeie uma intervenção americana e, assim, uma nova tempestade no deserto.
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Simon Tisdall é analista de questões do Oriente Médio

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