segunda-feira, janeiro 25, 2010

RUY CASTRO

Maestro piador

FOLHA DE SÃO PAULO - 25/01/10

RIO DE JANEIRO - O compositor, letrista, cantor, maestro, arranjador, pianista e piador Antonio Carlos Jobim, morto em 1994, faria 83 anos hoje. Um recorte enviado por meu amigo João Antonio Buhrer, de Campinas, me alertou para essa qualidade quase despercebida no rol de gostos e aptidões de Tom: o domínio da arte de piar, usando complexos pios artesanais para conversar com seus irmãos de asas. Cada pássaro, um pio -uma língua- diferente.
Em 1989, andando com Tom pelo Central Park, em Nova York, ouvi-o identificar vários pássaros pela música que faziam -era íntimo também dos passarinhos americanos. Não tinha a menor dificuldade para identificá-los em português. "Robin" era pintarroxo, "nightingale", rouxinol, "horned grebe", mergulhão. Mais difícil era saber como se chamavam certos pássaros brasileiros em inglês -como traduzir a variedade dos nossos urubus?
Em jovem, nas suas incursões pelo mato, Tom piava inhambus para matá-los. "O inhambu vinha todo apaixonado e eu o matava à traição", confessou. Era uma prática comum aos homens de sua geração. Mas, mais cedo do que muitos, ele enxergou a desumanidade daquilo. Continuou a piar vários pássaros, mas para firmar com eles um diálogo de amor.
A faixa "O Boto", em seu álbum "Urubu", é uma sinfonia de pios. Estão integrados com tal naturalidade à orquestração que podem nem ser "escutados" pelos menos atentos. Mas estão lá no disco, e executados pelo próprio Tom -quem mais? Eram os pios de ipê ou bambu, torneados por seus fornecedores: os velhos artesãos piadores da Fábrica de Pios de Aves, de Cachoeiro de Itapemirim (ES), da qual certamente ouviu falar por Rubem Braga.
Posso garantir que, não importa o que Tom piasse, os tico-ticos, jerebas e patos pretos o entendiam.

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