sexta-feira, janeiro 08, 2010

RUY CASTRO

Corpo fechado

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/01/10


Um dia tinha de acontecer. Tsutomu Yamaguchi, o japonês que sobreviveu à explosão da bomba atômica em Hiroshima, em 1945, e que voltou para sua casa, em Nagasaki, e sobreviveu também à explosão nessa cidade dois dias depois, morreu esta semana, aos 93 anos. Escrevi sobre ele neste espaço (“Japonês de Hiroshima”, 6/7/2009), comparando-o a outro grande sobrevivente contemporâneo, o senador José Sarney.

Um aspecto impressionante da história de Yamaguchi é que, nas duas bombas, ele estava a menos de 1 km do epicentro da explosão, e seu sofrimento limitou-se a algumas queimaduras e ruptura de tímpanos. Dos 200 mil mortos nas duas cidades, milhares estavam mais longe do 'marco zero' do que ele e, mesmo assim, morreram de calor, intoxicação, desabamento ou ingressaram nos milhões que, no futuro, desenvolveriam alguma espécie de câncer. Bem, Yamaguchi também morreu de câncer – mas, aos 93 anos, ele nem pode mais ser contado entre as baixas da bomba.

Na verdade, gozou de tanta saúde pelas décadas seguintes que nunca participou de manifestações antinucleares, por não se sentir com os mesmos direitos de quem foi 'realmente atingido'. Ou talvez achasse que, com o corpo fechado por algum pai-de-santo japonês, não era justo misturar-se aos mortais.

Outro campeão do corpo fechado é o presidente Lula. O Brasil quase se afogou na passagem do ano, e dezenas de pessoas morreram em deslizamentos, inundações e desmoronamentos. O prejuízo material é incalculável, e toda uma importante região turística está ameaçada de colapso. Pois, enquanto isso, o presidente deixou-se ficar na sua tranquila praia na Bahia, comendo seu peixinho e transportando um isopor na cabeça.

Que eu saiba, ninguém ainda deu por sua falta nas áreas flageladas.

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