domingo, janeiro 10, 2010

PAULO MARKUN e GABRIEL PRIOLLI

Nem concorrência nem submissão

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/01/10


Se São Paulo investe mais de R$ 80 milhões/ano com os programas da TV Cultura, por que outros Estados devem recebê-los de graça?

A TELEVISÃO pública, diga-se com clareza, ainda não existe no Brasil. Emissoras independentes do mercado e dos governos de plantão, mantidas e controladas pela sociedade, são, por enquanto, sonhos, promessas ou, na melhor das hipóteses, projetos em construção. Obra que vem se erguendo aos poucos, de várias formas. Essa heterogeneidade pode ser virtude, mas dá margem a incompreensões, que convém aclarar.
A TV Cultura e a TV Brasil, as duas maiores emissoras oriundas de um modelo educativo-estatal em transição para o modelo cultural-público, padecem no momento com um desses mal-entendidos. Numa lógica de telenovela, comentários de formadores de opinião e reportagens de imprensa têm colocado a emissora paulista no papel de "vilã", ao cobrar de outras estações pelo direito de retransmitirem seus programas, enquanto a TV Brasil desempenha o papel de "boazinha", por oferecer "de graça" toda a sua programação.
Há dois anos, o Senado aprovou a criação da Empresa Brasil de Comunicação, a quem cabe criar a Rede Nacional de Comunicação Pública. Seus recursos, assegurados pelo Orçamento da União, permitem sustentar a oferta graciosa de conteúdos e até o financiamento da modernização ou projetos de produção das afiliadas.
Já a TV Cultura surgiu há 40 anos, para oferecer aos contribuintes paulistas (que a financiam) educação, cultura, informação e formação crítica para o exercício da cidadania, sob a fiscalização de um Conselho Curador, democrático e plural. Depois de alcançar todo o Estado de São Paulo, passou a disponibilizar seu conteúdo pelo satélite, cobrindo todo o país. E, por anos a fio, ofereceu a outras emissoras toda a sua programação -sem ônus para elas, mas também sem qualquer contrapartida para si.
O surgimento da EBC impôs uma mudança de rumo nessa política. A atitude paternalista vem sendo substituída por acordos pontuais e flexíveis com emissoras educativas ou comerciais, em pacotes ajustados às necessidades de cada uma, sem interesse, obrigação ou ônus da Cultura em ser "cabeça de rede".
Se o Estado de São Paulo investe mais de R$ 80 milhões/ano, com esforço, para produzir ou comprar os programas exibidos por sua TV pública, por que outros Estados, interessados nesses programas, devem recebê-los graciosamente? Por que não ajudam a custeá-los, na medida de suas possibilidades?
Recentemente, a Rede Minas adquiriu um pacote anual de dez programas da TV Cultura pelo valor mensal equivalente ao custo de produção de um único episódio de um desses produtos. Negociações semelhantes acontecem com as TVs Educativas do Rio Grande do Sul e do Paraná, a TV Brasil Central (GO) e outras emissoras.
A TV Cultura não integra a rede liderada pela TV Brasil, mas rejeita a condição de concorrente. Tanto que, na cidade de São Paulo, os transmissores da TV Brasil estão sediados na torre da Cultura, por um acordo em que ninguém saiu perdendo.
Quatro de nossos melhores programas -"Roda Viva", "Viola Minha Viola", "Cocoricó" e "Vila Sésamo"- são exibidos há quase dois anos pela emissora federal e afiliadas, com base num contrato de retransmissão que aporta recursos importantes para sua própria manutenção e aperfeiçoamento. Outros programas estão sendo negociados e já há co-produções em andamento. A primeira é "Almanaque Brasil", em pré-produção.
Em 2007, quando a TV Brasil começou a operar, as emissoras que hoje integram sua rede exibiam uma programação composta majoritariamente por produtos oferecidos pela TV Cultura (49%) e pela TVE do Rio (31%), cabendo à produção local os 20% restantes. Hoje, 68% da programação exibida nas mesmas emissoras são gerados pela TV Brasil, 14% pela TV Cultura e 18% são de produção local. Os dados são de setembro de 2009, os mais recentes disponíveis.
Sem subordinação nem concorrência, a TV Cultura continua aberta à cooperação com todas as emissoras públicas brasileiras, como já faz com suas congêneres de Angola, Argentina, Cabo Verde, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Chile, Equador, Espanha, Grã-Bretanha, Guiné-Bissau, Macau, México, Moçambique, Panamá, Peru, Porto Rico, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Uruguai e Venezuela -em muitos casos, por meio de programas idealizados pelo Ministério da Cultura.
Transpor a lógica partidária, governo versus oposição, para o campo da TV pública não interessa a ninguém. A partidarização desse campo certamente não ajuda a lavrá-lo melhor.

PAULO MARKUN é diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, e diretor-tesoureiro da Abepec (Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais).

GABRIEL PRIOLLI é coordenador de Expansão e Rede da Fundação Padre Anchieta.

Um comentário:

  1. Muito interessante artigo. Deu para ficar a saber mais umas coisas sobre o Brasil. Agradecimentos aos signatários.

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