segunda-feira, janeiro 11, 2010

PAULO GUEDES

Especulações sobre a morte do euro

O Globo - 11/01/2010


As viúvas do dólar não se conformam com as perdas patrimoniais sofridas ao longo dos últimos anos pela queda persistente de sua cotação nos mercados de moedas.

Mas agora, nos meses recentes, as expectativas de recuperação da economia americana interromperam o choro das carpideiras, elevando simultaneamente a bolsa, a taxa de juros de longo prazo e o valor da moeda americana.

A moeda continental europeia vinha conquistando gradualmente a preferência dos comerciantes, dos investidores, das empresas transnacionais e até dos bancos centrais. Surgia como a nova moeda forte da economia mundial. Mas a vulnerabilidade econômica de alguns países integrantes da área do euro, como os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), tem provocado ceticismo quanto ao futuro da moeda. Corre até mesmo entre os financistas uma suposta e terrível profecia de Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia: a morte do euro, que não resistiria à sua primeira crise.

Friedman era cético quanto a construções artificiais politicamente motivadas, como a nova moeda europeia. Como um especialista em assuntos monetários, clássico defensor da flutuação cambial, tinha preferência por taxas flexíveis entre os países europeus.

Mas Robert Mundell, o formulador intelectual do euro, também Prêmio Nobel e ainda mais especializado do que Friedman em assuntos monetários internacionais, garantia que estavam atendidas na Europa as condições técnicas para a formação de uma “optimum currency area”, uma região econômica para a qual seria conveniente a adoção de uma moeda única. A motivação do euro seria de fato política, mas teria bons fundamentos econômicos.

Imagine que Pernambuco, Ceará, Paraíba e Sergipe fossem países em um continente (o Brasil), como estão os PIGS na Europa. A Paraíba (Grécia) estaria melhor se flutuasse sua própria moeda em um momento de crise? Não seriam astronômicas as taxas de juros nessa moeda? A mobilidade de recursos produtivos é crítica para o bom funcionamento de uma moeda única.

A migração da mão de obra de áreas economicamente deprimidas para áreas de crescimento é um ajuste natural. Assim, ocorreram no passado as correntes migratórias do Nordeste para São Paulo.

Mas como assistir politicamente a uma migração em massa se, em vez de entre estados, ocorresse entre nações? Poderia a Grécia suportar, como suportaram os estados nordestinos, a verdade econômica nua e crua imposta pela moeda comum? Como assistir politicamente ao esvaziamento demográfico e econômico de nações inteiras? Esse é o ônus político, um efeito bumerangue, da motivação política por trás da criação do euro. Mas o problema é muito mais da Grécia do que propriamente do euro, moeda de emissão moderada quando comparada à diarreia monetária do Federal Reserve. São portanto prematuros tanto o anúncio da ressurreição do dólar quanto as especulações sobre a morte do euro.

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