terça-feira, janeiro 19, 2010

PAUL KRUGMAN

O que não aconteceu


O Estado de S. Paulo - 19/01/2010

Ultimamente, muitas pessoas passaram a criticar a estratégia política do governo Obama. Em geral, parecem convencidas de que o presidente Barack Obama tentou fazer coisas demais - principalmente, que ele deveria ter deixado de lado a reforma da saúde para se concentrar na questão da economia.

Discordo. Os problemas do governo Obama não são a consequência de uma excessiva ambição, mas de uma estratégia política e de avaliações políticas equivocadas. O estímulo foi limitado demais; as medidas adotadas no setor bancário não foram suficientemente rigorosas; e Obama não fez como Ronald Reagan, que também se deparou com uma situação econômica difícil, no início de sua administração, e tratou de proteger-se das críticas usando uma justificativa que responsabilizava os governos anteriores.

Quanto ao estímulo, seguramente ajudou. Sem ele, o desemprego seria muito maior do que é. Mas o programa do governo claramente não teve alcance suficiente para produzir o aumento do emprego em 2009.

Por que o estímulo ficou aquém do que deveria ser? Vários economistas (como eu) pediam um estímulo substancialmente maior do que aquele que o governo acabou propondo. Entretanto, segundo Ryan Lizza, da " The New Yorker", em dezembro de 2008 os principais assessores econômicos e políticos de Obama concluíram que um estímulo maior não seria necessário do ponto de vista econômico nem factível do ponto de vista político.

Talvez seu julgamento político tenha sido incorreto, talvez não; obviamente seu julgamento econômico foi. Contudo, o que quer que tenha levado a este julgamento não foi a falta de uma preocupação maior com esta questão: no final de 2008 e no início de 2009, a equipe de Obama só estava concentrada praticamente nisso. O governo não estava distraído; estava apenas equivocado.

Podemos dizer o mesmo a respeito das medidas adotadas em relação aos bancos. Alguns economistas defendem a decisão do governo de não adotar uma linha mais dura com estas instituições, argumentando que elas estão começando a lucrar e a se recuperar. Mas o tratamento mais brando usado com o setor financeiro fez com que o poder das mesmas instituições que provocaram a crise se fortalecesse, mesmo que deixasse de retomar os empréstimos: os bancos que receberam a ajuda estão reduzindo, e não aumentando suas carteiras de empréstimos. E teve consequências políticas desastrosas: o governo se colocou do lado errado da ira popular contra as operações de salvamento e o pagamento das bonificações.

Finalmente, quanto à justificativa, é instrutivo comparar a postura retórica de Obama na área econômica com a de Ronald Reagan. Agora as pessoas muitas vezes esquecem, mas na realidade o desemprego subiu vertiginosamente depois do corte dos impostos de Reagan, em 1981. Entretanto, Reagan tinha a resposta pronta para os críticos: o que estava dando errado era o resultado da estratégia errada adotada no passado. Na realidade, ele passou os primeiros anos de seu governo competindo contra Jimmy Carter.

Obama poderia ter feito o mesmo - com mais justiça, eu diria. Poderia ter apontado que os constantes problemas econômicos dos EUA são o resultado de uma crise financeira que foi se avolumando no governo Bush, e que, pelo menos em parte, foram decorrentes da recusa do governo Bush de regular o setor bancário.

Mas ele não fez nada disso. Talvez ainda sonhe em acabar com as divisões partidárias; talvez ele tema a ira dos gurus que consideram uma atitude grosseira culpar o predecessor pelos problemas atuais - quando o presidente é democrata. Qualquer que seja a razão, Obama permitiu que o público esquecesse, rapidamente,, que os problemas da economia não começaram sob a sua guarda.

Portanto, onde se enquadram as queixas de que sua agenda é muito ampla? Será que o governo poderia fazer uma correção da política econômica na metade do curso se não estivesse travando as batalhas da reforma do sistema de saúde? Provavelmente não. Um dos argumentos fundamentais dos que pressionam por um programa de estímulo maior é que não haverá uma segunda chance: se o desemprego continuar elevado, advertiram, as pessoas concluirão que o estímulo não funciona, e não que precisávamos de uma dose maior. E foi o que ficou comprovado.

Além disso, é importante lembrar a importância da reforma do sistema de saúde para a base democrata. Alguns ativistas ficaram decepcionados com os compromissos assumidos para que a legislação fosse aprovada no Senado - mas teriam ficado ainda mais desiludidos se os democratas tivessem simplesmente desistido desta questão.

Além disso, os políticos devem se preocupar com outras coisas e não apenas em ganhar eleições. Mesmo que a reforma do sistema de saúde perca votos democratas (o que é inquestionável), é a coisa certa a fazer.

E o que vem a seguir? A esta altura, Obama provavelmente não poderá fazer muito para a criação de empregos. Mas pode pressionar para a aprovação da reforma financeira, e procurar colocar-se do lado certo da ira do público mostrando os republicanos como inimigos da reforma - o que são de fato.

E ao mesmo tempo, os democratas precisam fazer tudo o que for preciso para elaborar um projeto de lei sobre o sistema de saúde. A aprovação deste projeto não será sua salvação política - mas a não aprovação de um projeto seguramente será sua condenação política.

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