segunda-feira, janeiro 11, 2010

NATHAN BLANCHE

Fundo Soberano tropicalizado

O Estado de S. Paulo - 11/01/2010


Entre o início de 2003 e novembro de 2009, o real apreciou-se 49,8% em relação ao dólar e a inflação acumulada medida pelo IPCA atingiu 38%. Sem dúvida, o câmbio foi fator relevante para manter a inflação dentro das metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Para 2010, este cenário deve mudar, uma vez que projetamos estabilidade para a taxa de câmbio em termos nominais na comparação entre dezembro de 2009 e dezembro deste ano, ainda que o câmbio deva atingir níveis superiores durante o período eleitoral. Embora a inflação não seja um problema, os riscos estão cada vez maiores, tendo em vista o expressivo aumento da demanda pública e as ideias criativas para que o Tesouro intervenha no mercado de câmbio via Fundo Soberano. O resultado já conhecemos: juros mais altos e menor crescimento.

A economia deve crescer 5,2% neste ano, mas, mesmo com essa expansão, a inflação deve permanecer dentro da meta estabelecida (4,5%) por causa basicamente de três fatores. O primeiro deles é a ociosidade na capacidade de oferta, principalmente no setor industrial, de cerca de 4 pontos porcentuais (o nível de utilização da capacidade instalada, que era de 84% antes da crise, está em torno de 80,5%).

O segundo são as importações que devem crescer 25% neste ano, ajudando a complementar a oferta doméstica, e com reduzida pressão nos preços, dada a elevada capacidade ociosa também na economia mundial. Chama a atenção o fato de que 50% de nossas importações são compostas por insumos e componentes.

E o terceiro fator é a inflação inercial bastante moderada vinda de 2009, que também contribuirá para que a inflação fique dentro da meta.

O reflexo direto desse crescimento expressivo da economia ocorrerá sobre o saldo em transações correntes. Haverá uma piora substantiva do déficit em conta corrente, que deve passar de 1,1% do PIB para cerca de 1,8% do PIB neste ano. O saldo da balança comercial, que chegou a US$ 24,6 bilhões em 2009, deve atingir US$ 20 bilhões. Consequentemente, o déficit em transações correntes será elevado de cerca de US$ 19 bilhões para US$ 35 bilhões. Essa piora nas contas externas tem como principal fator o aumento das demandas pública e privada da ordem de 5,1% e 5,2%, respectivamente, que resultará na expansão da economia estimada em 5,2%.

A despeito do maior déficit em transações correntes, da volatilidade eleitoral e da apreciação do dólar em relação a uma cesta de moedas já apontada pelos mercados futuros para este ano, o saldo negativo em conta corrente deve ser financiado sem maiores problemas.

As rubricas investimento direto estrangeiro, investimentos nos mercados de renda fixa e renda variável e empréstimos e financiamentos devem ser as principais responsáveis pela entrada de dólares no País neste ano, ainda que seja considerada uma possibilidade de saídas temporárias de dólares no auge do período eleitoral.

Esse cenário positivo para este ano, entretanto, vem acompanhado de riscos cada vez maiores. O primeiro diz respeito ao não financiamento do déficit em transações correntes decorrente de um crescimento da economia acima do potencial, alimentado por gastos públicos. Um aumento da percepção de risco em relação ao Brasil, reflexo de uma contínua deterioração das contas públicas, dificultaria a captação da poupança externa, gerando depreciação do câmbio, mais inflação, mais juros e, portanto, menor crescimento.

O segundo deles diz respeito à atuação do Tesouro no mercado de câmbio, por meio do Fundo Soberano do Brasil. O Decreto nº 7.055/09, que regulamenta o Fundo Soberano do Brasil, abre brechas para a atuação paralela do Tesouro no mercado de câmbio, o que embute riscos e instabilidade em relação ao atual modelo de política econômica baseado no sistema de metas de inflação. Ou, ainda, há o risco da ambiguidade em relação aos fundamentos da política macroeconômica conduzida pelo Banco Central (regime de metas de inflação), já que teríamos um novo agente atuando diretamente na formulação de política econômica, mas com foco no câmbio.

Além disso, tal regulamentação explicita a falta de entendimento do governo sobre o conceito de Fundo Soberano, como adotado nos demais países, em que os recursos servem como reserva para agir contra a volatilidade e não para intervir, simplesmente, no mercado de câmbio. Inclusive, há uma agravante na regulamentação, que é a possibilidade de o Tesouro emitir títulos de dívida para levantar recursos para compor esse fundo para atuar no mercado de câmbio.

Diante disso, a principal mensagem é que não há milagre. A taxa de câmbio daqui para a frente não deve incorrer em apreciação expressiva, como no passado, contribuindo para segurar a inflação em níveis compatíveis com a meta, seja porque estamos caminhando para períodos de déficit em transações correntes maiores, seja porque o dólar deve voltar a se apreciar em relação a uma cesta de moedas, e finalmente porque as incertezas em relação ao câmbio devem aumentar a partir do momento em que o Tesouro começar a atuar no mercado de câmbio.

Para evitar que os riscos se materializem, especialmente a partir de 2011, o novo governo terá de arregaçar as mangas e trabalhar inicialmente aumentando o superávit primário para níveis observados no primeiro mandato do governo Lula (em torno 4% do PIB), para conter a expansão da demanda e, consequentemente, a pressão sobre os preços. E, ainda, deixar o câmbio nas mãos do Banco Central para evitar incertezas em relação à atuação no mercado de câmbio e, mais do que isso, um aumento expressivo da dívida pública, dado que o Tesouro pode emitir para aumentar o colchão do Fundo Soberano. Caso as medidas não sejam tomadas, o resultado será: mais juros e menor crescimento.

Nathan Blanche é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada

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