segunda-feira, janeiro 11, 2010

NAS ENTRELINHAS

Fala, Dilma!


Denise Rothenburg
Correio Braziliense - 11/01/2010

É chegada a hora de a ministra da Casa Civil discorrer com mais segurança sobre os temas nacionais. Dizer, nesta primeira semana de trabalho do ano eleitoral, o que deve ser feito com o decreto dos direitos humanos é um bom começo


Na primavera de 2009, quando a candidatura de Marina Silva surgiu no horizonte da sucessão presidencial, um petista comentou com ares de preocupação: “Marina é inteligente, cresce num palanque e tem sensibilidade para tratar dos mais variados temas. Se não tomarmos cuidado, ela vai abocanhar parte da nossa base, inclusive o MST”.

A frase foi dita durante um jantar desses que reúne jornalistas e políticos com a promessa de que o que for dito ali poderá ser usado apenas no futuro, para não “entregar a fonte”. Passou quase que despercebida, num momento em que havia outros temas mais relevantes, como o pré-sal.

Agora, à luz do decreto sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos e das conversas que Marina Silva tem tido silenciosamente por alguns estados, certas preocupações começam a fazer mais sentido do que naquele tempo primaveril, dos ipês brancos floridos de Brasília.

O decreto que criou tanta celeuma nos últimos dias e — ao lado da polêmica dos caças suecos versus franceses — promete esquentar os tamborins desse período pré-carnavalesco chega num momento em que Marina Silva conquista antigos aliados do PT.

Todos sabem que, numa corrida eleitoral, conta pontos não só buscar novos aliados, como Lula tem feito com o empresariado paulista. Às vezes, vale mais evitar que aqueles amigos de longa data busquem novas paragens. Nesse sentido, não foram poucos os representantes do Movimento dos Sem-Terra (MST), que, num encontro com Marina, se mostraram entusiasmados com a candidatura presidencial da ex-ministra do meio ambiente.

Pode ser mera coincidência e ninguém está livre disso. Mas é fato que conversas de Marina com o MST e — por tabela, as notícias publicadas nos jornais de que a candidatura dela racharia a base do Movimento — ocorreram justamente num momento em que o governo alinhavava o que, em dezembro, virou o decreto do PNDH assinado por Lula. E o lançamento do texto, nunca é demais lembrar, teve a figura da ministra Dilma Rousseff como grande destaque.

Por falar em Dilma, nesta segunda-feira, quando o governo volta da praia, é chegada a hora de a ministra da Casa Civil discorrer com mais segurança sobre os temas nacionais. Dizer, nesta primeira semana de trabalho do ano eleitoral, o que deve ser feito com o decreto dos direitos humanos é um bom começo.

A ministra pode até tentar sair pela tangente, dizendo que quem cuida dos temas de governo é o presidente e coisa e tal. Ocorre que todos já sabem que ela foi escolhida por Lula para representar o governo e o PT na sucessão presidencial. Como detentora desse papel, não dá mais para se esconder atrás do presidente e aparecer como a dona da bola só no horário eleitoral gratuito. Lá, tudo é ensaiado e gravado e vai ao ar apenas quando os profissionais do marketing acham que o(a) candidato(a) está bem o suficiente para encantar o eleitor. No dia a dia presidencial, não há tempo para ficar nesses ensaios. É preciso ter jogo de cintura para improvisar e decidir com segurança.

Um tema que ela também ainda não abordou com a propriedade de uma pré-candidata foi a compra dos caças. Por coincidência, se ela voltasse ao trabalho logo na primeira semana de janeiro, teria sido atropelada pelo relatório em favor dos suecos e certamente seria perguntada sobre as divergências do governo.

No fim de semana, houve quem especulasse sobre o fato de a ministra ter prolongado as férias por mais uma semana. Oficialmente, o motivo foi a suspeita de gripe suína. Ok. Mas, nos bastidores, há quem esteja desconfiado de que ela preferiu ficar fora mais uns dias para não precisar tratar sozinha (Lula continuava em ferias) de assuntos tão desgastantes politicamente.

A gripe da ministra veio junto com a tragédia em Angra dos Reis, a polêmica dos caças e as notícias sobre o decreto do PNDH, mais uma coincidência tão grande quanto o decreto e a aproximação de Marina com o MST. Se tudo for assim mesmo, contrariando a máxima de que em política não há coincidências, 2010 começa cheio delas.

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