quinta-feira, janeiro 07, 2010

NAS ENTRELINHAS

Nosso febeapá particular

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 07/01/2010

Qual é a maior dificuldade para implantar uma gestão supranacional da humanidade? Saber quem vai executá-la, quem vai tomar conta. O supranacionalismo é uma contradição em termos, pois precisaria ser imposto por alguém


Quando a crise mundial das finanças eclodiu, em setembro de 2008, alguns líderes políticos executaram a “fuga para a frente”. Viram uma bela oportunidade nas dificuldades econômicas trazidas pelo colapso do crédito. Ofereceram como soluções o aprofundamento do livre-comércio e uma regulação globalizada. Daí que Luiz Inácio Lula da Silva tenha sonhado com a reativação da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio e também com o G20 na função de agência reguladora planetária do mercado financeiro.

Os movimentos do presidente trouxeram prestígio internacional a ele e ao Brasil, e despertaram esperanças. Mas, como era previsível, deram em nada. E houve um repeteco na Conferência do Clima, recém-concluída em Copenhague. Desejou-se uma governança mundial que impusesse a cada nação o comportamento mais adequado para conter a emissão dos gases responsáveis pelo efeito estufa. Esse supranacionalismo também não colou na reunião da Dinamarca, frustrando quem projetava, quase cem anos depois, um novo “assalto ao Palácio de Inverno”. Agora com o verde a substituir o vermelho de praxe.

Por que os desejos multilateralistas acabam dando em frustração neste quase fim de década do novo século? Toda frustração surge de uma expectativa. Um dos corolários do “fim da História”, tese produzida nas ruínas do socialismo na Europa do Leste, era a obsolescência da questão nacional. Duas décadas depois, o mundo assiste ao fenômeno inverso: nunca desde a Segunda Guerra Mundial a política global foi tão explicitamente determinada pela soma vetorial dos interesses da cada país.

Até por não haver mais “sistemas organizadores”. Não há um “campo socialista”, muito menos um “movimento dos países não alinhados”. A última tentativa de criar algo veio de George W. Bush, com sua política de “expansão da liberdade”, comandada pelos Estados Unidos. Morreu quando os americanos decidiram que a brincadeira estava ficando muito cara e cobrando um excessivo custo em vidas. E eles voltaram à “guerra contra o terrorismo”.

Qual é a maior dificuldade para implantar uma gestão supranacional da humanidade? Saber quem vai executá-la, quem vai tomar conta. Os chineses disseram em Copenhague que não aceitam imposição externa de metas de emissão de carbono, nem monitoramento internacional nos assuntos ambientais deles. Defenderam ali também os interesses de outros, inclusive o nosso. Houve quem não gostasse. E daí? Vão fazer o quê? Deixar de exportar para a China? Promover um boicote aos produtos chineses? Improvável. Simplesmente falta quem coloque o guizo no pescoço do gato. O supranacionalismo é uma contradição em termos, pois precisaria ser imposto por alguém.

Agora é o câmbio. Cresce a pressão para que os chineses desvalorizem a moeda e abram mais seu mercado à competição. Tampouco é provável que role. Numa sociedade com muitas centenas de milhões ainda fora do mercado, não haveria como manter a estabilidade política sem crescer e gerar empregos aceleradamente. E isso só se consegue com indústria, muita indústria. E ela não combina com livre-comércio, como sabemos nós desde a Colônia.

Pode estar na hora de o resto do mundo aceitar essa realidade, ajustando-se a ela. Por que nós também não cuidamos do que é nosso, da nossa indústria que patina 10% abaixo do nível de antes da crise, dos empregos necessários para absorver os jovens saídos da escola? O que nos falta para deixarmos de ser um país que festeja um PIB de 0% no ano, porque “poderia ter sido pior”? Aliás, se um marciano descesse hoje no Brasil e assistisse ao festival forçado de otimismo na publicidade, oficial e não, acreditaria que a China é aqui.

Qual é o drama (ou a tragédia) dos Estados Unidos? Depender de poupança alheia para manter seu padrão de vida e seu poderio. Nós nos ufanamos de finalmente termos deixado de ser imitadores dos americanos, mas talvez estejamos insistindo em imitá-los no que têm de pior. E com um discurso livre-cambista e globalizante para dar cobertura. E tudo embalado num belo papel de presente “anti-imperialista”. Um febeapá de arrancar lágrimas de emoção do velho Stanislaw, que Deus o tenha.

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