quinta-feira, janeiro 28, 2010

MERVAL PEREIRA

Como controlar?

O GLOBO - 28/01/10


DAVOS. Espantosamente em se tratando do Fórum Econômico Mundial não houve vozes dissonantes quanto à necessidade de uma nova regulamentação do sistema financeiro internacional, e o programa do governo Obama, que foi classificado de populista pelo mercado financeiro e por críticos liberais, recebeu o apoio do consultor Nouriel Roubini, tido como um dos poucos, talvez o único economista a prever a crise econômica que estourou em setembro de 2008.

Mas, para mostrar a dificuldade de se chegar a um consenso sobre uma regulamentação dos mercados financeiros, houve discussões durante todo o dia sobre a profundidade das novas medidas, e até que ponto uma regulamentação muito rigorosa não trará mais prejuízos que benefícios ao sistema financeiro internacional.

E m diversos painéis nesse primeiro dia de Fórum, houve um consenso de que a nova regulamentação deve garantir os interesses dos contribuintes e dos cidadãos de maneira geral, diante da possibilidade real de que dinheiro público venha a sustentar instituições financeiras, como aconteceu na recente crise financeira, para evitar que sua quebra afete o sistema como um todo.

No entanto Roubini alertou para o fato de que não é mais possível tolerar a existência de instituições financeiras que sejam “muito grandes para quebrar”, colocando em risco todo o sistema.

O contraponto foi feito pelo professor de Finanças da Universidade de Chicago Raghuram G. Rajan, que acrescentou que também não pode haver o caso de muitos pequenos bancos.

O que dividiu opiniões foram a profundidade e o rigor dessa nova regulamentação, e os objetivos dela. Embora considerada inevitável, a regulamentação do sistema financeiro, com motivações políticas e provocada pela raiva da opinião pública não será eficiente e, ao contrário, pode levar a novas crises.

Foi o que se viu no discurso do presidente da França, Nicolas Sarkozy, que na fala de abertura do Fórum pediu regulamentação “mais apertada” e limites para o pagamento de executivos financeiros, advertindo que “lucros excessivos” não serão mais tolerados quando não tiverem relação com a criação de empregos e bem-estar para a sociedade.

O painel de que participou Roubini chegou a uma conclusão que tem tudo a ver com a atuação dos políticos no atual momento da crise: o foco em questões periféricas, mas de apelo popular, como pagamentos de bônus para os executivos, pode desviar a atenção para as questões que realmente importam, como a transparência nas negociações e o risco de uma má gestão financeira.

Foi este, por exemplo, o ponto levantado pelo professor Rajan, que ressaltou que corremos o risco de atacar as questões mais visíveis em vez de fazer um trabalho de profundidade.

Uma das críticas feitas a uma regulamentação financeira com objetivos políticos foi a de que ela poderia levar a aumentar os custos do sistema de maneira geral.

Além do mais, a nova regulamentação não deveria atingir apenas os bancos, mas também as agências de risco e o sistemas não bancários de investimentos.

Sempre levando em conta que apenas a regulamentação não resolverá o problema sozinha, muito menos uma regulamentação que não tenha uma coordenação internacional.

Mesmo que seja considerado impossível um sistema regulatório único, as legislações nacionais terão que ter um mínimo de harmonia entre si para que as regras tenham eficácia.

Com relação ao alcance dessa regulação, o professor de Chicago advertiu que os países emergentes, que estão saindo da crise antes das economias maduras, não deveriam ser tolhidos por ela, pois deixariam de exercer o papel de motor da recuperação econômica.

No painel intitulado “A próxima crise global”, organizado pela rede de televisão CNBC, três fatores foram destacados como potencialmente geradores de uma futura crise, sendo o principal deles o descontrole do débito soberano dos países, considerado em uma votação como o mais provável detonador da próxima crise global.

Para combater a crise internacional, países da Europa e os Estados Unidos aumentaram suas dívidas entre 75% e 100%, e podem ter penhorado seu futuro em troca de uma solução de curto prazo, ressaltaram os debatedores.

Outras ameaças seriam o protecionismo, que prejudicaria o livre comércio e a globalização, e uma regulamentação excessiva do sistema financeiro.

Enquanto alguns economistas consideram que esse é um risco grande, o público colocou essa causa como a menos arriscada de todas, mostrando bem a distância entre a percepção das pessoas e o comportamento dos executivos financeiros.

No painel sobre “bolhas especulativas”, essa diferença ficou patente. Uma discussão fundamental, na qual não se chegou a um consenso, foi sobre a atuação de governos para prevenir novas bolhas ou esvaziálas enquanto não estão grande demais.

Enquanto a maioria concordava que medidas regulatórias como limitação de alavancagem e até mesmo controle de créditos são necessárias para evitar novas bolhas como a imobiliária, que levou à atual crise financeira, houve quem chamasse a atenção para o fato de que , em determinadas condições, bolhas especulativas podem ser encorajadas, ou pelo menos toleradas, como maneira de estimular ou revitalizar uma economia.

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