Café, o fim de um ciclo
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/01/10
Nossa cafeicultura passa hoje pelo mesmo desafio pelo qual passaram indústrias que migraram de países ricos para o 3º Mundo
UM GRUPO de cafeicultores e pessoas interessadas em nossa produção de café vem discutindo na Sociedade Rural Brasileira o tema "Caminhos para o café". As discussões formais e informais nos levaram a conclusões surpreendentes.
Estamos assistindo ao fim de um ciclo, durante o qual um único produto foi o principal em nossa pauta de exportações e financiou parte importante da industrialização do país. Em décadas recentes, o café foi perdendo sua importância relativa, graças à progressiva diversificação de nossa economia e à perda de competitividade do produtor brasileiro de café.
O Brasil ainda é o maior produtor de café, o maior exportador, mas, mesmo numa fase de preços internacionais relativamente favoráveis, nosso produtor não tem obtido retorno adequado. Somos os produtores mais eficientes, temos uma estrutura de comercialização muito competitiva e com baixos custos e temos o segundo maior mercado consumidor.
Mas, ao mesmo tempo, o progressivo desenvolvimento de nossa economia leva ao encarecimento da mão de obra. O principal impacto na cafeicultura dessa mudança altamente benéfica para o país é a perda de competitividade do produtor tradicional em regiões de montanha, que tem uso intensivo da mão de obra.
Num negócio em que a mão de obra representa mais de 50% do custo da produção, um produtor que paga a um colhedor US$ 500 mensais não tem como competir com produtores da América Latina, da África e da Ásia, que buscam esse valor como renda anual.
Como todos os demais países produtores são menos desenvolvidos que o Brasil e não têm alternativas de diversificação da agricultura, o aumento de custos para o produtor brasileiro não se reflete num aumento de preços no mercado internacional.
Nossa cafeicultura passa hoje pelo mesmo desafio pelo qual passaram indústrias intensivas em mão de obra que, aos poucos, migraram de países ricos para o Terceiro Mundo.
Além disso, durante esse mesmo período, a indústria do café passou por uma progressiva substituição do café arábica, de mais alto custo e com maior potencial de qualidade, pelo café robusta, produzido em regiões de menor altitude, com menor custo.
O produtor de robusta, que abastecia 25% do consumo mundial há 30 anos, hoje tem uma participação de 40% no mercado mundial de café.
Nosso produtor tradicional se vê em situação similar à da indústria automobilística americana, que sempre esteve na vanguarda do negócio, mas agora vem sendo substituída por produtores mais competitivos.
Tudo isso levou a um recorrente endividamento de um grande número de cafeicultores, que não têm nenhuma perspectiva de gerar resultado na produção para abater a dívida, enquanto continuam contribuindo para uma oferta excedente do produto, o que pressiona contra eventuais ganhos de preço que recuperem a competitividade da cafeicultura.
Precisamos buscar uma regra de saída para esses produtores que lhes reduza a dívida com o compromisso de erradicação da parte ineficiente do parque produtivo. Isso levaria à redução da área e ao aumento da produtividade, com consequente redução das exportações, provocando um aumento das cotações internacionais sem impacto negativo na receita exterior.
Ajudar a saída de agricultores menos competitivos pode também dar impulso a uma reforma agrária pacífica e viável. A expansão da cafeicultura tem vindo da produção familiar: o café é, possivelmente, a cultura mais adequada a uma propriedade familiar, por ser uma produção intensiva no uso da terra e da mão de obra.
Ela é mais viável na propriedade familiar, que não é sujeita ao nosso pesado custo Brasil de altos encargos sociais, juros altos, altos impostos sobre a produção e custos crescentes de licenciamento e adequação ambiental.
Defender a redução da dívida de agricultores é tabu no Brasil, onde os bancos têm conseguido sempre renegociações que resolvem os seus problemas, mas não necessariamente os dos produtores. Mas problemas graves exigem soluções drásticas, e o fundo que financia a cafeicultura foi criado com recursos provenientes dela com o objetivo de viabilizá-la.
Essa dívida impagável deprime mercados, leva a uma crescente desilusão e angústia os produtores responsáveis que buscam solver seus compromissos e serve de desculpa para os irresponsáveis. E perpetua uma discussão das entidades representativas em torno de periódicas renegociações e alongamentos, quando deveriam estar desenvolvendo estratégias de longo prazo para a recuperação da competitividade, sem as quais nossa cafeicultura permanecerá nesse impasse dos últimos anos.
MARCELO VIEIRA produz café em Minas Gerais, é diretor da Adecoagro e membro do Departamento do Café da Sociedade Rural Brasileira. Foi presidente da BSCA - Brazil Specialty Coffee Association.
LUIZ MARCOS SUPLICY HAFERS produz café na Bahia e no Paraná e é membro do Departamento do Café da Sociedade Rural Brasileira, entidade da qual já foi presidente.
Parabens pelo artigo publicado.Pena que as autoridades não entendam o problema da forma em que foi mostrado. Os cafeicultores que dependem da contratação de mão de obra e que não têm condições de mecanizar suas lavouras estão acabando. A maioria deles estão endividados e sem nenhuma condição de pagar suas dívidas, pois não têm crédito e assim não conseguem manter tratos culturais adequados e as lavouras vão ficando improdutivas.
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