sexta-feira, janeiro 15, 2010

LUIZ GARCIA

Haiti

O GLOBO - 15/01/10

Há algo digno de nota no terremoto do Haiti: é uma das poucas vezes que a Natureza leva morte e destruição em grande escala a essa triste e trágica nação caribenha.

Até recentemente, foram os homens — tanto brancos como haitianos — que quase sempre encarregaramse disso, com terrível eficiência. O primeiro europeu que lá chegou foi Colombo, poucos meses depois de descobrir a América. O descobridor genovês logo voltou para casa, e os visitantes seguintes foram espanhóis que logo entraram em choque com os franceses.

Quando a França ganhou a parada, no fim do século XVIII, a população nativa já tinha sido dizimada, por doenças e pelas tropas da potência colonial.

Colônias desertas não são muito lucrativas, e os franceses importaram mão de obra escrava da África. No fim do século XVIII, os negros já eram a maioria da população. E tomaram o poder. Mas quase todos os seus líderes não tinham grande amor pela democracia: nas décadas seguintes, 21 deles tiveram fim trágico, diversos foram depostos e condenados à morte; um foi linchado; outro morreu numa explosão em seu palácio.

Já no século XX, o Haiti penou sob a ditadura violenta de François Duvalier, o Papa Doc. Ele ficou 14 anos no poder, graças em grande parte à eficiente violência da milícia secreta dos tontons macoute e à exploração do vodu como magia negra.

Exploração e deformação: na sua origem africana, o vodu é uma tradição religiosa respeitável, da qual se originou o candomblé brasileiro.

Papa Doc foi sucedido pelo filho, o Baby Doc, só diferente do pai na falta de competência para se aguentar no poder.

Acabou deposto pelos militares. Os terremotos políticos não cessaram imediatamente, mas a situação é bem diferente hoje. O país é governado pela segunda vez por René Préval, primeiro chefe de governo haitiano que entregou o poder voluntariamente ao fim do primeiro mandato. Com certeza, Préval não merecia o terremoto. Já o sofrido povo haitiano, também com certeza, merece ter um presidente como ele — tão diferente de muitos de seus antecessores — nestes dias de tanto sofrimento.

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