terça-feira, janeiro 26, 2010

JANIO DE FREITAS

Ai, que campanha

FOLHA DE SÃO PAULO - 26/01/10

Ver Dilma discursar dá uma sensação de fora de lugar, falta de bossa; Serra é orador com discurso de papel, sem garra

O QUE MAIS ANIMA uma campanha eleitoral longa como a nossa, em condições normais, é a guerra, entre os principais candidatos, de diretas e indiretas espirituosas e ferinas, espontâneas e bem encaixadas, que fazem comparar a vivacidade ou a autoconfiança de um e de outro, traços de personalidade ou mesmo de concepção de vida, governo e política.
Não é o que se pode esperar de Dilma Rousseff e José Serra. Naquele sentido, pior do que serem tão semelhantes, é que são muito desanimadores. Quem vai ficar com o papel de injetar alguma espontaneidade na disputa dos dois é Lula, mas a perspectiva de ouvi-lo ainda mais é, para muita gente, quase assustadora. Ou mais que isso.
A cada vez que ouço/vejo a candidata-ministra discursando em um dos comícios, ou atos "de governo", é uma sensação de fora do lugar, de quadro de cabeça para baixo, que só não desligo como penitência pela profissão adotada.
Não é só falta de traquejo, como se poderia deduzir da insistência oposicionista em que Dilma nunca fez campanha, nem ao menos fez política em escala maior. É uma falta que não tem a ver com inteligência, cultura, educação. É um talento específico que falta, a falta de bossa. Na conversa a coisa pode ir muito bem, mas, diante de público, desanda. Ou melhor, não anda: é aquele corpo estático, os gestos não combinam com as palavras, as palavras não combinam com a alternância da ênfase, e o rosto, coitado, é traído pela perversidade do medo.
Se tudo dependesse de traquejo, Serra, com tantas campanhas feitas, por certo não seria um caso a admirar-se, mas estaria na média, entre os que não chegam a reavivar, ao ouvi-lo, a vontade distante de uma profissão mais aérea. Inclusive porque Serra tem o que dizer. O problema é que não diz: quer, supõe-se, mas não consegue. Travado, rígido, com o rosto capaz de traições que não dispensam nem uma brancura fatal.
Aniversário da cidade em um momento difícil, Lula presente com as demagogias engatilhadas, ontem era dia de Serra se exibir em um discurso daqueles, vibrante, de lançar empolgação pelo país afora, de comover até banqueiros paulistas. Mas apareceu só o Serra conhecido: o orador contido, com um discurso formal, discurso de papel, sem garra e sem futuro.
Já muitos políticos se submeteram a aulas de representação, de desinibição, de colocação da voz e outras promessas. O único caso de efeito comprovado, que me conste, foi o de Carlos Lacerda. Aluno tão aplicado, que passou muito da medida em vários sentidos. Mesmo esse resultado, porém, talvez fosse melhor para animar a campanha que nos espera. Sem alguma coisa assim, só há uma solução: meu reino por uma passagem aérea.

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