quinta-feira, janeiro 07, 2010

JANIO DE FREITAS

A turbulência dos caças

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/01/10


As negociações nunca passaram de negociações; a haver "decisão política", não haveria abertura de negociações, no sentido que o próprio Lula lhes deu

A CONTRADIÇÃO entre a preferência especializada da FAB pelo caça sueco Gripen e, de outra parte, a motivação "política" de Lula para compra do avião francês Rafale leva -entre jornalistas, políticos e no próprio governo- a uma quantidade grande de equívocos e precipitações. A começar da ideia, como assegurava anteontem um comentarista de TV, de que, "se o presidente quiser comprar o Rafale", a despeito do parecer da FAB, "tem todo o direito de fazer isso". Não, não tem essa liberdade.
Tal ideia, muito difundida, decorre da preliminar de que Lula haveria dito, depois de encontro com o presidente Sarkozy, querer ou ter decidido comprar o caça francês. E, a partir de então, ter reafirmado, com a constante repetição também do ministro Nelson Jobim, que "a decisão será política", e independente da avaliação técnica, orçamentária, de absorção tecnológica e tático-estratégica da FAB.
Lula não disse querer ou haver decidido comprar o Rafale. O que comunicou de público, a propósito da conversa com o presidente francês em Brasília, por ocasião do Sete de Setembro do ano passado, foi "a decisão de abrir negociações para compra de aviões Rafale".
As negociações nunca passaram de negociações. A FAB não quis que ficassem restritas ao caça francês, no que foi acompanhada por investidas imediatas dos fabricantes do F-18E (Boeing) e do Gripen (Saab).
E, apesar de todas as pressões, levadas ao ponto de Nelson Jobim, em desespero de causa, querer impedir a FAB de pareceres comparáveis dos aviões entre si, nada pôde passar de negociações. Nas quais as condições do Rafale foram melhoradas várias vezes por Sarkozy, premido pela necessidade de conseguir a primeira venda desse caça (derrotado em todas as concorrências de que participou) e de recuperar parte do auxílio governamental ao enfraquecido fabricante Dassault.
As conclusões da FAB sobre os três concorrentes nada têm a ver com o impasse, entre os comandantes militares e Lula, em torno do Plano Nacional de Direitos Humanos e sua pretendida Comissão da Verdade. A FAB apenas recusou-se a não fazer o seu papel, e o fez.
A haver "decisão política", não haveria negociações, no sentido que o próprio Lula lhes deu. Seriam dois os motivos para a propalada "decisão política". O primeiro é o propósito de adotar uma aliança estratégica com a Europa, selecionando a França, para substituir a compulsória aliança com os Estados Unidos, o que é fácil deduzir da Estratégia de Defesa Nacional elucubrada por Mangabeira & cia.
O outro motivo é permutar, com o novo par na aliança estratégica, os altos negócios do seu interesse pelo apoio que dê, com o cacife de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, à entrada do Brasil nesse círculo.
O primeiro motivo é de fundamentos mais do que duvidosos. Os estrategistas do Planalto parecem esquecer que a França tem com os Estados Unidos uma aliança militar -a Otan- muito dificilmente superável em favor do Brasil, supondo-se uma contraposição mais séria entre nós e os EUA (hipótese que também se pode deduzir do tal plano estratégico).
O segundo motivo não é menos inconvincente. Até hoje, os Estados Unidos recusaram-se a apoiar a entrada do Brasil no Conselho de Segurança. Têm nisso a companhia da Rússia. A última coisa a pensar-se, então, é que aceitariam a entrada de um país que, por força de uma "aliança estratégica", tenderia a ser sempre parceiro de outro integrante do círculo. Percepção em que os EUA têm outra vez a companhia da Rússia.
Além da aliança militar na Otan, a França é parte também de uma aliança política, a cujos objetivos integrou a sua estratégia nacional: é a União Europeia. Agora com sua Constituição, com presidência, com política externa própria e cada vez mais influente nas relações internacionais -enfim, uma aliança política que a França jamais transgredirá em favor de uma "aliança estratégica" com o Brasil.
A maior aproximação com a França pode ser muito conveniente. Mas não nas condições assombrosas, financeiras e outras, para a compra dos Rafale. Já basta o negócio feito com submarinos franceses e com a pretendida colaboração em projetos nucleares.
E não esqueçamos que Lula não pode fazer alianças internacionais, estratégicas ou não, por decisão pessoal. A Constituição exige que sejam submetidas ao Congresso. E as torna passíveis de exame pelo Judiciário, com a possibilidade de consequências graves para o presidente que viole as exigências constitucionais.

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