segunda-feira, janeiro 04, 2010

EVERARDO MACIEL

Recuperação da Receita

O Estado de S. Paulo - 04/01/2010


Em tempos muito recentes, a Receita Federal resolveu seguir a moda da espetaculosidade, adotada por alguns órgãos públicos. Em crescente desuso, essa conduta de viés pretensamente ideológico se revelou, na prática, muito pouco eficaz em relação aos objetivos colimados.

A nova administração desse órgão parece retornar ao curso natural de uma gestão eminentemente técnica. O revigoramento de sua capacidade operacional revela-se em normas constantes da Medida Provisória (MP) nº 472 e de instruções normativas editadas no final do ano. Por sua relevância, essas providências bem poderiam ser denominadas "Programa de Recuperação da Receita".

A Instrução Normativa nº 979, ao disciplinar o regime especial de fiscalização, instituído pelo artigo 33 da Lei nº 9.430, de 1996, pôs à disposição do Fisco uma importante ferramenta no enfrentamento da sonegação contumaz, qualificada numa lista positiva de hipóteses. A aplicação desse regime, já utilizado com sucesso pelos Fiscos estaduais, implicará redução dos prazos de recolhimento, fiscalização ininterrupta e controles eletrônicos das operações.

O artigo 24 da MP nº 472 estabelece limitações à dedutibilidade de juros pagos a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior quando vinculada a fonte pagadora situada no Brasil. O artigo subsequente amplia essas limitações caso a pessoa física ou jurídica tenha domicílio em paraíso fiscal. Essas normas dão o curso a ações tendentes a conter o espaço do planejamento fiscal, além de estabelecer mais restrições efetivas a negócios realizados com empresas localizadas em paraísos fiscais.

O artigo 27 da MP cuida do uso indevido de compensações, ao estabelecer multa de 75% nos casos em que for confirmada ilegitimidade ou insuficiência do alegado direito creditório.

Até 1996 a legislação tributária federal não admitia compensações entre tributos de natureza distinta. Tal fato punia indevidamente os contribuintes, pois ficavam à mercê da apreciação de pedidos de restituição, sem ao menos incorporar, na hipótese de homologação pelo Fisco, os juros compensatórios exigidos para o tributo em atraso.

Desde a edição da Lei nº 9.430, a legislação reconheceu a possibilidade de compensação entre distintos tributos, cabendo à Receita promover os devidos ajustes internos na alocação dos créditos e débitos, a fim de prevenir ofensas às regras constitucionais de partilha e vinculação de receitas. Nesse universo não foram incluídas as contribuições previdenciárias, pois sua gestão era exercida autonomamente pela Previdência Social.

O objetivo da norma adotada era evitar indesejadas acumulações de créditos, afora o entendimento de que compensação entre tributos de um mesmo ente tributante tem a mesma natureza conceitual de deduções na base de cálculo de um específico tributo. Se há legitimidade em uma hipótese, não há razão para recusá-la na outra.

A adoção da multa pela compensação tida como indevida remete, entretanto, a outras oportunas reflexões sobre a matéria.

Já é hora de estender a aplicação dos juros compensatórios aplicáveis às restituições do Imposto de Renda (IR), em vigor desde 1996, aos demais tributos federais.

Desde a criação da Receita Federal do Brasil, que incorporou a administração fiscal previdenciária, inexiste igualmente motivo para excluir as receitas previdenciárias do universo dos tributos elegíveis para compensação.

O Congresso Nacional tem a oportunidade de aperfeiçoar a medida provisória por meio de emendas voltadas para suprir essas deficiências na legislação.

Há os que interpretam a multa de 75%, prevista no mencionado artigo 27, como aplicável aos casos de dedução de despesas com saúde e educação no IR das pessoas físicas. No meu entender, ainda que de mesma natureza conceitual, compensações e deduções são institutos de natureza diferente.

Admitida a interpretação extensiva, como poderá o paciente reconhecer a autenticidade de uma nota fiscal emitida por um estabelecimento de saúde ou saber se ele é uma pessoa jurídica inapta? Deverá o contribuinte anotar a forma de pagamento das despesas com saúde? São questões que não podem ser negligenciadas.

A instituição da Declaração de Serviços Médicos pela Instrução Normativa nº 985, de 22/12/2009, está na direção correta, pois permitirá o cotejamento automático entre o que for declarado pela pessoa física e o que for informado pelo prestador do serviço, à semelhança do que hoje ocorre em relação ao imposto retido na fonte.

A despeito disso, é necessária especial atenção à miríade de obrigações acessórias que vêm sendo criadas, com elevação inevitável de custos para o contribuinte. Não seria o momento de investir na racionalização dessas obrigações, principalmente tendo em conta o progresso na implantação do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped)?

De qualquer forma, é indispensável deixar claro o que configura a ilegitimidade da compensação, sob pena de abrir espaços para uma grande e perigosa variedade de interpretações.

Everardo Maciel, consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)

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