segunda-feira, janeiro 04, 2010

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Custo Brasil ou vítimas da legalidade - 3


O Estado de S. Paulo - 04/01/2010

Com nota? - Do leitor Livio Euler de Araujo, químico industrial metalurgista, já aposentado, com 85 anos ("ainda trabalhando onde consigo ser aceito com essa idade, pois nessa "Terra de Deus" - dizem que Deus é brasileiro -, o aposentado, se não for rico, não consegue levar vida decente"), dois casos.

Primeiro: "Para montar uma cerâmica, encontrei uma fazenda na região de Sorocaba e, depois das habituais dificuldades burocráticas e financeiras, consegui trazer energia elétrica para o local. Firmei acordo com a proprietária da fazenda (para pagamento da retirada de argila). Montei quatro fornos e comprei o equipamento (misturador, maromba, correias transportadoras, bombas, tanque d"água e trator com escavadeira e carreta). Investimento, na época, de 300 mil cruzeiros. Admiti os operadores e um mestre encarregado e pus-me a vender a produção.

Não foi difícil fazer freguesia, pois meu produto era bom e o preço, de mercado. Passados alguns meses, verifiquei que movimentava bastante dinheiro, mas "estava trocando fava", isto é, apesar da produção, a receita mal dava (quando dava) para pagar as despesas com combustível, energia elétrica e pessoal, todo ele admitido com registro em carteira de trabalho. Nunca vendi uma só peça sem a respectiva nota fiscal. Minha contabilidade era transparente, recolhia todos os impostos e encargos sociais, mas o balancete no fim do mês não dava lucro.

Vendi a empresa, embora não tenha conseguido fazê-lo pelo preço que paguei. Depois dessa decepção, conversando com ex-concorrentes, um deles me perguntou: "Quanto você vendia sem nota?"

"Nem um cruzeiro", respondi.

"Você é doido, mês em que vendo menos que metade da minha produção sem nota é um mês ruim para mim.""

Segundo caso: "Voltei a trabalhar na indústria, aprendi a reciclar alumínio e decidi fazer outra tentativa de me tornar independente. Observei que para reciclar alumínio (e outros materiais) a empresa está na dependência dos sucateiros, que são organizados entre si como um "sistema de máfia", com o qual eu não queria me comprometer. Concebi um sistema de obtenção de sucata de alumínio sem depender de sucateiros. Montei uma firma representante de alguns dos melhores fabricantes de panelas, caldeirões e frigideiras, etc. Estabeleci um sistema de venda porta a porta, em que recebia panelas velhas, amassadas e inutilizadas, como parte do pagamento pelas novas. Para andar de acordo com a lei imprimi talões de compra e, cada vez que recebia panelas sucateadas como parte do pagamento, emitia uma nota fiscal de compra. Montei um depósito de panelas e iniciei esse serviço em domicilio, ou seja, porta a porta.

Funcionou e comecei a ter lucro. Isso durou até que fui visitado por um fiscal da subprefeitura do meu bairro, que, tendo examinado minha escrita (feita por um escritório de contabilidade), declarou abertamente que eu estava vendendo sem nota, e ele queria propina mensal para "não tomar conhecimento da minha sonegação". Eu me recusei a entrar no esquema, ao que o fiscal corrupto, como represália, lançou impostos "por estimativa" num valor de 600% do que eu realmente vendia. Fechei a firma no dia seguinte."

Justiça cara e ruim - Do leitor Cloder Rivas Matos: "Aluguei um imóvel a portador de extensa ficha policial, que minha pesquisa não constatou. Depois de assinar o contrato e receber as chaves, o sujeito desapareceu. Recorri à Justiça.

O juiz me obrigou a citar o acusado pelos jornais. Custo. O imóvel ficou fechado dois anos à espera de visita do oficial de Justiça. Perdi 24 meses de aluguel.

Ao ser citado, o acusado me ameaçou de morte, dizendo: "Para mim, uma a mais, outra a menos." Desisti da ação e paguei honorários do advogado. Meus direitos humanos foram desrespeitados e não recebi nenhum habeas corpus."

Regras para o governo - O leitor Luiz Otavio Carneiro sugere "que ao cidadão sejam garantidos os mesmos direitos que se dão ao Estado. Por exemplo: o Imposto de Renda pago a maior tem de ser devolvido à vista, ou incidirão multas, etc. sobre o Estado. Todo cidadão teria o direito de pagar seus compromissos "líquidos e certos" nas mesmas condições do precatório. Essa lei teria o nome de "pau que dá em Chico dá em Francisco"." E também: "Que o agente do Estado - auditor da Receita, juiz, fiscal do INSS, etc. - que tivesse seus atos revogados pela Justiça por três vezes perdesse seu cargo, por incompetência. E para ser justo, o advogado que contestasse as decisões e perdesse por três vezes também perderia sua OAB. Essa lei teria o nome de "Strike 3" brasileiro, para lembrar lei parecida dos EUA."

Diz o leitor: "Sofri na pele o "custo Brasil" em autos de infração da Receita Federal absolutamente ridículos, mas que me levaram aos tribunais, em processos de fazer inveja ao Cirque du Soleil, por seu contorcionismo jurídico. O que aconteceu ao fiscal e aos juízes cujos erros foram provados? Nada.

Se existisse um único partido político capaz de colocar metas numéricas em seu plano de governo, eu me sentiria feliz. Metas para carga fiscal, meta para pagamento de juros, metas para participação do Estado no PIB e outras mais. Alguém duvida que, se o Brasil vendesse suas estatais - deixa a CEF, o BNDES e a prospecção da Petrobrás -, o País continuaria o mesmo, ou melhor, a dívida interna seria quase que anulada, permitindo reduzir carga fiscal e aumentar investimentos públicos?"

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