terça-feira, janeiro 19, 2010

BENJAMIN STEINBRUCH

Solidariedade

FOLHA DE SÃO PAULO - 19/01/10


Como o Haiti, há inúmeros países, principalmente na África, incapazes de sair da pobreza sem ajuda externa

TRAGÉDIAS como a do Haiti são sempre chocantes. Além do horror das mortes, há sempre uma sensação de impotência, por não se poder atribuir culpa a ninguém pelo desastre, a não ser à fúria da natureza.
Mas o terremoto da semana passada, que destruiu Porto Príncipe, foi particularmente chocante para o Brasil. Entre milhares de mortos, estavam pelo menos 16 brasileiros, 14 soldados das forças de paz da ONU, o diplomata Luiz Carlos Costa e a admirada médica Zilda Arns.
Por conta da missão de paz, os vínculos entre brasileiros e haitianos tornaram-se estreitos nos últimos anos. Desde 2004, as Forças Armadas brasileiras prestam serviços a esse país, para garantir ordem pública e estabilidade política. No início, os soldados foram vistos com desconfiança. Aos poucos, passaram a ser respeitados pela população. Além de impedir desordens urbanas e fazer a segurança, eles desenvolvem atividades sociais que beneficiam o povo. Entre os 1.200 militares que permanecem no Haiti há muitos engenheiros, médicos e dentistas, profissionais escassos por lá.
Haiti é um país praticamente sem Estado, sem fornecimento contínuo de energia elétrica, sem sistema de transportes e até sem Corpo de Bombeiros. Dos 10 milhões de habitantes, quase 5 milhões são analfabetos. A expectativa de vida é de 60 anos, a renda per capita alcança apenas US$ 1.300 e 25% do PIB advêm de remessas de haitianos que vivem no exterior.
O Haiti já foi próspero, num período em que tinha boas receitas com exportações de açúcar e café.
Desde a independência da França, em 1804, ficou de certa forma à margem da comunidade internacional. No século 20, o país foi dominado por uma série de governos autoritários, como a ditadura dos Duvalier, que terminou em 1988, sem nenhuma preocupação com o desenvolvimento econômico e social. Isso provocou conflitos, guerras civis e várias intervenções internacionais, sendo a última esta que se prolonga até hoje, com tropas da ONU lideradas pelo Brasil.
Se antes do terremoto o Haiti já precisava de ajuda, agora, precisa de socorro. Na semana passada, felizmente, começava a se desenhar uma megaoperação de ajuda.
Tudo isso é oportunidade para reflexão sobre a miséria em pleno século 21. Como o Haiti, há inúmeros países, principalmente na África, incapazes de sair de sua pobreza secular sem ajuda externa, que nem sempre significa esmola. Em muitos casos, trata-se de solidariedade econômica. Quando os países ricos mantêm bilionários programas de subsídios agrícolas, dando a seus produtores uma falsa competitividade, não prejudicam apenas emergentes como o Brasil. Países paupérrimos da África, como Mali, Chade, Benin e Burkina, perdem milhões de dólares em exportação por conta da queda de preços do algodão.
A consequência do subsídio, portanto, é desemprego e fome na África. Quando os países ricos barram, sem piedade e muitas vezes com violência, a entrada de migrantes nas fronteiras, estão fazendo protecionismo e condenando trabalhadores estrangeiros à fome. Quando praticam protecionismo tarifário, também estão impedindo a ascensão de economias e a criação de empregos em pequenos países.
Com a crise que abalou os países desenvolvidos a partir de 2008, certamente ficou mais difícil caminhar para uma economia mundial mais solidária. Muito em breve, porém, essa discussão terá de entrar na agenda.

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