sexta-feira, janeiro 22, 2010

ARMÍNIO FRAGA

Consumo como motor do crescimento: modelo perneta*

VALOR ECONÔMICO


Essa não é condição suficiente para o crescimento sustentável, longe disso



Para o Brasil crescer de 5% a 7% deve investir mais, especialmente em infraestrutura, e se esforçar mais na educação

O Brasil é tido como o mais ocidental dos Brics - uma democracia cheia de vida, uma sociedade aberta, permeável às novidades e sabores mundiais.

Uma característica que sustenta essa visão é que o consumidor brasileiro parece ser totalmente americano, e digo isso nem como insulto nem como elogio, mesmo depois da confusão econômica mundial que ainda estamos digerindo. As famílias brasileiras gostam de comprar as últimas inovações e preferem gastar em itens que melhorem seu bem-estar de curto prazo, em vez de economizar para os dias chuvosos. Isso explica, em parte, o baixo índice de poupança no Brasil - que vem flutuando em torno a 17% do PIB nos últimos dez anos, proporção de contraste gritante com a da China, na faixa entre 45% e 50%.

Essa discrepância maciça também é estimulada pela diferença entre as redes de segurança social das duas nações: a do Brasil tem cobertura ampla (assistência médica, educação e seguridade social universais) e extravagante (aposentadoria prematura com pagamento integral, por exemplo), enquanto a da China é bastante modesta.

Recentemente, uma boa parte do crescimento no consumo baseou-se no rápido aumento da captação de crédito pelos consumidores. A taxa de dívida em relação à renda das famílias subiu de 18% a 35%, entre o início de 2005 e o fim de 2009. Essa expansão foi puxada pela queda nas taxas de juros, maior estabilidade e previsibilidade da economia e aperfeiçoamentos legais e de regulamentação nos mercados de crédito (que levaram a spreads de crédito mais baixos). Mais à frente, essa fonte de expansão poderá chegar a um limite temporário, porque a carga dos serviços das dívidas sobre as famílias (amortização mais juros) agora é de 25% de sua renda, um número elevado. Ainda poderá haver alto crescimento no consumo, mas isso exigirá aumento mais rápido da renda, taxas de juros mais baixas e vencimento mais longo das dívidas.

Outro motor-chave do aumento na demanda vem sendo o crescimento da renda da faixa mais pobre da população. Nos últimos seis anos, o crescimento anual da renda dos 30% da camada mais baixa superou os 9%, enquanto nos 30% de cima a alta foi a metade disso. O crescimento a taxas chinesas que vemos na faixa inferior é certamente bem-vindo, uma vez que a distribuição de renda no Brasil é uma das mais distorcidas no mundo. Com esforços adicionais no front da educação, esse crescimento animador aliado a esse padrão de distribuição pode continuar por mais tempo. Isso provavelmente sustentará um maior aprofundamento da estabilidade política, um atributo importante, que tende a criar um círculo virtuoso de prosperidade econômica.

Até agora, discuti alguns dos motores do crescimento do consumo no Brasil. O consumo, claro, é crucial para o crescimento e os recentes desenvolvimentos o colocam em posição proeminente no mapa brasileiro. Não é, no entanto, uma condição suficiente para o crescimento sustentável, longe disso. O Brasil precisa poupar e investir mais. Nos últimos 15 anos, os investimentos mostraram uma média muito baixa, de 16,5% do PIB. Recentemente, na esteira da recuperação, subiu um pouco, para cerca de 19% do PIB. O aumento foi em grande parte financiado pelos mercados de capitais e pela ampliação dos empréstimos de longo prazo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ainda assim, para o Brasil levar seu índice de crescimento para uma taxa sustentável de 5% a 7%, precisará investir mais, especialmente em infraestrutura, além de esforçar-se mais na educação.

Aqui, o contraste com a experiência do Chile é interessante. Após a saída do general Pinochet, havia um grande temor de que o retorno à democracia trouxesse de volta o populismo e instabilidade macroeconômica. Quando os social-democratas assumiram o poder e se saíram extremamente bem na gestão da economia, a taxa de investimento em relação ao PIB rapidamente avançou em cerca de 5 pontos percentuais. Desde então, o Chile vem sendo o queridinho da América Latina.

No Brasil, sempre se pensou que receios similares quanto a uma vitória do Partido dos Trabalhadores seriam um fator-chave para explicar taxas de crescimento e investimento modestas. Quando o presidente Lula assumiu o cargo e demonstrou, de forma rápida e confiável, que pretendia defender a estabilidade macroeconômica duramente conquistada, as expectativas acalmaram-se e imaginou-se que haveria um salto similar na taxa de investimento. Mas isso nunca ocorreu, por vários motivos, incluindo as finanças retesadas do governo, as decorrentes altas taxas de juros e uma estrutura de regulamentação ainda inadequada em algumas áreas importantes.

Apesar dessa deficiência, o Brasil conseguiu elevar sua taxa de crescimento para uma faixa entre 4% e 5% nos últimos anos, graças a poucos anos de grande prosperidade mundial e a um setor privado muito eficiente. As tensões de uma infraestrutura em estágio de desgaste, contudo, são visíveis a olho nu e provavelmente frustrarão as expectativas altamente otimistas agora predominantes nos mercados financeiros, a menos que algo seja feito em breve.

O Brasil está entrando agora em uma campanha eleitoral que poderia trazer uma ideia para onde as coisas deverão ir. Muitos por aqui sentem que a recente crise deu um cheque em branco para a volta ao antigo modelo de grande presença do Estado na economia. Ninguém discorda de que o Estado precisa desempenhar um grande papel. Nosso Estado, contudo, já é bem grande. O encargo tributário total aproxima-se de 38% do PIB, número muito elevado para um país de renda média.

Para haver um salto na taxa de crescimento, algumas decisões políticas difíceis terão de ser tomadas, incluindo uma reorientação dos gastos do governo em direção ao investimento. Apenas isso, entretanto, não será suficiente para fazer o trabalho, portanto, o investimento do setor privado e a poupança terão de desempenhar um papel crucial. Isso exigirá uma abordagem mais pragmática e crível sobre a regulamentação e a coordenação.

*Publicado no Economists Forum, em série do FT sobre mercados emergentes.

Armínio Fraga é presidente do conselho de administração da Gávea Investimentos e BMF&Bovespa e ex-presidente do Banco Central do Brasil

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