segunda-feira, janeiro 11, 2010

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

O ruim vai piorar


O Estado de S. Paulo - 11/01/2010

Se há um lado positivo nas tragédias de Angra dos Reis, Ilha Grande, Baixada Fluminense, Cunha, São Luiz do Paraitinga, São Paulo, grande área do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina é mostrar que as tragédias acontecem com mais freqüência do que gostaríamos, mas que nos esquecemos delas, como a mulher esquece as dores do parto.

Os deslizamentos em Angra dos Reis eram previsíveis. Basta viajar pela Rio-Santos e ver como a ocupação do solo se deu para ficar evidente que, mais dia, menos dia, um morro viria abaixo, arrastando o que estivesse no seu caminho. Já na Ilha Grande a situação é diferente e o que aconteceu não tem qualquer relação com a existência ou não das autorizações necessárias para o funcionamento da pousada, inclusive porque a devastação foi muito além dela, destruindo casas de caiçaras e outros moradores da enseada.

A vegetação nativa estava lá, e gente que conhece bem o pedaço é unânime em afirmar que os restos de velhos cafezais e as ruínas de uma antiga fazenda eram atrações para quem se hospedava na pousada e subia o morro para ver a vista. Quer dizer, há bem mais de cem anos não acontecia nenhum deslizamento na região.

Quanto às enchentes que isolaram Cunha e arrasaram São Luiz do Paraitinga, pela localização das cidades, evidentemente eram previsíveis, mas nunca na intensidade e com a violência com que as águas inundaram aquele pedaço do Vale do Paraíba. Tanto que as duas cidades estavam lá há mais de duzentos anos e só agora o patrimônio histórico de São Luiz foi destruído.

A cidade de São Paulo e grande parte de Santa Catarina sofrem com as tempestades todos os verões, desde o começo da história do Brasil. Já o Rio Grande do Sul só mais recentemente passou a experimentar os extremos do clima, com danos causados pelas secas e pelas enchentes aumentando de proporção todos os anos.

Este desenho mostra que, por mais que não gostemos, os eventos de origem climática são parte natural da vida do planeta e que, por ação ou omissão, temos poucas condições de influir neles.

De outro lado, bom senso e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Com ajuda humana ou não, as encostas brasileiras desmoronam e as chances disto acontecer aumentam quando elas ficam encharcadas.

Também não tem como evitar as enchentes em cidades como São Paulo ou parte de Santa Catarina. Como este ano a destruição atinge níveis inéditos, não há razão para imaginar que a situação deva regredir nos próximos verões. Então, é lógico que as autoridades responsáveis tomem medidas preventivas concretas, deixando o discurso de lado e partindo para a ação.

O que aconteceu em Angra e na Ilha Grande não deixa dúvidas sobre os riscos que ameaçam os bairros cotas, nas margens da via Anchieta. E as enchentes do Vale do Paraíba são um bom indicador do que pode acontecer na cidade de São Paulo, cada vez mais impermeabilizada e com as várzeas dos rios completamente ocupadas, até onde as enchentes acontecem todos os anos.

A cobertura de seguro para estes riscos é quase que impossível. Não é uma distorção brasileira. No mundo inteiro é assim e os melhores exemplos são os danos do Katrina e do terremoto que destruiu L''Áquila, na Itália, que, ao contrário do atentado de 11 de setembro, não tinham seguro para minimizar os prejuízos.

A razão para isso é a concentração do potencial de dano em áreas delimitadas com alta possibilidade de prejuízos praticamente certos. Como quem não está sujeito a estes eventos não contrata seguro para eles e aqueles que contratam quase com certeza sofrerão o sinistro, a composição do mútuo seria extremamente cara, inviabilizando a comercialização das apólices, já que é impossível a diluição das perdas dentro da atividade seguradora, por um preço ao alcance dos segurados.

Para finalizar, como o espaço entre a ação e o discurso ainda é grande, vai passar muita água e deslizar muito morro antes que a sociedade seja poupada destas tragédias pela adoção de medidas destinadas a evitá-las.

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