domingo, novembro 29, 2009

DANUZA LEÃO

O maior dos poderes

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/11/09


Dependendo do humor daquele dia, esse presidente pode, justa ou injustamente, acabar com a sua vida


EU BEM QUE tentei entender o caso de Cesare Battisti, mas não consegui.
O Supremo decidiu pela extradição do terrorista? Decidiu. Então ele vai ser extraditado, é isso? É mais ou menos isso. Mas o Supremo não é o Supremo, a última das instâncias a que alguém pode recorrer? É. Então? É, mas nesse caso, quem vai decidir é Lula. E quem decidiu que quem vai decidir não é o Supremo e sim Lula? Bem, isto não está perfeitamente claro, mas é o que ficou decidido. Ah, então agora entendi que não entendi mesmo.
Existem países -os Estados Unidos, por exemplo- em que, quando um criminoso é condenado à morte, o governador do Estado tem o direito de poupá-lo da pena máxima, exercendo seu direito de clemência.
Mas não é bem isso que está acontecendo; se eu ouvi bem, o presidente declarou que vai ler os votos dos ministros, estudar (naquele juridiquês facílimo), refletir e decidir se Battisti deve ou não ser extraditado. A decisão será baseada na interpretação das leis, na certeza de que o indivíduo em questão ou é um refugiado político, ou um criminoso comum, nada a ver com um possível gesto humanitário.
Ao que me consta, é a primeira vez que isso acontece, e assim abre-se um perigoso precedente. Quando José Dirceu perdeu seu direitos políticos, se o Supremo tivesse passado a bola para Lula decidir se o seu então ministro era culpado do que o acusavam, talvez o atual candidato à Presidência pelo PT fosse outro. E no futuro? Se você, que está lendo esta coluna, for acusado de um crime e chegar a ser julgado pelo Supremo, este poderá decidir por sua condenação ou absolvição, e depois disso transferir o abacaxi para o presidente -seja ele quem for.
Dependendo das circunstâncias ou do humor daquele dia, esse presidente poderá, justa ou injustamente, acabar com sua vida ou deixar você ir para a praia tomar sol e uma água de coco, numa boa.
Nas mais sangrentas ditaduras, sempre houve um tribunal, mesmo que seus membros tivessem sido escolhidos a dedo pelo ditador, para simular a existência de uma Justiça. Mas como, segundo o ministro Tarso Genro, se Cesare Battisti for extraditado estará sujeito à tortura ou à própria morte -já que, segundo o ministro, a Itália vive uma onda fascista-, está nas mãos de Lula a vida de Battisti.
Seja qual for a decisão, vai ficar mal para todo mundo. Para o Supremo já está, por ter aceito, sem espernear, que suas decisões não sejam acatadas sem discussão. Se o presidente confirma a extradição, pode ser tachado de não ter vontade própria, que apenas baixa a cabeça e obedece. Se for contra a extradição e preferir um gesto humanitário, Battisti vai para a rua, lindo e louro, e Lula vai ter que se ver com o governo da Itália. De qualquer maneira, só um ventilador vai ser pouco para o que vai voar por aí.
E o pior: estamos chegando a um ponto extremamente perigoso, que é o julgamento de um homem, um só homem, ter mais peso do que o do Supremo Tribunal Federal.
Quem tem esse poder é quase um Deus.

JANIO DE FREITAS

Aliados da corrupção

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/11/09


Brasília foi transformada em fonte nacional, modelo e proteção da indignidade política e administrativa

O NOVO modelo de mensalão descoberto em Brasília contém ao menos três motivos para demonstrar-se de muita utilidade: explica bastante Brasília, o que são hoje os nossos centros de poder político-administrativo, e esta outra inovação brasileira que é a "base aliada".
Brasília só é capital de República Federativa no papel, porque nem se constituiu no Brasil o regime republicano, nem a centralização do poder no governo federal permite aos Estados os poderes próprios de uma federação. Para os efeitos práticos, Brasília caracterizou-se, primeiro, como contribuição fundamental para a longa permanência da ditadura, ao proporcionar o isolamento que protegeu de reações cívicas diretas, desconcentrando-as por algumas capitais, o poder arbitrário e o Congresso colaboracionista.
Finda essa fase, Brasília foi entregue à desordem política, com a improvisação de um presidente que nem pôde presidir propriamente. E logo enveredou pela devassidão crescente dos poderes públicos, a ponto de se fazer necessário um impeachment presidencial. Brasília foi transformada em fonte nacional, modelo e proteção da indignidade política e administrativa. Onde isso dará não se sabe, nem se vê algum núcleo de inteligência -acadêmica, jornalística, política- interessado na realidade como problema degenerativo e como passagem para o futuro.
Utilização fisiológica da política sempre houve, mas os graus e modalidades praticados desde a "redemocratização" não têm precedente. O que também atesta permissividade irrestrita. Nessa progressão, o conceito de "base aliada" e sua aplicação têm muita relevância: integraram as imoralidades fisiológicas, entre governo e correntes parlamentares, nas práticas aceitas como normais, justificadas e legais da política e mesmo das instituições.
Desenvolvido com Fernando Henrique e aprimorado e ampliado com Lula, o mecanismo de "base aliada" não é um nome novo para o anterior situacionismo ou governismo, que aglomerava as correntes comprometidas com o governo. E não excluía certo fisiologismo, mas sem a explicitude da compra-e-venda hoje normalizada e, quase sempre, com um traço bastante pessoal, de identificação ou de retribuição.
O fisiologismo de hoje adota a aquisição direta e explícita. A "base aliada" é um conjunto de congressistas, puxados ou não por seu partido, que se dispõem a apoiar o governo. Mediante condições, no entanto. Nas quais predominam os cargos que o congressista ocupe com asseclas, para intermediar contratações e compras, para receber comissões ou mensalidades, e para distribuir mais nomeações. Em seguida vem a liberação de verbas públicas, das quais o congressista extrai ganhos eleitorais e, com frequência, financeiros, já que as verbas em geral se destinam a obras, compras e serviços contratados.
Com o novo mecanismo consagrado pela "base aliada", não importa se o partido a integra. Desde o seu comando a cada parlamentar, o compromisso de apoio ao governo é apenas nominal. Daí as constantes divisões das bancadas partidárias diante de propostas governamentais ao Congresso. Mais visíveis ainda quando se trata de medida provisória, que aumenta a predisposição do governo a fechar negócio.
É, portanto, o primado da corrupção em lugar da política, da função parlamentar e do compromisso eleitoral. Como efeito mais alto, o Executivo subjuga o Legislativo e o presidente da República adota maneiras imperiosas de poder, na base do é ou será porque eu quero. Sejam dezenas de bilhões para armamentos polêmicos mesmo entre os militares, mudança de leis para possibilitar negócios de telefonia também bilionários, a candidata é essa e ali será aquele -e pronto.
Para relembrar a diferença entre o mínimo desejável e o país das "bases aliadas", é só atentar para o que se passa com o plano de proteção à saúde proposto por Barack Obama. Mais repelido pelo forte conservadorismo norte-americano do que a soma das propostas já feitas por Lula, o projeto de Obama não o levou a mais do que uma dedicação sem trégua à tarefa republicana de explicar e tentar convencer, por meses sucessivos, os resistentes. Já venceu duas etapas importantes, na Câmara e no Senado, e conquistou influentes revisões nos meios de comunicação. Não consta que haja comprado alguém. E é certo que não institucionalizou a corrupção em seu país.

CELSO MING

A desmoralização do Mercosul

O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/11/09



Depois de muita vacilação, o governo Lula finalmente está fazendo a pergunta correta ao governo argentino. Está perguntando se, do ponto de vista do próprio governo argentino, o Mercosul é ou não é, afinal, um bloco comercial.

Esse questionamento entrou na ordem do dia depois da visita da presidente argentina, Cristina Kirchner, ao Brasil no último dia 18. O principal tema do encontro foram as negociações sobre a retirada de travas burocráticas ao comércio dos dois países.

Desta vez, a presidente Cristina não colocou panos quentes. Simplesmente avisou que sua prioridade é defender os interesses do seu sistema produtivo acima de quaisquer concessões que possa fazer à vizinhança. E, se a indústria argentina estiver ameaçada pela concorrência feita pelo outro lado da fronteira, todas as medidas defensivas serão tomadas para assegurar os interesses comerciais do seu país.

Na prática, Cristina pareceu dizer que está pouco se lixando para os tratados comerciais do Mercosul, que pressupõem comércio livre dentro do bloco.

O argumento a que se aferra é de que as relações são assimétricas. Ou seja, reclama das supostas vantagens econômicas de que desfruta a indústria brasileira, como se comparecesse dopada ao jogo. A conclusão tantas vezes reiterada é a de que, para que haja um mínimo de equidade, é preciso garantir compensações.

Quando se pergunta o que seria esse doping se verifica que não é nada mais do que as chamadas vantagens comparativas: mercado interno maior, que de resto também está sendo escancarado para a indústria argentina; apoio de um poderoso banco de desenvolvimento, o BNDES, que a Argentina não tem; acesso a capitais mais baratos no exterior, a que a Argentina não possui... e por aí vão as milongas.

Qualquer um sabe que, numa união comercial, tamanho não quer dizer nada. Na União Europeia, Portugal, Chipre ou Luxemburgo são formigas e, no entanto, mantêm um excelente jogo, sem que para isso precisem de compensações especiais concedidas pelos gigantes do bloco, como Alemanha, França e Inglaterra. O que dispensa essas compensações é a adoção de políticas macroeconômicas convergentes, exatamente o que falta aos membros do Mercosul. Este, sim, é o principal fator que deforma os custos de produção e, portanto, as condições de competitividade entre os sócios do bloco.

Se é para valer a posição da Argentina no último encontro em Brasília, é preciso aceitar que tão cedo não haverá liberação do comércio no Mercosul. Isso significa que as autoridades aduaneiras de cada lado dirão o que pode e em que condições tarifárias ser vendido e comprado.

Mas, se é assim, então é melhor reconhecer que as atuais regras de comércio firmadas dentro do bloco são impraticáveis.

Isto posto, não basta obter a resposta ao questionamento feito à Argentina. É preciso ser consequente com ela. E o melhor a fazer seria adiar o projeto de união aduaneira e suspender as cláusulas que liberam o comércio da área até o dia em que o Mercosul possa ser um clube sério.

O mais provável é que, seja qual for a resposta do governo argentino, fique tudo na mesma e o Mercosul, ainda mais desmoralizado. Mas ninguém diga que o responsável por esse estado de coisas seja apenas o governo argentino.

Confira

Inutilidades sociais - O primeiro a dizer que a especulação financeira é "socialmente inútil" e deve ser taxada foi o economista Adair Turner, autoridade do sistema financeiro inglês, em reunião do G-20 em agosto.

De lá para cá, apesar da veemente rejeição do governo americano, o argumento tem sido repetido por analistas globais.

O problema é definir o que é ou não socialmente inútil. Até agora, a maioria dos economistas ensinava que a especulação cumpre ao menos duas funções sociais: a de dar liquidez e a de apontar onde estão os problemas do sistema, o que não deixa de ter sua utilidade.

CRISTIAN KLEIN

A herança maldita ficou para o PSDB

JORNAL DO BRASIL - 29/11/09


A EXPRESSÃO “HERANÇA MALDITA” foi muito utilizada pelo PT quando estava na oposição para demonizar o legado que os tucanos deixariam para o país. O partido assumiu em 2002 e manteve várias políticas do governo anterior. Herança maldita era uma acusação forte e bastante eficiente, como quase toda a retórica petista até hoje. Uma das grandes diferenças entre tucanos e petistas não está tanto na capacidade de governar. Mas na de se defender e atacar na luta política.

O longo tempo na oposição fez do PT um partido exímio em discursos contundentes, ferozes. Independentemente de sua veracidade. Chegou a combater o Plano Real. A ideologia à época, ainda radical, deu-lhe aquela convicção própria dos dogmáticos, cujo poder de convencimento vem do fato de se considerarem donos da verdade.

O PSDB é diferente. É ambíguo, vem de uma tradição centrista, relativista. Sua origem como partido de quadros – uma costela saída do PMDB – imprimiu-lhe um DNA institucional. Seus principais nomes já exerciam cargos políticos no sistema. O DNA do PT veio do movimento social, e suas poucas estrelas foram se transformando numa constelação, eleição após eleição. Mas sempre com a retórica dogmática e de oposição.

Ao assumir o governo, houve um arrefecimento. Mesmo assim, a intrepidez do discurso continua. O PT nasceu batendo e aprendeu a apanhar, sobretudo depois da surra que levou com o mensalão. O PSDB não se especializou nem em uma, nem em outra prática ao longo dos anos.

Uma demonstração disso é a defesa tímida, envergonhada que sempre fez das conquistas do governo FHC. Um dos dados mais curiosos da pesquisa CNT/Sensus sobre a corrida presidencial, divulgada nesta semana, foi o fato de 49,3% dos entrevistados afirmarem que não votariam em um candidato apoiado pelo ex-presidente tucano. É esse o tamanho da impopularidade de FHC. Ele não faz a cabeça do eleitor.

E deverá ser mais uma vez escondido pelos marqueteiros do PSDB.

Mesmo tendo sido o presidente que debelou a hiperinflação, que foi o responsável pela estabilidade econômica e que criou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não é pouco, para um país que vivia em tentativas e erros desastrosos de inúmeros planos econômicos.

Logo, o que fez FHC para cultivar uma imagem tão ruim? A pergunta intriga mesmo quem está acostumado a avaliar o cenário político brasileiro há anos. Diretora-executiva do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari lembra que Fernando Henrique terminou seu segundo mandato, em 2002, com uma avaliação baixíssima. Em outubro daquele ano, seu índice de aprovação era de 35%, contra 57% de desaprovação. Ou seja, menos da metade dos 80% que o presidente Lula ostenta hoje, no auge de sua popularidade.

Ocorre que Fernando Henrique também teve sua lua de mel com a população e chegou a ter como pico 70% de aprovação, em março de 1997. Para Márcia Cavallari, a grave crise econômica mundial e a desvalorização altíssima do real, em 1999, explica muito, mas não tudo, na brutal queda de popularidade da qual FHC nunca mais se recuperou.

Na pesquisa seguinte à desvalorização, a aprovação do ex-presidente caiu de 61%, em dezembro de 1998, para 35%, em janeiro de 1999. “A crise foi o pivô da queda de popularidade. Foi uma crise internacional gravíssima, para a qual o país ainda não estava tão preparado quanto esteve para esta de agora. Mas o que falta investigar é por que ele (FHC) nunca mais reabilitou seu prestígio”, aponta Cavallari.

Não se reabilitou, entre outras possíveis explicações, pelos enormes transtornos causados à população, no segundo mandato, com a crise energética e os longos meses de racionamento. Ou pela não recuperação do poder de compra do trabalhador. Mas, sobretudo, porque as conquistas de seu governo não entraram como contrapeso. Não foram defendidas em momentos cruciais, durante as últimas campanhas presidenciais. Primeiro, com Serra, em 2002. Depois, com Alckmin, em 2006, que poderia ter justificado, com alguma maestria, a privatização das estatais. Mas titubeou. Não enfatizou, por exemplo, benefícios como o amplo acesso da população à telefonia. Por essas e por outras, os tucanos vão para mais uma eleição sem um passado, sem um eleitor de peso que poderia ser o ex-presidente. Ironicamente, a maior “herança maldita” dos anos FHC ficou com o próprio PSDB.

Os tucanos vão para mais uma eleição sem um passado, sem um eleitor de peso

ALBERT FISHLOW

Relações internacionais

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/11/09


As aparentes esperanças brasileiras de ter um papel importante no Oriente Médio terão de ser reconsideradas


UM EVENTO importante teve lugar nos EUA durante a semana -e terá importância futura para o restante do mundo e especialmente para o Brasil.
Foi o primeiro jantar de Estado do presidente Obama na Casa Branca, em honra do primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh. Duas semanas atrás, Obama esteve na China e na volta encontrou críticas devido à falta de provas concretas de sucesso. A Índia, com sua continuidade democrática, seu compromisso cada vez mais amplo para com a globalização e seu rápido crescimento econômico, anseia por uma posição internacional de maior destaque. Os EUA claramente preferem uma aliança multilateral mais diversificada a um G2 estreito que envolveria apenas a China.
A declaração conjunta dos dois líderes ofereceu uma promessa de interação continuada e ainda mais profunda no século 21, com "uma Índia próspera desempenhando papel cada vez mais importante nos assuntos mundiais". Houve menção explícita ao ataque contra Mumbai no ano passado, o que talvez por fim tenha garantido o indiciamento formal pelo Paquistão de sete suspeitos de terrorismo, um dia depois.
Da declaração constava também o compromisso de trabalho conjunto em Copenhague quanto à questão do aquecimento global, bem como cooperação para a segurança alimentar, o comércio e o investimento. Vale notar que os EUA já são o maior parceiro comercial da Índia. No final, o texto trazia um compromisso claro de promover reforma genuína nas Nações Unidas e em seu Conselho de Segurança. Isso se traduz em apoio explícito a uma posição permanente para a Índia, quando uma reforma for realizada.
Seria possível repetir boa parte dessa declaração, com a substituição de "Índia" por "Brasil" no texto? No momento, dificilmente.
A despeito do desenvolvimento de um relacionamento muito positivo entre Obama e Lula desde o começo, os contatos bilaterais posteriores parecem ter andado para trás. A Rodada Doha de negociações comerciais não parece a ponto de ser retomada imediatamente. A Colômbia receberá apoio adicional dos EUA, a despeito da oposição declarada da Venezuela e da insatisfação do Brasil.
Uma eleição acontece hoje em Honduras, e o resultado será reconhecido pelos Estados Unidos, apesar de o acordo inicial para a recondução do presidente Zelaya ao poder não ter sido implementado. As esperanças iniciais do Brasil quanto a assumir um papel de liderança regional na solução do problema deram lugar a sugestões de Marco Aurélio Garcia de que "agora os Estados Unidos ficarão isolados -e isso é muito ruim para os Estados Unidos e seu relacionamento com a América Latina".
De igual importância foi a recente visita do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, durante a qual o Brasil aparentemente ratificou sua rejeição aos esforços iniciais para chegar a um acordo com os Estados Unidos e outros países que restrinja a independência nuclear do Irã. Mohammed El Baradei, que está a poucos dias de encerrar seu mandato como diretor da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), declarou que as relações com Teerã chegaram a um "beco sem saída" devido à falta de cooperação plena.
As aparentes esperanças brasileiras de um papel importante para o país na solução da crise do Oriente Médio -com as visitas anteriores dos presidentes de Israel, Shimon Peres, e da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas- agora terão de ser reconsideradas.

BRASÍLIA - DF

A terceira via do PMDB

CORREIO BRAZILIENSE - 29/11/09


O Palácio do Planalto trabalha para desarticular a rediviva do movimento a favor da candidatura própria do PMDB, que deve lançar na próxima terça-feira o nome do governador do Paraná, Roberto Requião, como pré-candidato à Presidência da República. Articulada pelo governador de Santa Catarina, Luiz Henrique (SC), pelo ex-governador Orestes Quércia (SP), pelo ex-deputado Paes de Andrade (CE) e pelo ex-ministro de Assuntos Estratégicos Mangabeira Unger (RJ), a candidatura é encarada como uma espécie de linha auxiliar da oposição. Requião faz parte da lista dos amigos difíceis do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A reunião será uma tentativa de melar o acordo da cúpula do PMDB com o PT, empenhada em acertar os ponteiros nos estados para viabilizar a convivência das duas legendas na campanha da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT). Encabeçada pelos caciques da legenda no Congresso — os presidentes do Senado, José Sarney (AP), e da Câmara, Michel Temer (SP), e pelos líderes nas duas Casas, senador Renan Calheiros (AL) e deputado Henrique Eduardo Alves (RN) —, a ala governista sedimenta a aliança com o PT graças à coalizão de governo com Lula. Como a turma que gostaria de apoiar um candidato de oposição não tem força para reverter essa tendência, resolveu reerguer a velha bandeira da candidatura própria. Requião agarrou-a com as duas mãos para entrar no jogo da sucessão de 2010.

A conta

As desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) afetarão diretamente a receita dos municípios, segundo o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. O Fundo de Participação dos Municípios sofrerá uma redução de R$ 518 milhões


Calor

O governador tucano de São Paulo, José Serra, do PSDB, sentiu o calor das pesquisas e resolveu pôr o pé na estrada, embora afirme que é cedo para decidir sobre a candidatura presidencial. Depois de uma semana de presença constante na mídia, seja em programas populares, seja na propaganda oficial do PSDB, sinalizou para os correligionários que aceita convites para ir aos estados. Na sexta-feira, por exemplo, estava em Canindé, no interior do Ceará, com Tasso Jereissati (PSDB) e o presidente do PPS, Roberto Freire.


Voto nulo

O governo brasileiro resolveu radicalizar na crise de Honduras. Avalia que o boicote às eleições deste fim de semana, convocadas pelo presidente deposto Manoel Zelaya, será bem-sucedido. O governo dos Estados Unidos apoia as eleições, previstas constitucionalmente, e deve reconhecer o novo governo eleito. Será acompanhado pela Colômbia e pelo Peru, na América do Sul, cuja divisão política se aprofunda.


Sem papo

O governador da Bahia, Jaques Wagner, perdeu definitivamente a paciência com o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB). O petista não quer saber de conversa sobre dois palanques para Dilma Rousseff no estado. Também já não quer acordo com Geddel. Aliança, agora, somente com a rendição incondicional do peemedebista.

Marisco

Governador de estado pequeno, o capixaba Paulo Hartung, do PMDB, tenta costurar um acordo com os estados não produtores de petróleo sobre os royalties da camada pré-sal. O Espírito Santo virou marisco no confronto entre os governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).


Extradição/ No Palácio do Planalto, é pule de 10 que o presidente Lula não concederá a extradição do
ex-terrorista italiano Cesare Battisti, mas há muitas dúvidas sobre sua efetiva libertação. Tudo vai depender do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), que por 5 x 4 endossou a condenação que recebeu por crime comum da Justiça italiana. Se isso ocorrer, a pena seria comutada para 30 anos, mas Battisti mofará na prisão.

Sucessão/ Começa amanhã o processo eleitoral para a sucessão de Cezar Britto na presidência nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cuja eleição será em 1º de fevereiro de 2010. O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, reeleito com mais de 70% dos votos, lançou o nome de Ophir Cavalcante Junior, atual diretor da entidade nacional, para presidir a OAB nos próximos três anos.

Agentes/ A Câmara dos Deputados aprovou, em primeira votação, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que regulamenta a situação dos agentes de saúde. Prevê a definição, por lei federal, de um piso salarial para a categoria e diretrizes para os planos de carreira, cujas formulações caberão aos estados e aos municípios. A medida reforça o Programa de Saúde da Família.

ELIANE CANTANHÊDE

Menino do MEP

FOLHA DE SÃO PAULO -29/11/09


BRASÍLIA - César Benjamin abriu uma guerra de muita paixão e pouca objetividade entre o seu texto na Folha, "Os Filhos do Brasil", e o filme "O Filho do Brasil". Com narrativa serena, mas conteúdo dramático e chocante, Benjamin desvia o foco da corrupção para uma seara muito mais pantanosa da política: o caráter dos governantes.
O que interessa aqui não é acatar ou rejeitar Benjamin e o que ele relata, mas analisar os efeitos no debate político.
O confronto entre filme e texto, que remete a uma suposta tentativa de Lula de subjugar sexualmente um jovem ("o menino do MEP") na cadeia, acirra ao máximo o maniqueísmo do endeusamento ou da demonização de Lula.
Intelectuais refratários ao atual regime e a oposição vão tentar aprofundar aquela vaga sensação de que Lula, sob o manto da humildade, é na verdade um megalomaníaco que se sente predestinado: "Eu quero, eu posso, eu devo".
Já Planalto e marqueteiros e aliados vão carregar numa fórmula que tem sido infalível quando falta argumento objetivo para defender Lula: o da vitimização. O operário rejeitado pelas elites, o líder que é alvo de ex-aliados ressentidos.
O debate político, portanto, entra numa nova fase de embate, abstrato, difuso, permeado por sentimentos e emoções. No centro, as personalidades, ou, como diz o próprio Benjamin, "a complexidade da condição humana". Ganha, no grito, quem tem mais meios e mais marketing. Lula tem sido imbatível nisso.

Recomeço: Ao se recusar a reconhecer as eleições de hoje em Honduras, o Brasil aposta no recrudescimento da crise interna e testa forças com os EUA. Duplo erro.
Fim: com seu único governador na lama, o prefeito de São Paulo multiplicando o IPTU e as secretarias, e o partido atirando no seu candidato à Presidência, o DEM ameaça sumir do mapa.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Notícia da madrugada

O GLOBO 29/11/09


Sempre achei chique acordar tarde. Vai ver que, quando eu era menino, me convenci de que acordar tarde era coisa para príncipes e princesas, ou então para artistas de Hollywood, os quais, por sinal, saíam da cama já de roupão, barbeados, penteados e provocando gritinhos e outras manifestações quase indecorosas, por parte das senhorinhas daquele tempo. Uma das primeiras iniciativas que tomei, depois que casei e saí da casa dos pais, foi daí em diante acordar tarde como muitos amigos meus do famoso Sul do País, ou seja Rio de Janeiro para baixo. Não deu certo.

Tenho uma comadre muito inteligente, que diz que tudo é trauma de infância. Deve ser verdade e, porque meu pai considerava qualquer pessoa que acordasse depois da cinco um sibarita à beira da perversão e ficava fazendo barulho pela casa toda, até que todo mundo acordasse. Uma vez, escandalizado e alarmado porque eram dez horas da manhã e eu não tinha despertado ainda, ele pegou um regador e molhou minha cara, como se eu fosse um pé de alface (dispenso gracinhas quanto a esta última observação).

— Degenerado! — bradou ele, enquanto eu sacudia a cabeça como um cachorro molhado. — Dissoluto!

Hoje mantenho o único regador da casa a distância do quarto. Não creio que seja tão degenerado assim e muito menos dissoluto, mas não se deve faci-litar com essas coisas. E trauma de infância é trauma de infância, razão por que, quando em Itaparica, costumo estar no mercado antes de o sol nascer, na companhia dos pescadores, dos peixeiros e, embora só ocasionalmente, dos fantasmas de meu pai e meu avô.

Agora distante deles e da ilha a maior parte do tempo, continuo suspeitando de degenerescência insidiosa entrando pelos ossos, sempre que saio da cama depois do horário prescrito pelos hábitos lá de casa. E assim, receio que não tão lépido quanto aos vint’anos, mas ainda dando para o gasto, eis-me caminhando na direção da banca de Salvatore, que outro dia andou espalhando pelo bairro que eu nunca mais apareci, desconfiava ele que por traição à velha freguesia e à não menos velha camaradagem.

Tranquilizei-o quanto a isso, comentamos com algum ceticismo a atual conjuntura, despedimo-nos efusivamente e eu me dirigi a parada seguinte, a da padaria. Sempre achei bonita a imagem do pai de família levando o pão recém-saído do forno para dentro de casa — o sagrado receio do lar, no ver de alguns. Pego o pão, começo a marcha de volta, mas o dia está bonito demais para ter seu começo desperdiçado. Sigo para apreciar o restinho de madrugada em frente ao mar, rever talvez algum velho companheiro de calçadão. Meu jamais esquecido capenguinha, estará ele por lá, cumprindo sua missão vingadora e humilhando alguma outra vítima de sua alta velocidade?

Olho em torno, não o vejo. Não é impossível que se apresente ainda mais façanhudo que antes, pode ser que esteja recalcado por o terem rejeitado como competição desigual, ou algo assim, nos Jogos Paraolímpicos. Mas desta vez não está à vista. Aspiro o ar marinho, contemplo o céu azul e me preparo para finalmente voltar, quando vem de lá quem senão meu amigo Agostinho? No vigoroso verdor de seus sessentinha, sessentinha e pouco, musculatura de 59 com certeza, já está acabando sua corrida diária. Lindo dia, tudo bem, batimentos numa boa, tudo bem, nenhuma novidade, graças a Deus.

— Aliás, minto — disse Agostinho. — Tem novidade, sim. O Lupércio já está recuperado, mas o médico da emergência disse que ele hoje podia estar numa situação igual à de um ovo cozido. De ovo cozido não sai pinto e dele também não ia mais sair. Não ia sair mais nada, aliás, ele estaria na mesmíssima situação que o ovo cozido, mortinho.

— Não entendi nada, Agostinho, eu nem sabia que o Lupércio tinha passado mal.

— Ah, eu pensei que você sabia, todo mundo lá sabia. Ele perdeu os isqueiros todos da casa dele e aí partiu para acender o cigarro no micro-ondas.

— Mas não pode, tem uma trava de segurança, não funciona aberto.

— Você já tentou dissuadir o Lupércio de alguma coisa, quando ele já está com umas duas no juízo? E ele é sergipano, eu aprendi com ele que o sergipano é assim. Quando mete uma coisa na cabeça, não tem santo que tire. O médico explicou que o micro-ondas não produz calor, o que ele faz é agitar as moléculas de água contidas no treco que está lá dentro e aí esse treco assa ou cozinha. Então pelo menos as bochechas do Lutércio iam ficar iguais a um pimentão recheado.

— Mas ele não chegou a enfiar a cara no microondas ligado, não, chegou? Claro que o médico tem razão, as bochechas dele iam ser cozidas vivas, eu fico arrepiado só em pensar.

— Não, ele chegou perto, mas aberto o forno não funciona mesmo. Isso eu sei e o Lupércio também sabe, mas ele aí encasquetou porque diz que detesta qualquer objeto recalcitrante e já esmigalhou um relógio caro porque um ponteiro não parava onde ele queria, e aí partiu para o forno com uma chave de fenda em riste. Sorte o filho dele estar lá para segurar.

— Mas que maluquice, só mesmo o Lupércio. É melhor até avisar ao pessoal daquela mesa dos botafoguenses que ele lidera, eles acham ótimo tudo o que o Lupércio faz.

— É negócio de botafoguense, botafoguense acredita até em lobisomem. Mas esse perigo eu já disse a eles que eles não correm, naquela mesa ninguém tem água no organismo.

CARLOS HEITOR CONY

Serennus Samodecus


FOLHA DE SÃO PAULO - 29/11/09

Verdade seja dita: ninguém até hoje acusou Serennus Samodecus, o famoso clínico-geral dos tempos de Roma Imperial, de ter inventado a palavra-fórmula “abracadabra”. Os hermeneutas da história são unânimes em concordar, genericamente, que ao tempo dele, vinda das Arábias, a palavra já chegara aos campos etruscos onde Roma se edificara, “Roma condita est”.

O que ninguém contesta é que Serennus Samodecus, mercê de seus conhecimentos especializados, tornou-se médico do imperador Tibério, um cara que sofria de males variados, inclusive de hipocondria e complicadas insânias – já de si complicadas. Pois Serennus adotou uma prática que se tornou eficaz: chamado para atender seu imperial cliente, ele escrevia a palavra “abracadabra” num pedaço de papiro e mandava Tibério engolir a receita com três goles de leite de cabra.

O mais espantoso nisso tudo não era o remédio nem o processo terapêutico, mas o resultado: Tibério ficava bom e se trancava no quarto para resolver os problemas do estado e matar moscas. Muitos generais, cônsules, pretores e escravos foram mortos porque tiveram a audácia de interromper Tibério nesses momentos. A mania de Tibério de matar moscas só era interrompida quando ele pegava uns garotos e ia com eles para a piscina onde se divertia olhando o mar azul e o rochedos de Capri.

Tito Lívio, Suetônio, os dois Plínios e outros historiadores não compreenderam nem a ciência de Serennus Samodecus, nem o patriótico efeito de sua medicina: picharam Tibério de alto a baixo, tachando-o de misantropo, demente e devasso, principalmente por causa das moscas e dos garotos.

O fato é que Tibério foi o imperador que mais longe estendeu as fronteiras de Roma. Para ele, a fórmula deu certo.

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE

Melhor suspender o falatório e combinar o que dizer

29 de novembro de 2009

O presidente Lula, tão loquaz sobre qualquer tema, emudeceu. “Ficou muito abatido”, disse o secretário Gilberto Carvalho, que dispensou o jaleco para brincar de médico. “É coisa de psicopata”, diagnosticou .

O publicitário Paulo de Tarso perdeu a memória. Numa nota sintomaticamente confusa, jurou que só conseguiu lembrar-se das conversas. Não se lembra de ter visto César Benjamin na mesa, nem de ter ouvido o relato espantoso de Lula.

Sílvio Tendler viu Benjamin e ouviu o relato, mas tem certeza de que foi piada. Quem não entendeu assim é “debil mental”, decidiu prestando serviços à clínica de Gilberto Carvalho.

Companheiros de cadeia de Lula garantem que não havia entre eles nenhum “menino do MEP”. Havia, sim, Enilson Simões de Moura, o Alemão. Tanto havia que foi atingido no rosto por uma bola de basquete arremessada por Lula.

Melhor o governo suspender o palavrório, reunir a turma toda, combinar o que dizer, uniformizar detalhadamente o discurso e só então retomar o assunto.

Com todos, de preferência, transformados em depoentes na ação judicial que o acusado continua devendo ao país. A renúncia ao processo valida automaticamente a gravíssima denúncia.

BANDIDOS

ESCOLA DE SAMBA UNIDOS NO MENSALÃO

MÍRIAM LEITÃO

Em nome da Terra

O GLOBO - 29/11/09


De Copenhague, a capital temporária da Terra, muito se espera. Se havia alguma dúvida da importância do evento, ela foi afastada com os anúncios feitos pelos Estados Unidos e China. Nenhum sucesso está garantido, mas os derrotados de véspera perderam um argumento — ou dois — com a decisão dos maiores emissores de ter metas e preparar as malas para a Dinamarca.

Ser uma reunião importante não garante que será vitoriosa. Os governantes podem voltar para os seus países, no Natal, contando que o mundo perdeu uma grande chance de fazer um acordo histórico. Que o acordo seria insuficiente diante do que os cientistas estão pedindo como o mínimo, mas seria alguma coisa, só que fracassou. Pode ser essa a mensagem de Natal. Ou não.

Havia uma ponte no meio do caminho. Nas últimas semanas alguns países a cruzaram e isso produziu um salto qualitativo. Os Estados Unidos há um ano eram governados por um presidente que negava a existência do aquecimento global, nunca ratificou o Tratado de Kioto e censurou cientistas do governo que diziam a verdade inconveniente. Hoje, há uma lei aprovada na Câmara dos Representantes estabelecendo metas e regras federais para a transição para uma economia de redução de carbono, e o presidente Barack Obama anunciou que apresentará metas em Copenhague.

A China sempre disse que não sacrificaria seu crescimento e que não é responsável pelos gases emitidos no passado. Agora, o primeiro-ministro Wen Jiabao vai a Copenhague e a China tem metas. O Brasil sempre sustentou que como país em desenvolvimento não tinha obrigação de ter metas, por isso não as aceitaria.

Desta vez, voluntariamente as apresenta e o presidente Lula irá à reunião.

Cada país tem uma conta diferente, um parâmetro, uma data-base. Contudo, a Terra se move. Na matemática do clima, os 20% da Europa são maiores do que os 40% da China e pelo menos o triplo dos 17% dos Estados Unidos. Os números não são exatos porque se referem a anos e cálculos diferentes. A Europa voltará aos níveis de 1990 e ainda reduzirá 20%. Além disso, avisou que pode cortar mais. A Inglaterra já aceita 34% e avisa que sua tesoura está afiada para novos cortes.

Os Estados Unidos voltam a 2005 e cortam 17%. A China avisou que chega a 2020 emitindo menos do que estaria emitindo. Como o do Brasil, o chinês é um corte do futuro de emissões.

A China complicou mais e disse que cortará a intensidade de carbono no produto. Tanto China quanto o Brasil chegarão a 2020 emitindo mais que hoje, mas menos do que estariam emitindo se nada fosse feito.

O cálculo do Brasil é opaco, o da China é confuso, o dos Estados Unidos, insuficiente. Tudo somado, noves fora a Índia que pode virar um pária se nada anunciar, os países vão fazer menos do que o mínimo necessário pedido pelos cientistas para se limitar a dois graus o aumento de temperatura do planeta.

Mesmo antes de começar já se pode dizer que nunca houve uma COP como a 15.

“Quinze já? Para mim é a COP 1”, me disse um amigo.

Queria dizer que só agora prestou atenção na Conferência das Partes através da qual a ONU vem tentando, em reuniões anuais sucessivas, construir um acordo para reduzir os riscos da mudança climática. A de número 13, em Bali, fez um Mapa do Caminho até Copenhague.

A de número 14, em Poznam, na Polônia, decidiu aguardar Barack Obama.

A de número 15, agora, é diferente de todas pelo volume do barulho feito por cientistas, ativistas, governos, jornalistas, empresários, políticos, países de risco imediato, opinião pública, apaixonados e aflitos de qualquer natureza.

Esse barulho constrange e transforma. Por que países como China e Brasil abandonaram a desculpa histórica de que não são nossos os gases que hoje mudam o clima? Por que dois poderosos governantes, Barack Obama e Hu Jintao, recuam dias depois de uma tentativa de postergar o assunto por mais um ano? Porque há momentos em que se formam correntes e elas vão empurrando recalcitrantes.

Os brasileiros viram isso acontecer aqui. O governo sempre negou que faria o que passou a fazer, numa mudança tão rápida que ainda pega os novatos desinformados sobre pontos elementares do debate.

Pessoas do governo que sempre defenderam que o Brasil não deveria ter metas, agora mudam a conversa e apostam na falta de memória coletiva. Enfim, foi uma guinada brusca, mas na direção certa e no timing perfeito. Imagina se o Brasil não tivesse anunciado o que anunciou? Se o fizesse agora pareceria caudatário; se continuasse com a velha posição estaria isolado como a Índia.

O estudo divulgado semana passada, a “Economia da Mudança Climática no Brasil”, tentou fazer com o Brasil o que o economista Nicholas Stern fez em relação ao mundo: calcular o custo de não fazer nada e o custo de trabalhar para mitigar os efeitos da mudança climática. Ou seja, o preço da ação versus o preço da inação. O estudo confirmou o ponto de Stern, de que não fazer nada custa mais caro, e também disse que o Brasil pode crescer mais numa transição para a economia de baixo carbono.

O ministro Hilary Benn, da Inglaterra, me disse que em Copenhague cada país terá que pôr números na mesa, e um perguntará ao outro: que número você trouxe? O processo é mais complexo, penoso, e difícil do que isso, mas esse é um bom resumo de uma das principais diferenças entre esta reunião em relação a outras: todos terão de dizer quanto pretendem contribuir.

A outra diferença é esse clima que cerca Copenhague: o de que não há retrocesso tolerável, adiamento possível. O sentimento de urgência enfim chegou.

PAINEL DA FOLHA

Lavagem a seco

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/11/09


O Ministério Público aguarda de olhos arregalados o julgamento, pelo STF, do habeas corpus de Sonia e Estevam Hernandes. O problema dos procuradores não é exatamente o casal fundador da Igreja Renascer, acusado de evasão de divisas e falsidade ideológica, mas sim o fato de que os ministros do Supremo decidirão se a formação de uma organização criminosa pode ou não ser considerada crime antecedente para a configuração de lavagem de dinheiro.
Se a tese for rejeitada (e falta apenas um voto favorável ao casal Hernandes), cairão por terra praticamente todas as denúncias por lavagem já feitas pelo Ministério Público, incluídos os casos do banqueiro Daniel Dantas e da Igreja Universal do Reino de Deus.


No saco. Em privado, as principais lideranças do DEM, bem como do aliado PSDB, consideram crítica a situação de José Roberto Arruda, que, segundo inquérito da PF, teria autorizado distribuição de dinheiro a deputados distritais de sua base aliada.

Caminho... A Linknet, uma das empresas apontadas como participante do suposto esquema de pagamento de propina, teve somente uma adversária no recente pregão em que levou R$ 223 milhões para prestar serviços de processamento de dados ao governo do Distrito Federal.

...livre. Na prática, não houve disputa: a proposta da outra empresa era de R$ 254 milhões, valor muito próximo ao previsto no edital.

Reincidente. Em 2007, já no governo Arruda, o Tribunal de Contas do DF apontou indícios de direcionamento em pregão semelhante. Houve nova concorrência, e a vencedora foi... a Linknet.

Túnel do tempo. Um veterano da campanha petista de 1994 critica César Benjamin pelo artigo em que afirmou ter ouvido naquele ano de Lula que este havia tentado "subjugar" um colega de cela durante a ditadura: "O Lula de 94 não é o Lula de hoje".

Off. Comunicado do chefe de gabinete Gilberto Carvalho informa que, a partir de agora, os ministros não poderão usar nenhum equipamento eletrônico em audiências com o presidente. Os aparelhos devem ser deixados na portaria ou com ajudantes de ordem.

Sambódromo. A festa de fim de ano do PT, no próximo dia 8 em Brasília, será animada por Neguinho da Beija Flor. Segundo o partido, Lula já confirmou presença.

Vertical. Aliado aos tucanos em São Paulo, o secretário-geral do PTB, Campos Machado, defenderá que o partido adote uma posição única em 2010, impedindo que cada diretório estadual decida qual candidato a presidente irá apoiar. "A liberação é o caminho da prostituição política", diz o deputado estadual.

Profundezas. Ciente da divisão do PTB entre os engajados na campanha de Dilma Rousseff (PT) e a ala inclinada a apoiar o PSDB, o presidente da sigla, Roberto Jefferson, adota posição mais cautelosa: "No momento, estou escondido na camada pré-sal".

Sem fim. No Rio de Janeiro, a disputa dentro do campo lulista não termina na candidatura ao governo. A solução pacificadora seria entregar uma das vagas ao Senado a Lindberg Farias (PT), que assim sairia do caminho de Sérgio Cabral (PMDB), e a outra a Marcelo Crivella (PRB). Mas, no lugar de Crivella, a ala peemedebista boa de briga quer emplacar Jorge Picciani.

Bonde. Tudo caminha para que Dilma tenha em Alagoas um palanque formado por Fernando Collor (PTB) para o governo e Renan Calheiros (PMDB) e Ronaldo Lessa (PDT) para o Senado. Do outro lado, o candidato presidencial do PSDB contaria com o correligionário Téo Vilela, que tentará a reeleição.
com SÍLVIO NAVARRO e ANDREZA MATAIS

Tiroteio

Se ele ler os jornais, perceberá que o governo não está exagerando na dose.
Do deputado FERNANDO FERRO (PT-PE), refutando as críticas do controlador-geral da União, Jorge Hage, ao projeto do Executivo que pretende limitar a atuação do TCU na fiscalização de obras públicas.

Contraponto

Pendurada no cipó


Em 9 de novembro, Dilma Rousseff esteve no município baiano de Cipó. No dia seguinte, que terminou com um apagão em 18 Estados brasileiros, o petista José Roberto subiu à tribuna da Câmara para rememorar a visita e exaltar as qualidades da "candidata do Lula".
-Mãe do Luz para Todos!- começou o vereador.
Mais adiante, uma nova qualificação:
-Mulher de energia!
Por fim, a versão mais poética:
-Mulher de luz!
No exato momento em que José Roberto encerrou seu longo discurso, o breu se instalou no plenário.

MERVAL PEREIRA

Contra a corrupção

O GLOBO - 29/11/09


Não podia ser mais atual, infelizmente, o debate que vai acontecer amanhã, às 10h, no auditório do GLOBO sobre corrupção, do qual serei mediador.

“Corrupção — Nós e Você. Já são dois gritando” é o tema de uma campanha do GLOBO, escolhido pelos leitores, que colocaram a corrupção como sua primeira preocupação. Corrupção no sentido mais amplo, não apenas a da política, que tanto nos aflige e que mais uma vez aparece como tema central do noticiário com as investigações da Polícia Federal no governo do Distrito Federal

Estarão no debate o senador Pedro Simon, figura ímpar no Congresso Nacional que, não fosse por sua atuação cotidiana, mereceria lugar de destaque pela singularidade de ser um político que fez voto de pobreza; Claudio Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil; Rosangela Giembinsky, coordenadora da ONG Voto Consciente; e Maria Apparecida Fenizola, vice-presidente do Instituto de Desenvolvimento de Estudos Políticos e Sociais, na qualidade de “cidadã engajada”.

Professora aposentada, aos 78 anos, ela está no centro de uma iniciativa popular que pode fazer a diferença: o projeto que tenta barrar a candidatura de políticos que respondem a processo na Justiça por crimes graves ou contra a administração pública, o chamado “ficha suja”.

Cerca de 1,3 milhão de assinaturas foram recolhidas, e o projeto está em discussão na Câmara, a despeito da tentativa de políticos de impedir sua tramitação.

A questão que se coloca é: como uma pessoa não pode fazer um concurso público se tiver antecedentes de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? A lei complementar das inelegibilidades define que apenas os processos com “trânsito em julgado” podem impedir a candidatura ou a posse de alguém, ferindo o espírito da Constituição, no entender de vários juristas.

Várias tentativas já foram feitas para barrar na largada das eleições os candidatos que respondem a processos, mas esbarram sempre na exigência de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato seja impedido de concorrer ou mesmo de tomar posse.

Ao mesmo tempo em que o projeto de iniciativa popular tenta barrar os “fichas sujas”, é preciso fazer com que as denúncias de atos corruptos sejam cada vez mais amplificadas.

Há estudos acadêmicos que confirmam a tese de que políticos que cometeram irregularidades têm menos chance de serem eleitos ou reeleitos quando essa informação é divulgada no próprio ano eleitoral.

Mas a corrupção é uma praga que domina nosso dia a dia, e vai minando os valores da sociedade nos mínimos gestos, seja o de avançar um sinal, ou dar uma “gorjeta” para o guarda da esquina fingir que não viu sua infração.

A burocracia que cria dificuldades para conseguir facilidades por meio do suborno do agente público, que não libera a licença para a instalação de um negócio, por exemplo, ou segura a documentação de um processo qualquer, é outra característica da sociedade que criamos.

Aqui no Rio de Janeiro estamos em meio a um debate interessante, peculiar à natureza da cidade: a sujeira das ruas. O cidadão que se irrita com a sujeira da cidade, mas nem sente que ele é um dos culpados por ela, está corrompido em seus valores.

E o cidadão que vota no político corrupto, o faz ou por ignorância ou má-fé, e em ambos os casos estará contribuindo, direta ou indiretamente, para a perpetuação de um sistema político corrupto.

A exploração das necessidades do eleitorado carente está na base da corrupção política, e na outra ponta está a tentativa de tirar vantagens desse sistema corrupto.

O novo caso de corrupção que domina o noticiário político atual é a reprodução, a nível local em Brasília, do escândalo do mensalão denunciado em 2005 no governo Lula.

O governador José Roberto Arruda, do Democratas, está no centro de uma investigação policial que, pelas gravações feitas com autorização da Justiça já divulgadas, revela a repetição da prática de pagamentos mensais a deputados distritais de Brasília e autoridades do Judiciário local.

O Ministério Público e a Polícia Federal conseguiam convencer um de seus secretários, Durval Barbosa, de Assuntos Institucionais, a participar de um programa de delação premiada. Ele filmou e gravou a divisão do dinheiro do suborno, e até mesmo vezes em que o próprio Arruda teria separado sua cota quinzenal.

A ousadia da repetição de um esquema semelhante ao do mensalão petista, que foi amplamente denunciado e ainda se encontra sob julgamento no Supremo Tribunal Federal, mostra uma outra face da corrupção brasileira, que já foi considerada em um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos como sendo “endêmica”: a impunidade.

Certamente essa é uma das razões, senão “a razão” para que fatos como esse se repitam. No caso atual, há indícios de que se trata da compra de votos com pagamento mensal, e não o nosso conhecido “Caixa Dois” que financia as campanhas eleitorais, um hábito atemporal da política brasileira que não se consegue extirpar.

O fato de o mesmo procedimento ilegal ter sido adotado tanto pelo PT quanto pelo DEM, partidos diametralmente opostos, demonstra que outro problema que está na raiz da corrupção política é nossa organização partidária e a legislação eleitoral, que precisariam ser reformuladas para reduzir o espaço para a prática da corrupção.

DORA KRAMER

A vulgaridade está no ar

O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/11/09

Previsível e infalível como é a natureza humana, não demorarão a surgir reclamações sobre o comercial que usa imitações do presidente Luiz Inácio da Silva e da ministra Dilma Rousseff para vender papel higiênico.

Assim que fizer as contas e perceber que a paródia vulgariza mais que populariza a dupla, além de minar a imagem de gerente competente construída para a ministra, o governo haverá de arranjar um jeito de sumir com a propaganda do ar. Até para tentar evitar que outros sigam o mesmo caminho antes que o veio se revele promissor.

Quem pode o mais – que grandes empresas invistam dinheiro na produção de um filme institucional travestido de obra de entretenimento com o objetivo assumido de passar nos cobres o proverbial ofício da bajulação – pode o menos.

Pela lógica vigente – aquela segundo a qual quando muitos erram o erro configura-se um acerto -, a rigor o governo não teria do que reclamar. O presidente Lula, aliás, é o último a poder se queixar da grosseria do vizinho.

As razões são sobejamente conhecidas. Descontadas as ocasiões de crises e escândalos em que o presidente achou por bem recolher-se ao silêncio, nos últimos anos quase todos os dias Lula tem oferecido ao País demonstrações de sua capacidade de superação no que tange à deselegância nas maneiras. De falar, de agir e até de raciocinar.

Sua carência de apreço à cerimônia em boa medida é responsável por sua popularidade. Fala como aquele “brasileiro igualzinho a você” fabulado por marqueteiros de antigas campanhas eleitorais, que não falou ao coração do eleitorado à época, mas ressurgiu bem-sucedido depois de presidente eleito em campanha em que um outro marqueteiro recomendou moderação.

Respeito é bom e todo mundo gosta. Ocorre que é preciso se dar ao respeito e respeitar a todos para receber tratamento igual em troca. O uso de linguajar chulo, de críticas tão sem freios que mais parecem desaforos, da desqualificação moral de quem dele discorde acaba levando o autor a um patamar bem abaixo de seu posto.

O presidente não se impõe limites nem sequer de cortesia. Não pode exigir ser tratado com a respeitabilidade que seria devida ao presidente da República. O resultado é a disseminação da indelicadeza.

No ambiente da chefia da nação essa rudeza não se atém aos modos, alcança também os atos. Senão, vejamos a justificativa que a Presidência da República deu para a utilização de avião da FAB para transportar de São Paulo para Brasília 15 convidados do filho do presidente, cujas identidades o governo se recusa a revelar.

Segundo a assessoria de comunicação do Palácio do Planalto o presidente tem o direito de transportar convidados porque essa é uma “prerrogativa tradicionalmente exercida no Brasil: foi assim em governos anteriores, tem sido assim no atual”.

E ponto final. Nenhum dever de observância à regra de que ao setor público o que não é expressamente permitido é proibido, nenhum constrangimento de estender a tal prerrogativa a familiares – imitando os parlamentares com a cota de passagens aéreas do Congresso –, nenhuma concessão à óbvia inadequação a critérios razoáveis de conduta.

Nem mesmo uma pequena reverência à memória dos discursos de campanha nos quais Lula prometia, se eleito, “mudar” e lutar contra “tudo isso que está aí”. Ficou, por essa resposta da assessoria, consolidada a regra de que no tocante aos maus costumes antiguidade também é posto.

Na prancha

Na tarde se sexta-feira, quando o escândalo de corrupção envolvendo o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, ainda não estava nítido, mas já circulava que ele teria sido gravado ordenando o pagamento de propinas a deputados da Câmara Distrital, no partido de Arruda, o DEM, já vigorava uma certeza.

Confirmadas as gravações, não haveria solidariedade que se sustentasse. “Com gravação não há para onde correr”, dizia um correligionário. Oficialmente, os líderes manifestavam cautela até o esclarecimento dos fatos. Mas, extraoficialmente, comentavam que quem falou com ele não sentiu segurança na suspeita de que a operação da Polícia Federal tenha sido fruto de “armação” do adversário Joa quim Roriz e lembravam que o juiz do Superior Tribunal de Justiça que cuidou do caso, Fernando Gonçalves, é “muito ponderado”.

Avaliavam que se não tivesse provas consistentes o juiz não teria autorizado as ações de busca e apreensão de documentos da casa do governador, de aliados e auxiliares dele.

Pausa para meditação

O artigo de César Benjamin, na “Folha de S. Paulo” de sexta-feira, contando escabrosas particularidades do período em que Lula esteve preso no Dops, segundo ele relatadas pelo então sindicalista, é algo tão chocante que requer melhor digestão.

FERNANDO CALAZANS

Lâmpada traiçoeira

O GLOBO - 29/11/09


Pois não é que uma insuspeita lampadazinha de jardim vai tirar o Adriano desta decisão — mais uma — de fim de campeonato? Logo contra o Corinthians, que não tem muito a fazer no mesmo campeonato, mas que, de qualquer jeito, é o Corinthians. E Adriano é um dos quatro jogadores decisivos do time. Os outros são Petkovic, Maldonado (que já não está jogando mesmo) e Bruno. A presença ou a ausência de qualquer um deles pode representar o êxito ou o fracasso. Até porque as “peças de reposição” (como diriam os professores doutores) não são lá essas coisas. Teoricamente, a sorte não tem ajudado o Flamengo nos metros finais da grande competição. Vamos ver hoje na prática.
Sempre que algo acontece com Adriano — e como acontece algo com Adriano! —, ele reclama da imprensa, por começar a levantar versões variadas. Adriano tem certa razão. Mas, se a imprensa conjectura uma outra versão que não seja a da lampadazinha de jardim, é porque, durante toda a carreira, Adriano foi, ele mesmo, uma fonte inesgotável de versões, as mais variadas possíveis. Ele há de reconhecer que seu repertório é volumoso.
Agora, a torcida quer saber como o time se sairá sem o Maldonado — e sem o Adriano. Com este último, e sem o outro, já não se saiu nada bem contra o Goiás, no Maracanã, pela rodada anterior. A rigor, saiu-se pior do que descrevi aqui. Torcedores rubro-negros mais conscientes e realistas foram os primeiros a proclamar, alguns até um tanto irados, que o Flamengo acabara de jogar fora o título de campeão brasileiro. Será?
O que eu posso lembrar aqui, a fim de botar o moral da torcida um pouco mais para o alto, é que o Flamengo, salvo alguns períodos de exceção, é um time de imprevistos. Alguns ruins, mas outros muito bons.
Um deles aconteceu exatamente no último domingo. Quando se esperava tudo, veio um 0 a 0, quer dizer, nada. Foi o ruim.
Agora, quem sabe, o time se supera num instante de dificuldade — o que não seria a primeira nem a última vez. Seria o bom.
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O desfalque do Botafogo é (ou era) muito mais previsível. Porque é uma constante nessa passagem apagada do atacante Reinaldo pelo clube. Reinaldo ficou muito mais tempo fora de campo do que dentro, vitimado por uma série de contusões, e, mesmo quando esteve dentro de campo, parecia que estava fora, porque não jogou nada.
Seu último parceiro de ataque, Jóbson, tão mais jovem e inexperiente, este sim fará falta, porque é ele que dá um raio de luz ao ataque do Botafogo. O único raio de luz.
E fará mais falta ainda porque a vitória do Botafogo — como a do Flamengo — é imperiosa. O jogo é exatamente contra um dos adversários com que disputa a fuga (ou não) da zona de rebaixamento — o Atlético Paranaense.
Depois da inóspita altitude de Quito, o Fluminense pelo menos é o que vai jogar na paz e no aconchego de sua torcida — embora num jogo tão dramático ou mais até. Espera o Vitória no Maracanã. E, mais do que tudo, espera que os 5 a 1 de Quito se apaguem de sua lembrança, pelo menos durante 90 minutos.
Resumindo a impiedosa rodada: os três clubes do Rio não podem sequer empatar. Excluindo os torcedores do Vasco (que não são poucos), o Rio de Janeiro hoje é um sofrimento só.
A torcida do Flamengo também espera muito. Espera que o Goiás enfrente o São Paulo com aquela vontade, aquele sacrifício, aquela obstinação que apresentou no Maracanã. Aquilo é que é estoicismo, o resto é conversa fiada.