sábado, novembro 28, 2009

BRASIL S/A

Atoleiro árabe

CORREIO BRAZILIENSE - 28/11/09


Débâcle em Dubai é aviso de que o vírus da crise que pôs o mundo de quatro continua ameaçador


Ao pedir prazo aos credores de US$ 3,5 bilhões em papéis a vencer no dia 14 o cintilante reino de Dubai, uma das sete monarquias dos Emirados Árabes Unidos, expôs que a grande crise do crédito se foi sem ter ido, e há no mundo ainda muito rolo oculto a resolver.

O default seria por seis meses, alcançando os papéis da Nakheel, braço imobiliário do Dubai World, conglomerado que transita entre a estreita fronteira dos negócios públicos e privados num país de regime absolutista como as monarquias árabes em geral. As dívidas do grupo são estimadas, ninguém sabe ao certo, em US$ 59 bilhões, o maior naco do endividamento de US$ 80-100 bilhões de Dubai.

Espécie de uma mega Las Vegas com praia, como define o economista alemão Wolfgang Münchau, Dubai é um dos símbolos da exuberância do mundo no pré-crise. Sem as ondas de dinheiro barato a irrigar os mercados globais, continuaria um areal só atrativo aos camelos.

Ralo em petróleo, ao contrário de seus vizinhos Abu Dhabi, que já acudia suas finanças através de bancos do país, e Catar, rico em gás, Dubai investiu pesado, para fazer a diferença, construindo um ultrahightech centro turístico e financeiro sem igual, destacando-se na opulência duas enormes ilhas artificiais com o formato de palmeira. Já era um negócio bizarro. Em crise, tornou-se anormal.

Extraordinário é que sua atividade empreendedora, movida ao mesmo ritmo do esquema Ponzi que alimentou tantos negócios traiçoeiros, como os fundos de investimentos de escroques nos EUA e Europa, ou feridos de morte, como a General Motors e o Lehman Brothers, ainda atraía investidores à véspera de pedir penico, sinal de que o povo dos mercados financeiros nunca aprende coisa alguma.

Um mês antes de entrar em moratória para os títulos de um de seus três grandes grupos, braços empresariais da família real, o reino captou US$ 1,93 bilhão em bônus islâmicos (baseados na sharia, a lei muçulmana, que proíbe juros, contornada por fórmulas complexas de cálculo dos rendimentos). E havia tomador para US$ 6,3 bilhões.

As análises de banca falharam outra vez. Novamente as agências de rating chegaram atrasadas. A ambição desmedida foi como antes.

Esse foi o sentimento que varreu o mundo: a constatação de que o vírus da especulação que vergou os EUA e empurrou o mundo para a beira do precipício continua intacto. O pânico foi contido graças ao feriado de Thanksgiving nos EUA, na quinta-feira.

A economia de zumbis

Se Dubai está sem caixa, se Abu Dhabi, cujo fundo soberano possui ativos de mais de US$ 1 trilhão, cansou do primo esnobe, tudo isso agora é detalhe para a crônica dos mercados. Importa é apurar se a queda de Dubai foi acidente ou advertência de que há muitos outros podres no circuito global da riqueza criada pelo tal permagrowth — o crescimento permanente, tal como bicicleta que não pode parar.

Ela parou, mas o mundo não entrou em depressão devido à agilidade dos bancos centrais e Tesouros nacionais. Ficaram como sequelas, além do endividamento brutal dos países, que logo apresentará sua fatura aos contribuintes, bancos zumbis e negócios bichados. O FMI (Fundo Monetário Internacional) estima em US$ 1 trilhão os papéis podres ainda encarteirados pelos bancos da Europa e EUA.

Pirâmides valiam mais

O relativo sucesso dos programas de laxismo monetário e fiscal em toda parte mitigou a preocupação sobre a viabilidade das economias nacionais e das empresas projetadas pela riqueza fornida à base do crédito bancário e não-bancário alavancado por dívidas. Dubai é um desses casos: um projeto de nação com renda totalmente dependente de serviços que florescem apenas com a economia global roncando na pista, como o turismo de luxo e a intermediação financeira.

Quis emular Cingapura, a cidade-Estado mais bem sucedida no mundo ao lado de Hong Kong, sem ter uma poderosa indústria de tecnologia de ponta para equilibrar a volatilidade das atividades de serviços — e uma população empreendedora conectada à pátria-mãe, a China.

Advertência da China

E é da China, não só dos EUA, que surgem as maiores preocupações, tão grandes que mais a elite chinesa que os analistas dos países e empresas que dependem de seu apogeu se interessam em perscrutar. O economista Yu Yongding, medalhão da cúpula do Partido Comunista em Pequim, não dourou a pílula em palestra na Austrália, quarta-feira passada. “O padrão de crescimento chinês, dirigido pela exportação e o investimento, não é sustentável”, disse. Esse ajuste está para vir, e chega ao Brasil. Dubai é um suspiro da crise encubada.

Leite de pata azedou

Talvez valha a pena retornar ao início da grande crise, em meados de 2007, e retomar a discussão não de suas causas, mas do que ela implicaria se viesse a se agravar. Quando o pior aconteceu, todos correram para se salvar, os governos entraram em campo, lembrados de que sua ausência aprofundou a depressão da década de 1930, e se pôs de lado a discussão do que só existe se mamado com o leite de pata do crédito farto, barato e permanente. Essa discussão cabe ao Brasil também, onde a crise entrou pela frustração das exportações e a parada dos investimentos. Haverá mercado para mais siderurgia, minérios, petróleo, como supõe o governo? A China tem a palavra...

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

O fim do sonho

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/11/09


Refugiados do trabalho: Muitos trabalhadores estrangeiros, grande parte de Bangladesh, atraídos pela promessa de trabalho farto e dinheiro para enviar para suas famílias na terra natal, estão agora presos em Dubai. As grandes obras estão paradas e muitos estão sendo mandados embora para casa. Esses têm sorte porque, como acontece com muita frequência, grande parte contrai dívidas com o empregador e acaba preso a eles.

Refugiados da hipoteca: Como nos Estados Unidos, o crescimento da economia e a rápida ascensão fez com que muitos acabassem assumindo grandes dívidas para comprar luxuosas casas, que acabam deixando de pagar ao perderem o emprego. Com o agravante da crise, o valor das propriedades caiu mais de 40%. Em Dubai, a falta de pagamento nas hipotecas é crime. Estrangeiros nessa situação acabam fugindo do país para não serem presos.

A ilha: Com o agravamento da crise em Dubai, fala-se até mesmo que a ilha artificial projetada em formato de palmeira com quase cinco quilômetros de comprimento está afundando, literalmente. O preço de uma vila caiu de US$ 5 milhões para US$ 2 milhões e, mesmo assim, não há compradores. Investidores que viram a oportunidade de ganhar muito dinheiro, compraram os imóveis antes mesmo que estes fossem construídos. Agora, o que sobrou para alguns deles foi um monte de areia.

O luxo ficou no passado: O país parecia seguro. Os estrangeiros que chegaram deslumbrados, agora deixam para trás o luxo que não têm mais condições de arcar. Casas colossais e carros importados são abandonados. Nos carros, chamando a atenção de quem passa pela rua, uma nota com pedido de desculpas. Não há dados oficiais, mas estima-se que mais de três mil carros foram abandonados este ano, alguns deles até mesmo com a chave no contato.

RUTH COSTAS

Isolado, Zelaya já admite se exilar

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/11/09



Líder deposto estuda pedir asilo à Nicarágua após fim de mandato



O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, já pensa na possibilidade de sair da embaixada brasileira para exilar-se. A informação foi dada ao Estado por uma fonte próxima de Zelaya, que pediu anonimato.

A saída - que parece a alternativa mais provável caso não haja avanço na solução do impasse hondurenho - ocorreria em 27 de janeiro, quando termina o mandato de Zelaya e ele se torna uma espécie de "peso morto" na representação brasileira.

Segundo a fonte, entre os países que poderiam receber Zelaya está a Nicarágua - governada pelo esquerdista Daniel Ortega. O Brasil, por enquanto, não é cogitado, ainda segundo a fonte, "provavelmente por ser um país distante e caro".

À medida que as eleições gerais se aproximam, Zelaya está cada vez mais isolado. O governo de facto continua ameaçando os zelaystas o que, juntamente com a lembrança da violenta repressão dos últimos protestos, está levando muitos deles a desistir de sair às ruas.

Em entrevista ao Estado, o presidente deposto demonstrou um grande desapontamento com o fato de os EUA e outros países estarem dispostos a reconhecer as eleições - o que, na prática, legitima o golpe que o tirou do poder. "Essa manobra antidemocrática serve para encobrir os autores do golpe", afirmou Zelaya. Ontem, até o presidente da Costa Rica, Oscar Arias, mediador da crise, disse que aceitará a votação.

DESÂNIMO

Em Tegucigalpa, as manifestações de apoio a Zelaya nos últimos dias têm sido esporádicas. A Universidade Nacional Autônoma de Honduras foi tomada na quinta-feira por estudantes, numa tentativa de impedir a colocação de urnas no local.

Mas com muitos pontos da capital repletos de militares, simpatizantes de Zelaya não demonstravam muito empenho para organizar um grande protesto para amanhã.

Pelo contrário. O jornal El Libertador, zelaysta, trazia na capa um apelo do Comitê para a Defesa dos Direitos Humanos em Honduras (Codeh) para que a população não saia de casa no dia da votação. Segundo o Codeh, há "provas do funcionamento de centros de concentração paramilitares que planejam um massacre de mais de mil pessoas no domingo".

"Um líder da resistência foi morto no Departamento del Valle na segunda-feira e todos estamos recebendo ameaças", denunciou Eulógio Chávez, líder da associação de professores e membro da Resistência Democrática, que defende Zelaya.

Com relação às eleições, o presidente deposto preferiu não se manifestar a favor de nenhum partido, mas mesmo assim acabou envolvido na disputa. O esquerdista Partido Unificação Democrática, cuja plataforma também inclui a reforma da Constituição, rompeu com Zelaya para manter suas candidaturas, pois acreditava que o contrário poderia significar sua "morte política".

Dentro da embaixada, o número de simpatizantes de Zelaya é cada vez menor. Quando ele pediu abrigo, em 21 de setembro, estava acompanhado por 70 pessoas. No dia seguinte, havia 300 zelaystas no local. Hoje, há apenas 23 pessoas, segundo encarregado de negócios Francisco Catunda Resende.

A redução do número de "hóspedes" é resultado, em parte, dos esforços feitos por representantes brasileiros, que pretendiam melhorar as condições dentro da embaixada e aplacar as críticas de que o local estaria servindo de palanque político para o presidente deposto. "De fato, as condições estão muito melhores e boa parte das pessoas já está conseguindo dormir em sofás ou colchões infláveis", disse Catunda.

Os serviços administrativos e consulares estão sendo feitos na casa de Catunda. Com a eleição de um novo presidente em uma votação não reconhecida pelo Brasil, há incertezas sobre o que acontecerá com a embaixada brasileira. A princípio, o Brasil não deve manter relações diplomáticas com o novo governo. Segundo rumores, uma das possibilidades é que a embaixada seja fechada ou transformada em consulado ou escritório de interesses, para atender aos cerca de 500 brasileiros que vivem no país.

BRASÍLIA - DF

Apertem os cintos

CORREIO BRAZILIENSE - 28/11/09



Incomodada com as notas divulgadas pela coluna sobre “a lastimável situação” de alguns dos mais importantes aeroportos do país, a começar pelo de Brasília, a Infraero enviou esclarecimentos sobre cada uma das críticas recebidas, a começar pela denúncia do vice-líder do PSDB, Duarte Nogueira (SP), de que a empresa não informa sua execução orçamentária. Como é de conhecimento da opinião pública, especialmente daqueles que viajam de avião, os aeroportos do país são um gargalo do sistema de transportes, que fica à beira do colapso nos períodos de férias e de festas, como o ano-novo e o carnaval. Além disso, fazem parte do caminho crítico para a realização da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, como advertiu o ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB).

Segundo a empresa, por não pertencer à administração direta, suas contas não aparecem no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), mas o orçamento de investimento da Infraero é divulgado por meio do Programa de Dispêndios Globais do Ministério do Planejamento, que reúne as informações das estatais. “Tanto na LOA quanto no Plano Plurianual (PPA) do governo federal, a execução orçamentária, tanto das referidas obras quanto de todas as outras, pode ser verificada.” A empresa culpa prazos e exigências da Lei de Licitações e a ação dos órgãos reguladores pelas dificuldades para a realização das obras. Porém, não entra no mérito dos casos de superfaturamento, sobrepreço e outras irregularidades que determinaram as paralisações.

Cumbica

Segundo a Infraero, as obras de revitalização, recuperação e ampliação dos sistemas de pistas e pátios do Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos foram iniciadas em janeiro de 2005 e o valor do contrato era de R$ 270 milhões. Essas obras foram paralisadas, por iniciativa do consórcio construtor, em março de 2008, em função das medidas cautelares aplicadas pela Infraero, por recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU). Em maio de 2008, a Infraero encaminhou proposta de repactuação ao TCU para análise, sem sucesso. Resultado: apenas 53% da obra foram executados. Com a rescisão do contrato, em junho passado, virou uma batalha judicial.


Exército

Em outubro passado, a Infraero firmou um protocolo de intenções com o departamento de Engenharia e Construção do Exército para uma operação de guerra: reiniciar as obras dos aeroportos de Guarulhos, Vitória e Goiânia. Essas reformas e ampliações foram paralisadas por irregularidade nos contratos, que acabaram rescindidos. É possível que o Exército também retome a execução das obras de Cumbica.


Amigo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está encantado com o presidente da França, Nicolas Sarkozy (foto), líder conservador que ocupou o lugar do ex-presidente norte-americano George Bush como seu principal parceiro internacional. O chefe de estado francês prestigiou o esvaziado encontro dos oito presidentes da Região Amazônica em Manaus, ao qual somente compareceu o presidente da Guiana, Bharrat Jagdeo. Os demais mandaram ministros de Estado.


Aliado

Lula está mais chateado com Hugo Chávez (foto), da Venezuela, do que com Álvaro Uribe, da Colômbia, embora ambos os chefes de Estado tenham faltado ao encontro de Manaus. Uribe pretendia viajar, mas caiu do cavalo e se machucou. Avisou com antecedência que faltaria. Chávez , não. Prometeu ir ao encontro e só avisou que não compareceria quando a cúpula estava começando. Para quem pretendia pautar a Conferência do Clima, o fracasso do encontro dos países da Amazônia foi péssimo.


Brasília

O Aeroporto Internacional de Brasília/Juscelino Kubitschek deverá sofrer reformas e ampliação do terminal sul de passageiros. Serão realizadas melhorias no saguão, salas de embarque e desembarque, check-in, controles de entrada de passageiros (raios x), meio-fio de desembarque e da área de bagagens. A previsão de conclusão é para 2013. Antes da reforma, porém, como medida emergencial, a Infraero instalará uma estrutura removível que servirá como setor de embarque em função da alta demanda do aeroporto. Começa a funcionar em junho de 2010. Serão investidosR$ 524,2 milhões


Ideólogo

O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, lança na terça-feira o livro Ideias e rumos, às 17h, no salão nobre da Câmara dos Deputados. Médico, egresso da antiga Ação Popular, sucedeu o legendário líder sindical comunista João Amazonas no comando da legenda. É o grande responsável pela longa hegemonia dos comunistas na União Nacional dos Estudantes (UNE), o principal celeiro de quadros do PCdoB.


Arapongas/ Para debater o papel da atividade de inteligência e o controle interno e externo dos órgãos de inteligência, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal promoverão um seminário sobre atividade de inteligência e controle parlamentar. Foram chamados especialistas dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Portugal, Argentina e Chile, além de representantes da Abin, do Ministério da Defesa, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, da Polícia Federal, da Receita Federal e da Secretaria Nacional de Segurança Pública. O evento começa na terça-feira.

Bombeiro/ O líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), promete atuar como bombeiro na disputa por royalties de petróleo entre os governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Por isso mesmo, não vai apresentar nenhuma proposta de mudança no critério de partilha acordado pelo presidente Lula com Cabral.

PAUL KRUGMAN

Um imposto contra a especulação

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/11/09


É hora de jogar um pouco de areia nas engrenagens do mundo das finanças. Será que devemos usar impostos para coibir a especulação financeira? Sim, dizem alguns dos principais membros do governo britânico, supervisores da City londrina, um dos dois maiores centros bancários do mundo. Outros governos europeus concordam, e têm razão.

Infelizmente, representantes do governo americano - em especial o secretário do Tesouro, Timothy Geithner,- se mostram inflexíveis no combate à ideia. Vamos torcer para que reconsiderem: chegou a hora de criar um imposto sobre transações financeiras.

O debate teve início em agosto, quando Adair Turner, principal regulador financeiro britânico, defendeu esse imposto como forma de desencorajar atividades "socialmente inúteis". Gordon Brown, primeiro-ministro britânico, gostou e levou a ideia ao G-20, este mês.

Por que considero uma boa ideia? A proposta Turner-Brown é uma versão moderna da lançada em 1972 pelo economista James Tobin, da Universidade Yale, um Prêmio Nobel. Para Tobin, a especulação monetária - dinheiro girando o mundo para apostar em flutuações no câmbio - causa danos à economia mundial. Para reduzir tais turbulências, propôs uma pequena taxa sobre cada operação de câmbio.

Essa taxa seria uma despesa trivial para os envolvidos no comércio internacional ou em investimentos de longo prazo, mas representaria um poderoso mecanismo de dissuasão para aqueles que tentam ganhar dinheiro fácil (em dólares, euros ou ienes) adivinhando as tendências do mercado ao longo de um período de poucos dias ou semanas.

Na época, a ideia de Tobin não avançou. Posteriormente, para surpresa de seu autor, a proposta tornou-se uma das bandeiras da esquerda antiglobalização. Mas a proposta Turner-Brown, que prevê a taxação de todas as transações financeiras - e não só as em moeda estrangeira - está de acordo com o espírito de Tobin.

Seria ruim se a hiperatividade financeira fosse produtiva. Mas, após os desastres dos últimos dois anos, há um amplo consenso - entre os que não estão na folha de pagamento da indústria financeira - em relação ao comentário de Turner segundo o qual boa parte da atividade de Wall Street e da City londrina é "socialmente inútil". Além disso, esse imposto poderia proporcionar uma arrecadação substancial, ajudando a afastar os temores em relação aos déficits do governo.

O principal argumento contra a taxa é que os agentes do mercado encontrariam formas de evitá-la. Alguns afirmam também que a taxa não impediria o comportamento socialmente prejudicial que provocou a crise. Mas nenhum resiste ao escrutínio.

Em relação à dificuldade de se tributar: as negociações do mercado moderno se dão dentro de uma estrutura bastante centralizada. Os negociadores concretizam (pagam) a maior parte das transações numa única instituição em Londres. Essa centralização ainda mantém baixo o custo das transações.

Quanto ao outro argumento, é verdade que a taxação não teria impedido os credores de fazerem empréstimos ruins, mas os investimentos ruins não foram os únicos responsáveis pela crise. O que transformou esses investimentos ruins numa catástrofe foi a dependência excessiva do mercado do dinheiro de curto prazo.

Ao desencorajar a dependência do financiamento de curtíssimo prazo, uma taxa teria diminuído muito a probabilidade de uma corrida semelhante. Assim, ao contrário do que dizem os céticos, um imposto desse tipo teria ajudado a afastar a crise - e pode nos ajudar a evitar uma reprise futura desses acontecimentos.

*O autor é Nobel de Economia

CELSO MING

Amarelo e verde

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/11/09



O ouro é um dos ativos campeões em valorização deste mês de novembro. Suas cotações subiram 13% até o fechamento de sexta-feira, ainda que nos dois últimos dias úteis tenha sido em alguma medida rejeitado pelos aplicadores.

O dólar teve, no mercado internacional, comportamento inverso ao do ouro: despencou em relação às moedas fortes ao longo do mês, mas, nos dois últimos dias, voltou a reagir.

Isso parece mostrar alguma mudança no conceito do que deve ser considerado uma aplicação de segurança.

A diferença foi determinada pelo fator medo que se seguiu ao anúncio da moratória unilateral da Dubai World, empresa controlada pelo governo do emirado, que não tem como pagar US$ 59 bilhões. Como as finanças do mundo árabe não primam pela transparência, o mercado temeu durante dois dias que estivesse diante da ponta de um iceberg e que a exposição de grandes bancos europeus a esse novo rombo fosse suficiente para provocar o contágio. Mas não importa aqui o tamanho do estrago que a provável quebra de Dubai possa provocar. Importa é verificar como o mercado reage quando o chão ameaça desaparecer sob os pés.

Ao longo deste ano, o ouro se transformou em ativo atraente para os que nutriram crescente desconfiança sobre a saúde do dólar. Entre os agentes de peso que procuraram se defender contra a perda de substância da moeda americana estão importantes bancos centrais, que se puseram a diversificar suas reservas antes mais densamente repousadas sobre os ativos amarrados ao dólar. Parte dos recursos foi aplicada em ouro - ao menos essa é a suspeita de um bom número de analistas do mercado.

Ao lado dos ativos de países emergentes e das commodities, o ouro também passou a ser objeto de especulação financeira. Parte dos atuais detentores de recursos originários da massa de US$ 10 trilhões despendidos pelos Tesouros e bancos centrais dos países ricos para combater a crise e que agora zanzam pelos mercados recorreu ao ouro e a um bom número de commodities.

É isso que explica a valorização desse metal em 33% ao longo de 2009 (até o fechamento de sexta-feira), movimento que aparentemente vai continuar.

O comportamento do mercado nesses dois últimos dias mostra pelo menos duas coisas. Primeiramente, que o ouro já não é o metal do medo, nas condições em que foi até recentemente percebido, ao qual os detentores de riqueza recorriam sempre que um perigo relevante surgia. Há um bom tempo, ele está sendo considerado mais um ativo de risco, como as ações, do que um porto seguro nos momentos de turbulência.

Em segundo lugar, apesar de tudo o que acontece com as finanças públicas dos Estados Unidos e apesar da fragilidade da economia americana, sempre que um fator qualquer aciona movimentos de aversão ao risco, é ainda no dólar que os administradores de ativos procuram refúgio.

É um fato que desmente tantos analistas que há anos, e mais especialmente ao longo desta crise, preveem o derretimento próximo do que é, desde os anos 70, o quase único ativo de reserva de valor disponível no mundo.

Em outras palavras, ainda não apareceu nada melhor para substituir o dólar na função de reserva internacional de valor.

ARI CUNHA

A arte prepara para a vida

CORREIO BRAZILIENSE - 28/11/09


Projetos de arte salvam a população de baixa renda da criminalidade. É fato. O Brasil inteiro conta com pessoas que trabalham por amor para o resgate e proteção daqueles que têm poucas oportunidades na vida. Capoeira, música, dança, teatro, esportes, não faltam voluntários ou gente ganhando muito pouco dinheiro para ver o entusiasmo e seriedade daqueles que mostram que são capazes e vão além do que é oferecido. Wagner e Walter Caldas, violinistas, gêmeos então com 21 anos, saíram da favela da Grota do Surucucu para os Estados Unidos com uma bolsa de estudos. Os exemplos são inúmeros. Em Brasília, Plínio Mosca, recebeu carta branca para montar uma oficina de teatro da Embaixada da Alemanha. Os contemplados são os alunos do Centro Educacional 06 do P Sul, na Ceilândia. Hoje e amanhã eles representarão A Resistível Ascensão de Arturo Ui, de Bertolt Brecht. A arte tocou a alma desses meninos. Esse é o poder que Plínio Mosca tem para contribuir com um mundo melhor. (Circe Cunha)


A frase que não foi pronunciada

“Homem não serve para dar à luz”
Dona Dita, com um sorriso, pensando enquanto acende as velas.



Souzas
Souza Prudente versus Souza Cruz. É que, no comando do Tribunal Regional Federal da 1ª Regiãp, o desembargador Souza Prudente proibiu cigarro aceso dentro e fora do tribunal. Nada de fumódromos. E a ordem tem embasamento legal. A desobediência é sujeita a penalidade. Quem não fuma adorou a nova regra.

Horário de verão
O dia começa ainda no escuro. Pessoas que desejam fazer caminhada pela cidade não encontram razão. É que desejam andar ao sol no horário conveniente. À tardinha procuram amigas para comparecer a um bar. É hoje o chope. Ninguém se entende.

Dia 9
Aparecer no plenário dando voto pela entrada da Venezuela no Mercosul está incomodando o Senado. Ganha tempo o senador Romero Jucá. É dele a responsabilidade do convencimento. A votação é novamente adiada.

Dez
Aprovada na CCJ proposta sobre repressão ao crime organizado. Na verdade, a Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, já prevê a infiltração de policiais em organizações criminosas. Dá a possibilidade até a interceptação de sinais magnéticos, óticos e acústicos com autorização judicial. A novidade na atuação da CCJ é sobre o aumento da pena para os criminosos. Dez anos a mais.

Continua
Não é só no Rio de Janeiro que continua faltando luz depois do misterioso apagão. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, dava palestra no Lago Sul a empreendedores. Sem energia, o microfone não funcionava. Meirelles parou de falar para não ficar rouco.

Ainda
Não há orientação oficial do Ministério ou Secretaria da Educação para os alunos enganados pelo Ilal. O Ceteb, antigo supletivo em Brasília, tem sido a saída. Estudantes matriculados para o próximo vestibular da UnB conseguiram vencer o tempo pelo conhecimento.

Suco já
Associação que defende os consumidores, a Pró-Teste notificou o Ministério da Agricultura e Anvisa sobre a presença de benzeno acima da quantidade permitida em sete marcas de refrigerantes. Sem nutrientes e muito açúcar, o refrigerante é desaconselhável a crianças.

Trânsito
Alexandre Garcia tem razão. A violência no trânsito é tão grande que é como se aquele acidente de avião acontecesse todos os dias. Com centenas de mortos. As novas regras para o trânsito existem, são boas, mas falta fiscalização.

Dinheiro
A moeda do Brasil corre anos desde o Império. Houve uma emissão que, impressa na Inglaterra, não chegou ao país. Navio afundou e o dinheiro foi para o fundo do Oceano. O real nasceu em termos de urgência. Não foi usada nenhuma imagem de pessoas. Preferiu-se o reino animal sem a presença de nenhum nome do jogo do bicho. Guarde na lembrança que a maior é em respeito à garoupa, e a de R$ 50 é a onça pintada.


História de Brasília

Uma vez falamos também do contrabando em avião “chapa branca”. E o sr. Plínio Lemos, da tribuna da Câmara, fez a defesa. Agora, o povo está sabendo que, nos aviões oficiais, eram transportados televisores e peças de automóveis para o abastecimento do mercado contrabandista, emas e búfalos para as fazendas dos privilegiados. (Publicado em 18/2/1961)

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA
Roberto Pompeu de Toledo

Os kebabs da discórdia

"Na Rússia, como nos regimes autoritários em geral,
o patriotismo, esse conhecido último refúgio dos canalhas,
é invocado para a promoção dos interesses do poder"

Assim como o Custódio, Aleksander Vanin deu-se mal quando a política bateu de frente com a tabuleta de seu estabelecimento comercial. O Custódio, protagonista de um famoso episódio doEsaú e Jacó, de Machado de Assis, era dono de uma casa, na Rua do Catete, chamada Confeitaria do Império. Aí veio a proclamação da República e… que fazer, para evitar a sanha dos novos donos do poder? Mudar a tabuleta para Confeitaria da República era a solução mais óbvia, mas e se sobreviesse outra reviravolta? Ia ficar a mudá-la toda hora, com prejuí-zo da identificação do estabelecimento e perda do dinheiro investido nas tabuletas? O russo Aleksander Vanin é dono de um restaurante especializado em kebabs na Leningrad Prospect, no coração de Moscou. O restaurante fica em frente do Hotel Soviético, velho de mais de cinquenta anos, muito conhecido dos moscovitas e dos homens de negócios estrangeiros, e, por isso, por ficar bem do outro lado da rua, ganhou o apelido de "Antissoviético". Vanin gostou do apelido e três meses atrás o oficializou, inaugurando sobre a porta do restaurante um colorido letreiro com o nome "Antissoviético".

Incauto Vanin. Seu letreiro, tão inocente na aparência quanto a tabuleta do Custódio, transformou-se, nas semanas seguintes, no epicentro de um terremoto político. A Associação dos Veteranos de Guerra exigiu da prefeitura de Moscou providências contra um nome que fazia pouco dos heróis da Grande Guerra Patriótica, como é conhecida no país a parte que lhe coube na II Guerra Mundial, e do passado soviético em geral. Em resposta, o jornalista Alexander Podrabinek, combativo dissidente do antigo regime, acusou a Associação dos Veteranos, na qual se escondem servidores de vários tipos do período comunista, inclusive carcereiros dos famigerados gulags, de pintar a União Soviética como "um lugar de astronautas e safras agrícolas recordes", esquecendo-se das "centenas de milhares de assassinatos" e dos "milhões de torturados". Próxima a se pôr em campo, a Nashi (Nós), um grupo juvenil que conta com as bênçãos do governo e tem por método o uso da violência e da intimidação, cercou a casa de Podrabinek e passou a exigir, nada menos, que ele fosse expulso do país. Tudo isso, e muito mais – como abaixo-assinado de intelectuais em favor de Podrabinek e reação da Nashi "denunciando" que grande parte dos signatários eram judeus –, por causa do nome de um restaurante.

Ou melhor: por causa das proporções que certas miudezas são capazes de assumir, quando desencadeadas no momento certo e em terreno propício. Na Rússia de hoje, um governo autoritário alia-se às sombras do passado para justificar-se na história. Uma estação de metrô recentemente reformada tem agora a adorná-la, em grandes letras, uma linha do antigo Hino Nacional: "Stalin nos educou para ser leais à nação, ele nos inspira no trabalho e nos grandes feitos". O patriotismo, esse conhecido último refúgio dos canalhas, é invocado para a promoção dos interesses do poder. Com a Associação dos Veteranos de um lado e a Nashi de outro, ou seja, a velha-guarda atacando por um flanco e a mocidade aloprada pelo outro, configura-se um movimento de pinça agudo o bastante para fechar-se ao mesmo tempo tanto sobre um restaurante de kebabs quanto sobre um jornalista dissidente. O jornalista, depois de semanas de seguidos constrangimentos e ameaças físicas, intensos a ponto de o governo francês lhe ter oferecido asilo, foi deixado em paz. Quanto ao letreiro do restaurante…

Vanin perdeu. Teve de renunciar à lustrosa placa que anunciava o kebab como "Antissoviético", por pressão da prefeitura de Moscou. O Custódio de Machado de Assis recebeu de seu mentor, o Conselheiro Aires, a sugestão de adotar o nome "Confeitaria do Governo", para escapar da dicotomia entre Império e República. Rejeitou-a. A um governo sempre corresponde uma oposição, argumentou, e a oposição poderia implicar com ele. O episódio termina com o angustiado comerciante indeciso entre duas outras sugestões: a de emendar a palavra "império" da tabuleta com a expressão "da lei", de modo a se tornar o judicioso proprietário de uma "Confeitaria do Império da Lei", e a de socorrer-se do próprio nome e contentar-se com uma mais modesta "Confeitaria do Custódio". Vanin fez pior. Tirou o "anti" do letreiro e ficou com o "Soviético". Os kebabs ganharam significado oposto ao anterior. E a Leningrad Prospect ficou com um Hotel Soviético de um lado e um Restaurante Soviético do outro, uma solução bem a gosto do regime.

EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO

E o Brasil se absteve

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/09


QUATRO dias após a passagem por Brasília do líder do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, o Itamaraty teve a primeira oportunidade de aplicar os princípios de política externa enunciados pelo presidente Lula diante de seu homólogo iraniano. O resultado foi frustrante.
Motivada pelas reiteradas protelações e falsidades do regime dos aiatolás acerca de seu projeto nuclear, a Agência de Energia Atômica da ONU (AIEA) propôs ontem uma moção de censura contra o Irã. Vinte e cinco dos 35 países com voto na organização endossaram a proposta -incluindo China e Rússia, que tradicionalmente resistem a pressionar o país persa. O Brasil simplesmente se absteve.
Pela primeira vez em quatro anos, a AIEA -que optava por um trabalho mais discreto, na expectativa de obter a colaboração das autoridades xiitas- subiu o tom publicamente contra o Irã. Motivou a sanção a falta de informações sobre as atividades de uma usina de processamento de urânio numa base da Guarda Revolucionária do Irã, cuja existência vinha sendo escondida da comunidade internacional.
Diante de mais esse indício de que o regime islâmico promove uma corrida às armas atômicas, em vez do alegado objetivo de produzir eletricidade, o chefe da AIEA, o egípcio Mohamed ElBaradei, declarou que as relações com o Irã chegaram a um "beco sem saída". Signatário do Tratado de Não Proliferação, o país persa está obrigado a prestar contas e a deixar-se fiscalizar pela agência multilateral, mas vem sabotando esse compromisso.
Na segunda-feira, diante de Ahmadinejad, o presidente Lula reafirmou o repúdio às armas atômicas, inscrito na Constituição do Brasil. Defendeu o uso da energia nuclear para fins pacíficos, norteado pelos tratados internacionais. Palavras ao vento, pelo visto -pois, enquanto o Irã se desvia dessa rota, o Itamaraty se omite.

OPINIÃO - O GLOBO

Irrelevância

O GLOBO - 28/11/09

A crise em Honduras chegou a um ponto em que os EUA e outros países apoiam as eleições de amanhã, que se realizarão sob um governo interino, enquanto o Brasil, a Venezuela e os outros bolivarianos ameaçam não reconhecer o eleito. Desde o seu início, em junho, a questão hondurenha é uma armadilha. O mundo ficou horrorizado com a volta à América Latina do golpe de Estado, do tipo que, executado por militares, arrancou o presidente constitucional Manuel Zelaya do poder, com apoio do Legislativo e do Judiciário.

Ocorre que Zelaya, bolivariano como Hugo Chávez, também atentara contra a Constituição hondurenha, que veda a reeleição, ao organizar um referendo com o objetivo de se perpetuar no poder.

A comunidade internacional foi rápida na condenação ao golpe e na exigência da restituição de Zelaya, o que pôs lado a lado os EUA e seus inimigos bolivarianos. Mas predominou o impasse devido à posição inamovível do governo interino, liderado pelo presidente do Congresso, Roberto Micheletti. Chávez apostou no impasse, no qual o Brasil parece ter embarcado quando tomou a insólita decisão de acolher Zelaya — transportado por avião venezuelano — na Embaixada do Brasil em Honduras, em setembro.

E pior, permitir que o presidente deposto transformasse a representação diplomática num palanque político, contribuindo para endurecer a resistência do governo às tentativas de acordo mediadas pela OEA.

Com a situação estagnada, as eleições de domingo se tornaram o fato político dominante. Por pragmatismo, os EUA deixaram de considerar indispensável a volta de Zelaya ao poder, preferindo destacar a importância das eleições (nem Micheletti nem Zelaya concorrem). O Brasil, na má companhia do bloco bolivariano, acabou, como uma vestal, na posição de não reconhecer o resultado do pleito se Zelaya não for reempossado para um governo de transição até a posse do eleito, em janeiro. Tornou-se irrelevante, ainda mais que os EUA obtiveram apoio de Canadá, Colômbia, Peru, Costa Rica e Panamá.

Diante de um parecer contrário da Corte Suprema de Honduras, está cada vez mais difícil que o Congresso, que se reúne com este fim no dia 2, vote pelo retorno de Zelaya para um governo tampão. Sem margem de manobra, a diplomacia brasileira deveria corrigir a rota, apoiar as eleições e reconhecer o eleito. Mas, como Brasília trabalha para supostamente ampliar o peso do Brasil nas relações internacionais, poderá optar por manter a posição de vestal. E continuar irrelevante

DIOGO MAINARDI

REVISTA VEJA
Diogo Mainardi

Apagão mainardiano

"A partir desta semana, por um período de seis meses,
minha coluna em VEJA se tornará quinzenal. Duas semanas
por mês, meu cantinho de página se apagará como uma
linha elétrica de Furnas. Quem quiser me encontrar no escuro
terá de acender um fósforo e torrar as pontas dos dedos"

Se a imprensa está acabando, quero acabar antes dela. É uma corrida contra o tempo. Eu já tomei a dianteira: a partir desta semana, por um período de seis meses, minha coluna em VEJA se tornará quinzenal. Duas semanas por mês, meu cantinho de página se apagará como uma linha elétrica de Furnas. Quem quiser me encontrar no escuro terá de acender um fósforo e torrar as pontas dos dedos. Serei um dos pioneiros na conquista desse território selvagem, sem lei e sem imprensa – Ringo Kid atacado no deserto por uma tribo de apaches analfabetos. Isso mesmo: John Wayne e eu.

Esta coluna está completando onze anos. O leitor, constrangido, seguiu semanalmente o "Big Brother" mainardiano. Nunca acreditei em Deus, mas acredito em Boninho. O Boninho celestial trancou-me nesta casa cenográfica e mostrou cada detalhe de meu emocionante dia a dia: o nascimento de meus dois filhos, a saída da Itália, o retorno ao Brasil, os debates acalorados, o "impeachment" de Lula. Olhe o Diogo no tribunal! Olhe o Diogo insultando o presidente! Olhe o Diogo passeando de bicicleta em Ipanema! Olhe o Diogo rebolando na beira da piscina! Isso mesmo: Grazi e eu.

Decidi diminuir temporariamente meu ritmo de trabalho na imprensa para poder ficar deitado na cama olhando para o teto. Eu só consigo pensar deste jeito: deitado na cama e olhando para o teto. Alguns meses atrás, assinei um contrato para escrever um livro. O dinheiro do adiantamento passou a pingar todos os meses em minha conta, mas o livro ainda não saiu do lugar. Agora poderei dedicar tempo a ele. Olhe o Diogo deitado na cama olhando para o teto! O que é aquilo? O Diogo continua deitado na cama, olhando para o teto?

Os episódios mais marcantes do "Big Brother" mainardiano foram sobre meu desempe--nho como pai. O leitor bisbilhotou essa gincana minuto a minuto: a barbeiragem cometida pelos médicos no parto de meu primeiro filho, a descoberta de que ele tinha uma paralisia cerebral, seus primeiros 359 passos, o nascimento de meu segundo filho, a alegria de poder ficar o tempo inteiro com os dois. O que farei de agora em diante, entre uma coluna e outra, é escrever uma reportagem sobre esses temas. Confortado pelo fato de que, nas últimas semanas, meu filho ganhou uma batalha indenizatória contra o SUS italiano e garantiu legalmente que ninguém poderá eliminá-lo do programa.

Se a imprensa resistir até lá – Geronimo está à espreita, no alto da colina, preparando seu ataque –, voltarei a escrever semanalmente em meados de 2010, durante a campanha eleitoral. É bom poder participar do tiroteio, a bordo desta carruagem. Em onze anos, matamos um monte de apaches analfabetos. Falta matar outro monte.

MÍRIAM LEITÃO

Fiascos externos

O GLOBO - 28/11/09


A semana foi de fiascos para a política externa. Foi quebrada uma regra diplomática básica na resposta à carta do presidente americano, Barack Obama. A cúpula Amazônica com o presidente francês fracassou.

O presidente Ahmadinejad recebeu aval ao seu programa nuclear, quando a Agência de Energia Atômica aprovou um voto contra o Irã pelos indícios de que o programa não é pacífico.

Quando um chefe de Estado escreve carta a outro, a resposta não pode ser dada por uma pessoa de terceiro escalão. Elementar.

Marco Aurélio Garcia, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, respondeu em público à carta de Barack Obama e ainda dizendo desaforos.

Um espanto. Esse tipo de grosseria só se faz em diplomacia quando, deliberadamente, se quer demonstrar desprezo ao outro. Não há razão alguma para fazer isso com o missivista, mesmo que dele se discorde.

— O Barão de Rio Branco deve estar se revirando no túmulo pela quebra das boas tradições diplomáticas e pela crescente influência partidária e ideológica no Itamaraty — disse o exembaixador nos Estados Unidos Rubens Barbosa ao b l o g ( w w w. m i r i a m l e i tao.com.br).

Descortesia tem hora na diplomacia. Ela precisa significar alguma coisa. No caso das críticas feitas pelo secretário Marco Aurélio ao conteúdo da carta do presidente Barack Obama, foi apenas mais um ato desastrado dos muitos cometidos nos últimos anos de diplomacia improvisada. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, tentou reduzir o estrago no dia seguinte recolocando a questão em termos um pouco diferentes. Valeu o esforço, mas esse tipo de erro já virou rotina no governo Lula, que convive há sete anos com essa distorção de um secretário internacional que se comporta como se fosse ele o ministro.

A visita do presidente do Irã provocou grande controvérsia, porque ele é uma pessoa que suscita esse tipo de reação extremada, mas é natural que o Brasil receba visitas de chefes de Estado de países com os quais mantém relação.

Quando a figura é um Ahmadinejad, tudo tem que ser bem pesado e medido para não parecer que ele recebe aval justamente naquilo que o mundo combate.

O programa nuclear do Irã está sob suspeição de autoridades internacionais, porque são inúmeros os indícios de que ele não é pacífico.

As instalações subterrâneas em Qom, que o país construiu escondido e que foram descobertas em setembro, podem estar sendo usadas para fazer urânio altamente enriquecido. A partir de um determinado nível de enriquecimento, o urânio não é para fins pacíficos e sim para a construção de armas nucleares.

Com tudo tão obscuro e ainda sob investigação, o presidente Lula deveria ter evitado o tema. Foi uma imposição do visitante? Se foi, fica comprovado que o Brasil foi usado para o propósito dele. Foi a troca pelo apoio do Irã à cadeira o conselho de segurança da ONU? Se for isso, é um tiro pela culatra, porque mostra a ingenuidade do Brasil e não sua capacidade de conviver com contrários, como se queria demonstrar. O final de qualquer dúvida vem com a resolução da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) condenando, com os votos da Rússia e China, o programa que Lula endossou. E o Brasil se absteve na votação! Não se entra no Conselho de Segurança sendo ambíguo na questão nuclear.

A cúpula Amazônica com o presidente francês, tão próximo de Copenhague, foi uma boa ideia, mas alguma coisa deu muito errado na execução. Numa Manaus enfumaçada por queimadas na floresta, três presidentes esperaram os outros que desmarcaram na última hora. Foram tantos os ausentes, que não se pode imaginar que tenha sido coincidência. Deve ser a primeira vez, em anos, em que Álvaro Uribe e Hugo Chávez fazem o mesmo gesto.

O caso de Honduras é mais complicado. O Brasil tem defendido uma causa nobre da forma errada. Numa região que foi assolada por golpes de Estado, o Brasil está do lado certo condenando o governo Roberto Micheletti e chamando de golpe o que nunca teve mesmo outro nome. Mas o presidente deposto Manuel Zelaya também cometeu seus erros ao investir contra as regras constitucionais e os poderes hondurenhos.

Isso não legitima o que foi feito, mas deveria ajudar o Brasil a relativizar o apoio absoluto dado a um político que, claramente, divide o país e que usou a embaixada brasileira em Honduras como comitê político num claro abuso do refúgio dado a ele.

Zelaya não é a encarnação da democracia hondurenha.

Ele é o presidente eleito, num mandato que já está chegando ao fim, de um país que se encaminha para uma eleição. O mais sensato seria ajudar Honduras a sair do impasse, e não ser parte do impasse. A eleição de domingo pode ou não ser essa saída. O que os países amigos e instituições internacionais deveriam fazer é ajudar a fiscalizar a eleição para garantir um processo legítimo e democrático; e depois fazer um esforço diplomático para um governo de reconciliação que anistie Zelaya para que ele saia da embaixada brasileira e tenha uma vida normal.

A intransigência do Brasil virou ofensa aos Estados Unidos com a acusação de que o governo americano está defendendo “golpe preventivo”.

O Brasil pediu o adiamento das eleições há duas semanas do pleito, e os Estados Unidos não concordaram. O governo Barack Obama nunca fez a defesa do golpismo em Honduras. De novo, uma agressão intempestiva.

Rio Branco deve estar se revirando mesmo. Nada do que a diplomacia brasileira tem feito nos últimos anos — improvisos, quebras de protocolo e decisões ideológicas — faz parte da tradição do Itamaraty.

MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA
Maílson da Nóbrega

Pré-sal, a vingança do retrocesso

"Na verdade, a guinada estatizante – que traz novos riscos
de privilégios, corrupção e desperdício – pode reduzir
as chances de melhor aproveitamento dessa riqueza"

Roberto Campos, um dos mais argutos críticos dos desatinos econômicos da Constituinte de 1988, foi membro da subcomissão que redigiu os "Princípios Gerais" do capítulo da "Ordem Econômica". Em seu livro de memórias, ele dedicou dois capítulos à derrota das ideias que lá defendeu como senador.

No primeiro deles ("O avanço do retrocesso", que inspira esta coluna), Campos fala das visões ultrapassadas que ali vingaram. No segundo ("A vitória do nacional-obscurantismo"), ele destaca a criação de novos monopólios do petróleo, a seu ver uma vitória do corporativismo da Petrobras.

Nos anos 1990, a situação mudou: o Muro de Berlim caiu, a União Soviética desapareceu e a estabilidade de preços chegou ao Brasil. Em 1997, sob novas lideranças – Fernando Henrique na Presidência e Luís Eduardo Magalhães na Câmara –, os monopólios foram extintos. O petróleo ganhou uma legislação moderna.

A nova lei abriu o setor à participação estrangeira. Adotou-se o regime de concessão – o padrão de países institucionalmente maduros – para a pesquisa e a exploração de petróleo e gás. A norma atribui o risco aos concessionários. O estado regula e arrecada royalties e participações especiais. Foi um sucesso.

Com o pré-sal e sob outras lideranças, voltamos ao viés estatizante de 1988. Nascerá o regime de partilha, que foi inventado pelas grandes do petróleo para operar em países de instituições fracas, pois assim fogem do risco de tributação confiscatória. A Petrobras será a operadora única, na prática o retorno do monopólio. O retrocesso se vingou.

Em depoimento no Senado, assinalei os riscos do regime de partilha. O estado vai gerir e comercializar o petróleo, o que pode dar margem a favorecimentos e uso político. Burocratas decidirão sobre contratação de serviços de comercialização de petróleo e gás pela União. Definirão preços de venda, porcentuais da União em cada bloco e valor do custo em óleo das empresas vencedoras das licitações. O representante da Petro-Sal nos blocos terá poder de veto. O potencial de corrupção se elevará dramaticamente.

A nova legislação concede enorme poder discricionário ao Executivo, aumentando os riscos de erros de formulação e execução. Poderão renascer políticas ultrapassadas de substituição de importações. O dirigismo sujeitará o setor a incertezas decorrentes de ciclos eleitorais e de mudanças nas regras do jogo por diferentes grupos políticos. Os burocratas poderão ser capturados por grupos de interesse.

Se levadas em conta as declarações de funcionários do governo, a mudança visaria a proteger o nosso petróleo da cobiça internacional. Ou a controlar o ritmo de exploração para dar tempo à indústria nacional de se tornar fornecedora de equipamentos mais complexos. Ou a dar o comando do processo ao estado, que saberia, melhor do que o setor privado, como usar o petróleo em prol do desenvolvimento do país. Haja delírio.

Um deles, também presente no Senado, forneceu a justificativa para o novo marco regulatório: "O petróleo é estratégico". Surpreendente. Como hoje se sabe, a fonte primária do desenvolvimento é o conhecimento. Estratégica, pois, é a educação, e não um recurso natural, por mais relevante que seja para a economia atual. Por isso Campos dizia que o petróleo não passava de "um líquido pegajoso e fedorento". A propósito, as três maiores e mais bem-sucedidas economias – Estados Unidos, Japão e China – são importadoras de petróleo.

Vista sob a perspectiva histórica, a futura extinção das reservas de petróleo não deve assustar. Serão crescentes os incentivos à busca de substitutos, como é o caso de programa proposto por Barack Obama. A energia do futuro é a limpa, e não o petróleo. Como dizia um ministro saudita do petróleo, "a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra". A do petróleo não acabará por falta de petróleo.

A propaganda do governo dá a entender que os benefícios do pré-sal virão do regime de partilha. Nada mais falso. O Brasil pode beneficiar-se da dádiva independentemente do marco regulatório. Na verdade, a guinada estatizante – que traz novos riscos de privilégios, corrupção e desperdício – pode reduzir as chances de melhor aproveitamento dessa riqueza.

DORA KRAMER

Fora de hora e de lugar

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/11/09

Durante um ano e meio um grupo de sete juristas, todos especialistas em direito administrativo, preparou a convite do Ministério do Planejamento uma proposta de reformulação e atualização das normas que regem a administração pública.

A ideia seria organizar o setor de forma abrangente, incluindo os órgãos de fiscalização e controle, mas não só eles, adaptando à realidade e aos avanços da tecnologia uma legislação cuja base é de 1967 e os detalhes uma mistura nem sempre bem ordenada de regras superpostas de acordo com o entendimento dos governos que se sucederam nesses 42 anos.

Tudo caminhava dentro dos conformes e das balizas técnicas para o exame final da proposta na Casa Civil, Advocacia-Geral da União, Corregedoria-Geral da União e Ministério do Planejamento antes do envio ao Congresso, quando o presidente Luiz Inácio da Silva contaminou o processo.

No afã de afastar da ministra Dilma Rousseff a responsabilidade pelos resultados minguados do PAC, Lula comprou uma briga com o Tribunal de Contas da União, acusando-o de extrapolar na fiscalização e atrasar as obras.

Resultado: estabeleceu-se o conflito e, na primeira passada de olhos que os ministros de TCU deram no projeto, enxergaram nele uma tentativa de retaliação. Um exemplo típico de como o debate eleitoral feito fora de hora e no lugar inadequado pode contrariar os interesses do próprio governo. Claro, os técnicos e os ministros que agora tentam amenizar o prejuízo não põem as coisas nesses termos.

Trabalham como podem. O ministro-chefe da AGU defende os órgãos de fiscalização dizendo que o presidente está mal assessorado, o ministro das Relações Institucionais corre para declarar que o controle não é “vilão” e o Ministério do Planejamento reúne os juristas autores do projeto para, no início de dezembro, explicarem a proposta aos ministros do TCU e os técnicos esclarecem.

Nada disso seria necessário se o presidente da República não confundisse o ato de governar com a missão de agitar eleitoralmente o ambiente. Mas como desfazer o malfeito? Tentando redirecionar o debate, mudando o discurso, explicando que a proposta ainda está em aberto, que são aceitas sugestões e, principalmente, que o objetivo não é subtrair prerrogativas de fiscalização, mas organizar um setor obsoleto.

Os dois pontos da discórdia são os seguintes: a instituição da fiscalização das obras depois de prontas como regra geral, à exceção de casos em que houver suspeita e, portanto, necessidade de auditorias no curso da execução; e uma alteração nos procedimentos em relação a entidades de direito privado.

O segundo item foi visto como uma tentativa de liberar os convênios de repasses de verbas da fiscalização. Segundo o secretário de gestão do Ministério do Planejamento, Marcelo Viana, os contratos e a aplicação do dinheiro continuam sob controle.

“O que muda é que os órgãos têm exigido dessas entidades procedimentos típicos do setor público, o que contraria a natureza delas e caracteriza ingerência num ente privado”, diz Viana, que ressalva a possibilidade de alterações em todos os tópicos.

“Não é ainda uma proposta de governo. É uma sugestão elaborada por um grupo de especialistas independentes para dar um novo formato à administração pública, atualizando o que pode ser atualizado, acabando com o que não faz mais sentido e inovando no que for possível.”

Pois muito bem. Sendo assim tão sóbria a questão, qual a necessidade de o presidente da República e até do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sócio de Lula nas diatribes ao TCU, azedarem com política o debate?

Perna curta

O ministro Juca Ferreira disse que jornalistas são pagos para mentir. É uma suposição.Já a mentira contada por ele – que é pago com dinheiro público – no Congresso, quando negou que o Ministério da Cultura tivesse financiado propaganda indevida de deputados, é uma constatação.

De manhã, em audiência no Senado, Juca Ferreira considerou a produção do material “um erro” e assegurou que sua pasta só havia emprestado a assinatura, sem empregar “um tostão” nele.De tarde, era desmentido em nota do ministério.

Pretexto

O governo dá sinais aqui e ali de que o presidente Lula decidirá pela não-extradição de Cesare Battisti, sob a alegação de que o italiano ainda tem um processo (por uso de passaporte falso) a responder no Brasil.

Extraoficialmente usa o argumento de que a pressão da Itália foi indevida e ofensiva. Enquanto isso solicita ao ministro Tarso Genro que dê ao mundo a graça do silêncio por um tempo. Talvez na expectativa de que os italianos esqueçam as declarações recentes do ministro da Justiça sobre o “crescimento do fascismo” naquele país.