sábado, outubro 31, 2009

JOSÉ SIMÃO

Halloween! Acorda, Serra!

FOLHA DE SÃO PAULO - 31/10/09


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Socuerro! Trabalhar em feriadão dá íngua, cobreiro, entojo, juízo incriziado e zovido estourado!
E me mate um bode! Todos para o abrigo! Hoje é HALLOWEEN! Acorda, Serra! Levanta do caixão! Pega a vassoura, Dilma. A Dilma parece uma abóbora! Só falta acender uma vela na boca! Aliás, a Dilma tá a cara da Nanny People! Dia das Bruxas! Então, chama a doutora Havanir. Que parece um fliperama desgovernado! E tem umas sapatas que todo ano comemoram o Halloween com uma festa chamada Rala-o-Hímen!
Mas tem um grupo que diz que Halloween é coisa de gringo. Brasileiro tem que comemorar o Dia do Saci. Troca o Halloween pelo Saci. Todo mundo pulando numa perna só! E pra comemorar o Dia do Saci, sabe o que o saci falou pra sacia? FICA DE TRÊS! Rarará! E abóbora com vela dentro é coisa de gringo.
Abóbora no Brasil só com carne seca. Raloim com carne seca! E todo dia o Serra levanta, vai pro espelho e o espelho grita: "Halloween de novo?". O Espelho Macabro. Chama o Collor com aquela respiração de Darth Vader! Com aqueles olhos esbugalhados. Um ovo frito estalado de cada lado! Assusta até o Monstro do Lago Ness! E aproveita o Dia do Saci pra namorar um. Namorar saci é bom porque, se ele te der um pé na bunda, quem cai é ele!
Resumindo: para ter uma festa de Halloween animada é só convidar o Serra, a Dilma, o Collor e a Ana Maria Braga vestida de Madonna! Esse foi o susto do ano! Essas coroas da Globo tão tomando o quê no café da manhã? Gardenal com sucrilhos?!
E amanhã o Rubinho entra na disputa pelo vice. Já imaginou se ele pega o segundo lugar? Na disputa pelo vice, Rubinho pega segundo. Vice do vice. VICEADO em vice. Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como disse aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.
Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha Morte ao Tucanês. Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Recife tem uma barraca que vende frutas fatiadas com a placa: "Coma no prato ou leve no saco!". Rarará! Mais direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. O Orélio do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Camelo": companheiro que tem dois buchos, um pro churrasco e outro pra cachaça! O lulês é mais fácil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo que eu não vou!.

ELIANE CANTANHÊDE

Massacre na TV

FOLHA DE S. PAULO - 31/10/09

BRASÍLIA - Daqui a um ano, em 31 de outubro de 2010, um domingo, será realizado o segundo turno da eleição presidencial -caso nenhum candidato tenha obtido pelo menos 50% mais um dos votos válidos na primeira rodada.

Com tanto tempo pela frente, é impossível e uma irresponsabilidade prever resultados. Em todas as eleições presidenciais brasileiras recentes só havia incógnitas 12 meses antes do pleito.

Feita a ressalva, vale registrar a consolidação crescente do condomínio lulo-petista a favor de Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, vai ficando emparedada a oposição com a trinca PSDB, Democratas e PPS.

No terceiro pelotão das composições eleitorais estão as candidaturas isoladas de Ciro Gomes (PSB) e de Marina Silva (PV). Hoje, Dilma teria a seu favor PT, PMDB, PDT, PR, PRB e PC do B.

Com essa configuração, a candidatura petista ao Planalto já garante 50% a mais de tempo de rádio e de TV do que o seu opositor direto, seja ele José Serra ou Aécio Neves.

O eleitor brasileiro ainda se informa de maneira geral pela TV ou rádio. A mídia impressa é para a elite. A internet permanece em fase de crescimento. Em resumo, ter mais tempo no horário eleitoral não garante vitória a ninguém. Mas é um obstáculo grande ficar sem um espaço confortável nessa janela de comunicação direta com os cidadãos.

Esse é o ponto principal a nortear toda a estratégia de alianças comandada por Lula e pelo PT.

Em eleições anteriores, sempre algum candidato presidencial teve prevalência em relação aos demais no tempo de TV. A diferença em 2010 é que a superioridade de um dos lados tende a ser avassaladora como nunca se viu.

Nas contas do PT, Dilma Rousseff terá de 60% a 70% do horário eleitoral. É um rolo compressor, embora não se saiba como a candidata de Lula usará tanto tempo assim na frente dos brasileiros.

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE

A saia da moça e a ira dos boçais

31 de outubro de 2009

Os estudantes da Uniban engolem em silêncio mensalidades abusivas, professores medíocres e o sistema de ensino que fabrica fortes candidatos ao desemprego. Só não engolem uma jovem com a saia curtíssima. Os estudantes da Uniban aceitam com mansidão bovina a corrupção institucionalizada, os impostos extorsivos, o oportunismo pelego da UNE, a roubalheira bilionária, a procissão de escândalos, a decomposição moral do Brasil. Só não conseguem controlar a indignação e domar a cólera se aparece uma jovem com as pernas à mostra.

Leiam o que escreveu meu amigo Reinaldo Azevedo, confiram o video que acompanha os textos. Está tudo lá. A idiotia é contagiosa, confirma o comportamento abjeto da multidão que toma de assalto o campus da Uniban em São Bernardo para condenar ao linchamento a aluna audaciosa e tentar executar a sentença. O que há com o Brasil que está ficando cada vez mais jeca, mais selvagem, mais caipira, mais boçal?, estaria perguntando Nelson Rodrigues.

Se aparecesse assim na faculdade em que estudei, a protagonista do espetáculo da nudez ousadamente insinuada, um quase nada perto do que se vê em qualquer praia, seria aplaudida de pé, eleita por unanimidade madrinha de todas as festas de formatura de todas as turmas, celebrada por poetas comovidos com a materialização do sonho de todos os estudantes de todos os tempos, eternizada num monumento no centro do pátio. Inspiradora de uma campanha liderada pelo centro acadêmico e apoiada também pelos ex-alunos, a jovem das coxas visíveis a olho nu acabaria tombada pelo Patrimônio Histórico.

Neste outubro de 2009, escapou por pouco da morte a pauladas. A Era da Ignorância vai tornando o país cada vez mais primitivo. Cada vez mais parecido com a gente que o governa.

MERVAL PEREIRA

Ecologia, saída ou escape?

O GLOBO - 31/10/09



No Cairo, a cidade mais poluída do mundo, o tema seria inevitável, assim como as divergências. Durante a XX Conferência da Academia da Latinidade, a questão da ecologia entrou de contrabando na discussão sobre o conflito de civilizações, ainda que como consequência do debate sobre o relacionamento dos países desenvolvidos com os emergentes

Ecoando o debate que se desenvolve dentro do governo, para a definição da proposta brasileira de redução de emissão de CO2 na reunião de Copenhague, em dezembro, houve uma acalorada discussão sobre a importância da questão ecológica na agenda dos partidos de esquerda na América Latina, a partir também do caso brasileiro, em que a dissidência verde da senadora Marina da Silva coloca em xeque a candidatura oficial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, justamente a representante da ala “desenvolvimentista” do governo na definição do compromisso brasileiro.

O seminário aconteceu durante dias em que a poluição podia ser “vista”, e não apenas sentida, com a chamada “nuvem asiática” cobrindo a cidade, responsável por doenças respiratórias e cardiovasculares que provocam a morte de cerca de cinco mil pessoas na região do Cairo todos os anos, segundo estudo atribuído ao Serviço de Toxicologia do Centro Hospitalar Universitário de Kasr el Aïni.

Formada por partículas decorrentes de várias fontes de poluição, urbana e industrial, essa nuvem é um fenômeno recorrente no Cairo nesta época do ano devido ao crescente fluxo de automóveis, grande parte deles de modelos antigos e poluidores, e à falta de normas industriais.

O nome reflete um problema que atinge megacidades asiáticas como Shangai, a segunda cidade mais poluída do mundo, segundo o Centro de Informações e Pesquisa Atmosférica de Londres, Dhaka (Bangladesh), e Karachi (Paquistão).

Regiões metropolitanas com população superior a 10 milhões — a grande Cairo tem hoje cerca de 18 milhões de habitantes — passaram de apenas três em 1975 para cerca de 20 hoje.

O sociólogo Candido Mendes, secretário-geral da Academia da Latinidade, começou sua crítica à atuação da esquerda pelo governo de Hugo Chávez na Venezuela, que classificou como um ditador que tenta controlar os demais poderes e a imprensa para impor sua vontade.

Candido Mendes criticou o estímulo à delação instituído pelo governo de Chávez, e classificou o modelo chavista como uma esquerda ultrapassada.

Ele já havia chamado a atenção, em sua palestra, para o perigo de “paradas sutis” e até mesmo regressões no processo democrático com o “conflito crescente entre a democracia representativa e a plebiscitária”.

No entanto, assumiu também a crítica à ecologia, como sendo uma fuga de certa parte da esquerda, que teria transformado o tema em um fetiche, sem levar em conta a necessidade de desenvolvimento dos países emergentes.

Para Candido Mendes, não há dados cientificamente comprovados em que se basear para a definição de políticas que entravem o desenvolvimento de países como o Brasil, que precisam crescer economicamente e produzir empregos.

As contestações partiram de um uruguaio radicado no Brasil, Enrique Larreta, que preside o Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, e do venezuelano radicado nos Estados Unidos Fernando Coromil, professor de antropologia, presidente do Centro de Graduação da City University de Nova York.

Larreta, que está fazendo pesquisas sobre o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e tem passado períodos na China, relatou os avanços chineses nesse setor, demonstrando que não é incompatível com o crescimento econômico a preocupação com a ecologia, e Coronil, a partir da experiência venezuelana, chamou a atenção para a falta de entendimento da esquerda latinoamericana do que seja a preocupação com a preservação da natureza.

Para ele, a ecologia deveria ser um tema importante para a esquerda da América Latina, mas lamenta que seja um tema importante apenas para grupos minoritários.

“Há grupos que têm uma visão puramente econômica da ecologia, e não a vinculam com o social e o político”, analisa Coronil, para quem o que mais preocupa é que esse não seja um tema para governos progressistas, “ou que se dizem progressistas”, e que “as ações” não sejam “coerentes com as proclamações”.

Coronil diz que a visão deveria ser “não apenas de proteger a natureza, mas de proteger a sociedade dos danos à natureza. Se trata de relacionar o ecológico com o social”, esclarece, na mesma linha de melhorar o nível de bem-estar da população.

Dada a situação da economia, Coronil avalia, quase todos os governos sentem a necessidade de promover o desenvolvimento econômico para resolver problemas sociais. “A vantagem comparativa que a América Latina tem sobre os demais países emergentes como a China não é a mão de obra barata, mas os recursos naturais”, mas os governos, mesmo que tenham boa vontade, “acabam promovendo políticas econômicas que de alguma forma ficam dependentes desses produtos, seja gás, petróleo, cobre, ou os agrícolas”.

Coronil defende que o dinheiro desses recursos naturais, especialmente no caso do petróleo em abundância na Venezuela e no Brasil, deveria ser investido na modernização das políticas energéticas, com a integração dos setores produtivos.

Mas, na sua análise, uma “lógica per versa” acaba aprofundando os danos ecológicos.

Para Fernando Coronil, “o petróleo é um caso típico”.

Ele escreveu um livro, “O Estado Mágico”, em 1997 onde relata os equívocos que foram cometidos devido à abundância do petróleo em seu país.

(Amanhã, o gato verde chinês)

MÍRIAM LEITÃO

Sinais de Honduras

O GLOBO - 31/10/09


O acordo em Honduras ainda precisa enfrentar o teste da verdade: a volta de Zelaya ao governo e o respeito dele aos compromissos. Ele não é o vencedor; teve que desistir do ponto do conflito, a consulta popular sobre reeleição do presidente. Mas Micheletti é o derrotado. Os EUA inauguram uma nova era na relação com a América Latina. O uso político de nossa embaixada foi um erro.

Honduras é um caso emblemático por vários motivos.

Mostrou a reação mundial contra um golpe de estado na AL. Exibiu a nova face da diplomacia americana.

Explicitou mais um caso de tentativa de mudanças das regras do governante no poder. Estará tudo bem, se terminar tudo bem: com a volta de Manuel Zelaya para concluir seu mandato, com a submissão dele à Constituição do país, com eleições livres e alternância de poder.

O enviado especial do Departamento de Estado americano para resolver o problema, Thomas Shannon, fala português e espanhol e conhece a região. Sua ação, ao contrário de outros tempos, foi para restabelecer a ordem democrática e não para apoiar os golpistas. A ação firme americana em nada lembra o triste período em que os Estados Unidos patrocinaram ditaduras na América Latina.

Se tudo acabar bem, e tomara que sim, nem por isso estará legitimada a atabalhoada ação do Brasil. A diplomacia brasileira fez certo em ser tão irredutível a favor do presidente eleito.

Se foi mesmo apanhada de surpresa com a “materialização” do presidente deposto, em frente à embaixada, tinha sim que o abrigá-lo, do contrário, ele estaria com a vida em risco, naquele momento de radicalização. Mas nada justifica o uso da embaixada como centro de agitação política. Negociar de lá com os governantes está correto; promover manifestações, fazer os discursos que fez, e falar até em morte a partir da embaixada brasileira é inaceitável. E sempre será. O fim não legitima o que foi feito no meio desse processo.

Desde o dia 24 de março, quando Manuel Zelaya convocou — para junho — um referendo sobre a reforma constitucional que poderia levar a um novo mandato para ele, Honduras começou a seguir o caminho que poderia levar a um novo caso de chavismo na região. A consulta, como todos já sabem a essa altura, era inconstitucional.

O Supremo não autorizou.

O Congresso ficou contra. O general Romeo Vasquez se recusou a cumprir a ordem de levar adiante a execução do plebiscito e foi preso por Zelaya.

Nada disso torna aceitável o que aconteceu na madrugada de 28 de junho, quando soldados entraram na casa do presidente e o mandaram de pijamas para a Costa Rica. Fala-se muito do pijama, mas mesmo que estivesse em seu melhor terno — e chapéu — seria golpe despachar um presidente para outro país.

Já no dia 30 de junho, a Assembléia Geral da ONU pediu aos seus 192 membros que só reconhecessem o governo de Zelaya. No dia primeiro de julho, a OEA deu 72 horas para o governo interino devolver o poder a Zelaya. Não foi atendida.

Mas o que ficou claro foi que as instituições multilaterais não estavam mais dispostas a conviver com ditaduras feitas à velha moda na América Latina. Falta agora saber como a OEA reage às novas ditaduras.

O método chavista é o de implodir a democracia — atuar por dentro, corroer as instituições, revestir tudo com um discurso supostamente progressista, dizer que fala em nome dos pobres, atacar a imprensa e disseminar o conflito interno.

Contra a morte lenta da democracia, mascarada com a manutenção do ritual das eleições periódicas, os organismos multilaterais não sabem o que fazer. O final de tudo isso não será bonito. Isso ficou mais claro depois da decisão de armar as milícias.

Ontem, ao defender o terceiro mandato para o presidente Lula, Chávez fez uma pergunta: por que um presidente popular tem que sair do governo? Ora, porque a democracia pressupõe alternância de poder.

Ele não entende isso. Lula entende, tanto que não levou adiante as tentativas de mais um mandato. Mas o presidente brasileiro frequentemente repete gestos e palavras de Chávez, coisa que deveria evitar. Na quintafeira mesmo, em São Paulo, numa cerimônia com três mil catadores de lixo, Lula criticou a imprensa, falando diretamente aos jornalistas, que foram vaiados pelos presentes. Esta é uma típica cena venezuelana que ele deveria evitar. Lá terminou mal.

A volta de Zelaya terá que passar pelo Congresso e pelo Supremo, exatamente os poderes que ele subestimou no episódio que levou ao conflito institucional. Essa volta não será simples, mas de qualquer maneira, o grande derrotado foi Roberto Micheletti.

Ele era presidente do Congresso, assumiu um governo que foi reconhecido por apenas meia dúzia de governos ao redor do mundo, enfrentou uma unanimidade contra no continente, tentou provar que o que comandara não era golpe, mas acabou tendo que ceder e negociar.

O país de pouco mais de sete milhões de habitantes mobilizou todo o continente e continuará prendendo a atenção. As eleições estão marcadas para daqui a menos de um mês, e, se voltar ao poder, Zelaya terá que deixar a presidência em 29 de janeiro do ano que vem.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA
Roberto Pompeu de Toledo

Woody Allen no Rio

"Para impressionar a namorada e mostrar-lhe que podia
agir como um bravo, ele decide subir ao Morro dos Macacos
para enfrentar o temido FB. Foi então que…"

Há uma campanha para que Woody Allen escolha o Rio de Janeiro como locação para um de seus próximos filmes. O que não falta são assuntos para a história. Woody sai do supermercado com o carrinho cheio e começa a descarregar a mercadoria no porta-malas do carro. Tira as verduras, a carne, o azeite e, quando enfim tira o sabão em pó – surpresa! –, aparece um cadáver no fundo do carrinho. "Quem disse que estávamos precisando disso?", reclama sua namorada (Diane Keaton). "Você nunca presta atenção na lista de compras." Segue-se uma tortuosa discussão, como em Annie Hall.

O filme também pode começar num consultório de psicanalista. Woody, no divã, diz à doutora (Mia Farrow, reconciliada com o ex-marido em razão do excitante projeto de filmar no Rio) que, não bastasse o abalo que sofreu em Nova York com o caso das torres gêmeas, agora vem ao Rio e assiste à cena de um helicóptero abatido no ar. "Eu levo a desgraça para onde vou", afirma. A psicanalista, como em Zelig, intriga-se com aquele caso peculiar. Estava diante de um Zelig ao contrário: em vez do homem camaleão, que ficava igual às pessoas que tinha em volta, eram as coisas que ficavam iguais por onde ele andava. E não adiantava dizer ao paciente que Nova York conhecera um episódio único, enquanto o Rio sofria de um desfile continuado de balas perdidas, policiais ladrões, gente torrada em "micro-ondas".

Em uma terceira possível história, o fraco e indeciso Woody, querendo mostrar à namorada (Scarlett Johansson), como em Bananas, que pode virar um bravo, decide subir ao Morro dos Macacos para caçar o temido FB. Segue-se que se revela tão audaz que acaba aclamado como o novo chefe do tráfico e então… Nenhum dos entrechos está à altura de fazer pelo Rio o que os filmes de Allen já fizeram por Londres e Barcelona, sem falar de Nova York – a câmera demorando-se nos encantos dessas cidades e no melhor que podem oferecer? Calma, apressado leitor. Ainda não chegamos ao fim. Intervalo para comprar pipoca.

***

O melhor da escolha do Rio para sediar a Olimpíada de 2016 é ter oferecido à cidade um prazo. O Rio precisa de prazos. O Brasil precisa de prazos. O pior que pode acontecer é a cidade recair nos modelos da Rio 92 e dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Nos dois casos, armou-se uma cidade Potenkim para recepcionar os visitantes. Potenkim, para quem não sabe, era o ministro que antes da viagem da rainha Catarina da Rússia à Crimeia mandou armar cenários pelas aldeias por onde ela passaria, de modo a impressioná-la com a beleza e a prosperidade da nova conquista de seu império. É fácil armar um esquema policial-militar que garanta a tranquilidade por três semanas, mas é também uma vergonha. É contemplar os estrangeiros com uma fantasia e os nativos, condenados à volta da rotina selvagem assim que o evento termina, com um desaforo.

O prazo que o Rio ganhou é estreito a ponto de exigir ação imediata, mas largo o suficiente para o cumprimento dos objetivos. Um inimigo é a retórica, que tão brasileiramente considera que um problema está sendo enfrentado tão logo se começa a fazer discurso dizendo que está sendo enfrentado. Outro é a condescendência, tanto das autoridades quanto de eminentes cariocas, quando se refugiam no argumento de que outras cidades conhecem tanta ou mais violência, ou de que só partes da cidade são afetadas.

***

Woody não é na verdade o novo chefe do tráfico; só finge sê-lo. De dentro, empreende o trabalho de desmantelar a quadrilha. Alia-se ao governador Sérgio Cabral e também tem papel decisivo na denúncia e desestruturação da corrupção policial. Aqui a história se interrompe e aparece o aviso: "Sete anos depois…". Sete anos depois, ei-lo de volta ao Rio para a Olimpíada. A cidade não está apenas tranquila. Também se civilizou. Ninguém estaciona nas calçadas e respeitam-se as faixas de pedestres. Woody confessa que, como o diretor cego de Dirigindo no Escuro, que simulava construir cenas que na verdade lhe eram sopradas, não teve nenhum papel na regeneração da cidade. Foi tudo obra de brasileiros, enfim honestos, sérios e devotados com vigor a uma causa. Em seus filmes, Woody Allen frequentemente faz a mocinha ficar com ele no final. Neste, ele conhece uma turista espanhola (Penélope Cruz) e o resto da história é a câmera mostrando o casal a beijar-se no alto do Corcovado, a discutir a relação enquanto caminha no calçadão de Ipanema, a confessar suas inseguranças enquanto circunda de bicicleta a Lagoa Rodrigo de Freitas, e não se sabe o que mais admirar – se os personagens, os diálogos ou a cidade. The end.

OPNIÃO

Mais múltis brasileiras


O ESTADO DE SÃO PAULO - 31/10/09

O Ministério do Desenvolvimento prometeu lançar, em dezembro, um programa para estimular a internacionalização da economia brasileira, segundo informou o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral. Seria a primeira iniciativa concreta do governo para buscar o equilíbrio entre os ingressos e as saídas de capital, reduzindo o fluxo líquido de dólares para o País, após a decisão do Ministério da Fazenda ? com efeitos pífios, até o momento ? de impor a cobrança do IOF de 2% sobre as entradas de dólares na Bolsa e na renda fixa.

Estimular a internacionalização significa ampliar o número das companhias multinacionais com sede no Brasil ? caso de empresas privadas como Vale, Embraer, Gerdau, Votorantim, Aracruz, Marcopolo ou Weg, entre outras, e a estatal Petrobrás. Proporcionalmente às dimensões da economia brasileira, esse número ainda é pequeno.

Com a desvalorização do dólar de cerca de 25%, até agora, neste ano, em relação ao real, investir no exterior tornou-se mais barato para as companhias que faturam em reais. Mesmo assim, a evolução desses investimentos é lenta e declinante, segundo os dados do Banco Central: de US$ 11,9 bilhões, nos primeiros nove meses de 2008, caiu para menos da metade, US$ 5,8 bilhões, no mesmo período de 2009. Na indústria, os investimentos diretos do Brasil no exterior foram de US$ 7,6 bilhões, em 2008, e, neste ano, até setembro, limitaram-se a US$ 1,6 bilhão.

Medidas tributárias, legislativas e administrativas estão sendo elaboradas pelos Ministérios do Desenvolvimento, da Fazenda, o Itamaraty e o Banco Central, para entrar em vigor no ano que vem, com vistas a estimular a política de internacionalização, explicou Barral.

Nas negociações comerciais bilaterais, o Itamaraty passaria a incluir mecanismos capazes de estimular os investimentos brasileiros no exterior. E o Ministério do Desenvolvimento proporá um novo regulamento sobre a atuação das trading companies, pois a legislação, da década de 70, está ultrapassada.

Mas o governo terá de definir uma política bem estruturada e de longo prazo para o setor externo ? o que, até agora, não tem demonstrado capacidade de fazer.

Barral argumentou, sexta-feira, que o câmbio ficou mais estável em todos os momentos em que se elevaram os investimentos das empresas brasileiras no exterior. De fato, em 2006, quando a Vale investiu US$ 13,2 bilhões na compra da mineradora Inco, do Canadá, a desvalorização do dólar em relação ao real foi de apenas 8,6%. Mas o presidente Lula quer que a Vale invista mais no Brasil e menos no exterior, sem levar em conta o impacto no mercado cambial.

O Brasil não inova ao estimular a internacionalização da economia, pois esta é a política de países como a China e a Índia. No passado, também foi a política de países industrializados, como o Japão, que, por exemplo, investiu pesadamente em montadoras nos Estados Unidos. Esses países se tornaram altamente superavitários ? e o aumento dos investimentos diretos no exterior foi a maneira encontrada para evitar uma desvalorização excessiva do dólar, que pusesse em risco a exportação.

O Brasil atrai volume crescente de investimentos diretos, que passaram de US$ 15,1 bilhões, em 2005, para US$ 18,8 bilhões, em 2006; US$ 34,6 bilhões, em 2007; e US$ 45,1 bilhões, em 2008, cedendo com a crise, neste ano. Os recursos contribuíram para manter em níveis baixos o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos.

Desde 2007, o ingresso de dólares é muito maior do que a saída de cambiais. As reservas passaram de US$ 85,8 bilhões, em dezembro de 2006, para US$ 180,3 bilhões, em 2007, e chegaram a US$ 233,2 bilhões há uma semana.

Este ainda é um fenômeno relativamente novo na economia, habituada a déficits recorrentes do balanço de pagamentos. Agora, acreditam especialistas, a perspectiva é de o superávit cambial continuar por longo tempo ? o que recomenda a adoção de políticas de estabilização da taxa cambial.

Mas todo o governo precisará estar convencido de que a internacionalização da economia brasileira é o melhor caminho.

DIRETO DA FONTE

Ela vai sair

Sonia Racy

O ESTADO DE SÃO PAULO - 31/10/09


Perdeu quem apostou que Heitor Martins não conseguiria arrecadar recursos para montar a Bienal de 2010. O presidente da instituição acaba de marcar um gol de placa: o Itaú-Unibanco decidiu entrar na empreitada com R$ 8,25 milhões. Serão R$ 7,5 milhões via Lei Rouanet e R$ 750 mil do próprio bolso.
Outros R$ 6 milhões, de várias empresas, estão apalavrados, dependendo de aprovação pela Lei Rouanet. E o Ministério da Cultura garantiu mais R$ 4 milhões, parte dos recursos necessários para a reforma do prédio.
Ao que tudo indica, expande-se o time dos que entendem a importância da mostra.

Vai dar sapinho
O SBT prepara novo reality show. Ainda sem nome em português, o formato de "Dating in the Dark" foi comprado nos EUA.
A ideia é simples: três homens e três mulheres se encontram numa sala escura. Depois de muita conversa e alguns beijos, a luz é acesa. E os "casais" então decidem, olho no olho, se continuam juntos.

Mantega para a Educação
Ao entrar esta semana no Bar Astor, na Vila Madalena, Guido Mantega ouviu um "colocou 2% de IOF e não adiantou nada". Solícito, o ministro deu meia volta e deu explicações sobre a medida cambial ao freguês, que não conhecia. "Coloque 5% que resolve", mandou o fazendeiro.
Bem humorado, Mantega, elegantemente, retrucou: "Vou colocar sim e dizer que foi você que mandou."

De quem entende
Para o analista de pesquisas eleitorais Antônio Lavareda, o melhor que o PSDB tem a fazer é escolher seu candidato à presidência antes do réveillon. Este réveillon, bem entendido.

Sem agenda
Marco Aurélio Garcia não volta nada feliz de Caracas.
Aterrissou por lá na terça para preparar diretamente, com Chávez, a visita de Lula.
Esperou três dias e acabou falando mesmo foi com o chanceler Nicolás Maduro.

Flores de papel
Não é por acaso que Lenine assina o prefácio do texto de Sylvia Amélia de Orleans e Bragança. O músico é apaixonado por orquídeas, tema da aquarelista.
A autora lança quinta, na Livraria da Vila do Cidade Jardim, livro inspirado nas orquídeas da fazenda da família em Itaipava, no Rio.

Back to the past
Falando em Caracas, Índia Potira, ex-chacrete, foi a sensação na abertura do novo consulado brasileiro por lá. É que a moça dá aulas de dança na capital venezuelana.

El verde chileno
Marina Silva é sucesso... no Chile. Marco Enríquez-Ominami, candidato à presidência, fez elogios à moça esta semana, em Santiago.

Sem trocadilho
A carreira do humorista Zina, do Pânico, passou por um upgrade depois de ele ser pego com drogas. Está escalado pela TV para ser a estrela de amanhã.

direto de curitiba
Alguns dias depois de relacionar o câncer de mama "ao pessoal que faz a parada gay", Requião aceitou explicar-se, num discurso, anteontem, na Assembleia. "O Guilherme Afif, aqui presente, me aconselhou a dizer que estou com um problema no seio do meu governo..."
A gargalhada foi geral.

Cara Nova
Paula Velloso

A artista plástica não demorou muito para descobrir o gosto e a habilidade de criar bijuterias. Desde criança, achava graça em se perder pelas lojas da Rua 25 de Março garimpando objetos e pedrinhas diferentes. Hoje, depois de vender suas criações em varios lugares, comemora a inauguração de seu canto próprio, no coração dos Jardins. A loja, que leva seu nome, apresenta peças com estilo lúdico e vintage. "Acredito que bijuteria não tem que ser pesada. Pode agregar a mesma leveza de uma jóia", reflete.


Na Frente

Depois do PSDB e PT, agora é a vez de o PMDB reformular seu portal. Lançamento hoje.

Sem presença confirmada de Lula ou Dilma, Geraldo Azevedo - autor do Projeto Salve São Francisco - faz show hoje no HSBC.

Não vai mais acontecer dia 12, no Via Funchal, o show de La Toya Jackson. A apresentação ainda não tem nova data.

Yu Lik-Wai chegou ao Brasil para participar da pré-estreia de seu longa, Plastic City. Hoje, na Cinemateca.

Trabalhos do Programa Monumenta estarão, a partir de hoje, na 8ª Bienal Internacional de Arquitetura, no Ibirapuera.

Fábio Jr. escolheu um clássico de Norah Jones para fazer parte de seu novo CD, Don''t Know Why, que, na versão tupiniquim, ganhou título de... Amar é Perdoar.

Giovanni Rivetti embarca para Buenos Aires segunda. Representa o Brasil no júri do Festival Internacional El Ojo - de Publicidade Latino-Americana.

A cobrança de IOF sobre recursos estrangeiros ganhou nova denominação no mercado financeiro: Ir Operar Fora.

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
O vestido rosa-choque que parou uma universidade
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

Um microvestido rosa-choque que deixava entrever a calcinha parou uma universidade paulista na quinta-feira dia 22 de outubro. A excitação causada por uma estudante de turismo de 20 anos, ao subir a rampa, incendiou o campus: cerca de 700 alunos e alunas ficaram histéricos a ponto de o coordenador do curso pedir a Geise que fosse embora, com um jaleco branco cobrindo seu corpo. A PM a escoltou e usou spray de pimenta para afastar a multidão ensandecida que a xingava de “p...”, “p...”.

As imagens, gravadas por celulares dos alunos, foram parar no YouTube na quarta-feira dia 28. O vídeo provoca constrangimento pela violência e pela hipocrisia. A turba ignara de universitários é a mesma que baba ao dar chibatadas em adúlteras nos estádios em países muçulmanos fundamentalistas.

A estudante pivô das cenas dantescas, incompatíveis com uma universidade que deveria ser um centro de tolerância, se apresenta no Orkut como “Michele” ou “Loirão”. Mora com os pais, um irmão e duas irmãs em Diadema, na Grande São Paulo. Estuda à noite. Está no 1o ano. No dia do tumulto, chegou à Universidade Bandeirante, campus de São Bernardo, depois de uma hora de ônibus. O pai, supervisor de serviços, paga a faculdade: R$ 310 por mês. A mãe é dona de casa.

Dias depois do tumulto, começou a circular na faculdade um rumor forte. Segundo colegas, a estudante, nas horas vagas, trabalharia como prostituta ou atriz pornô. Seria uma das estrelas conhecida como Babalu Brasileirinha, bissexual e bilíngue, disponível 24 horas por dia. A “Michelle” do site (mesmo nome divulgado pela estudante em seu blog pessoal) tem 1,69 metro de altura, 58 quilos, 90 centímetros de busto e 96 centímetros de quadris. Ela anuncia seus serviços em siglas inglesas intraduzíveis numa revista familiar de notícias.

Acessei o site e assisti aos vídeos. Eles são hard. Os olhos, o nariz e a boca se parecem muito com os da estudante. Mas pode ser uma sósia. A história de que a estudante seria prostituta foi encampada em comentários na internet recebidos por epoca.com.br. Uma assessora da faculdade comentou comigo ao telefone que “tudo isso está parecendo uma promoção pessoal”. Se estiverem difamando Geise, ela terá sofrido um duplo ataque.

As imagens da humilhação pública da estudante foram
parar no YouTube. Nada justifica os ataques de ódio

Mesmo que fosse de fato uma atriz pornô, isso não serviria de atenuante para os atos de covardia e preconceito ocorridos na Uniban. Seus colegas disseram que ela não vestia trajes apropriados para uma universidade. Hoje, é impossível definir “traje apropriado” para universitários. Na PUC – universidade católica – do Rio de Janeiro, moças andam de shortinho, microssaia, top com ou sem sutiã, rapazes desfilam de bermuda, camisa regata, sandálias havaianas. Tem muito corpo de fora nas universidades e isso nunca foi motivo para ataques de ódio.

Sabe-se que garotas de programa estão “infiltradas” em diversos estabelecimentos acima de qualquer suspeita. O que determina a explosão de intolerância? A grife do vestuário? A cor? Rosa-choque é brega? Os alunos disseram que a moça rebolava. É proibido rebolar?

Digamos que Geise fosse ousada demais. Se a loura com maquiagem de noite e unhas vermelhas chocasse seus colegas pela aparência, uma reclamação formal na diretoria pedindo discrição talvez fosse suficiente. Mesmo assim, muito estranha num país que cultua a nudez e se diz liberal.

Inaceitável foi o motim moralista que fez a faculdade parecer o presídio do Carandiru. Em catarse coletiva, centenas de jovens brandindo celulares urravam nas rampas, pulavam muros, gargalhavam, jogavam papel higiênico no pátio central. Sem a PM, Geise corria risco de ser linchada fisicamente.

Os agressores – que espalham que a estudante seria atriz pornô – devem ser os mesmos que visitam sites adultos e se valem dos serviços de prostitutas. Só não as querem jamais sentadas na carteira ao lado.

A estudante ficará traumatizada? Ou célebre e rica? Geise pode ganhar indenização, escrever um livro, posar para aPlayboy e inspirar um filme. Esta é a vida como ela é.

DIOGO MAINARDI

REVISTA VEJA
Diogo Mainardi

Manual de sabotagem

"Com o único propósito de sabotar o PT, amolei um monte
de gente para tentar descobrir se José Serra e Aécio Neves
podem se tornar companheiros de chapa em 2010.
A probabilidade de um acordo entre os dois é muito
maior do que parece"

Eu tento sabotar o PT. Como é que se sabota o PT? Atualmente, só há um jeito: unindo José Serra e Aécio Neves, em 2010.

Sem Aécio Neves, José Serra perde. Sem José Serra, Aécio Neves perde. Eles sabem disso. O PT sabe disso. Aécio Neves pode até ser o melhor candidato presidencial. Mas o PSDB acabará apoiando a candidatura de José Serra, porque ele lidera – e lidera folgadamente – em todas as pesquisas eleitorais.

Com o único propósito de sabotar o PT – e de sabotar Lula, Dilma Rousseff, Franklin Martins –, amolei um monte de gente para tentar descobrir se José Serra e Aécio Neves realmente podem se tornar companheiros de chapa em 2010. O primeiro como candidato a presidente e o segundo como candidato a vice-presidente. Publicamente, eles negam essa possibilidade. José Serra diz que a disputa presidencial ainda está longe. E Aécio Neves responde que, se o PSDB escolher José Serra, ele pretende se candidatar ao Senado.

Mas a probabilidade de um acordo entre os dois é muito maior do que parece. Na última semana, o marqueteiro de José Serra e o marqueteiro de Aécio Neves se reuniram e trataram abertamente do assunto. Eu só soube disso – repito – porque amolei um monte de gente. O marqueteiro de José Serra fez um cálculo simples: para eleger seu candidato ao Palácio do Planalto, ele tem de ganhar em Minas Gerais. Se Aécio Neves se candidatar a vice-presidente, José Serra ganhará disparado. Se, por outro lado, Aécio Neves concorrer ao Senado, desinteressando-se da campanha presidencial, ganhará em Minas Gerais o candidato apoiado por Lula.

Aécio Neves tem de fazer um cálculo um tantinho mais complicado. O Senado oferece-lhe um caminho perfeitamente seguro. Mas, se José Serra acabar perdendo de Dilma Rous-seff, ele poderá ser responsabilizado pela derrota. Para alguém como Aécio Neves, cujo maior atributo político é ser um aglutinador, nada pior do que rachar o próprio partido. Se Aécio Neves tomar o caminho oposto e aceitar ser companheiro de chapa de José Serra, sabotando os planos do PT, ele só terá a ganhar. Em primeiro lugar, porque isso garantirá o triunfo eleitoral de José Serra. Ele será o Lula do PSDB. Em segundo lugar, porque ele poderá ocupar, além do Palácio do Jaburu, um grande ministério da área social, cacifando sua candidatura presidencial em 2014, contra Lula, ou em 2018, contra o que restar do PT, se é que ainda restará algo.

Pronto: sabotei o PT. Agora só falta o PSDB sabotar o PSDB.

CLÓVIS ROSSI

Brasil fez tudo o que podia; era pouco

FOLHA DE SÃO PAULO - 31/10/09


A curta e asséptica nota com que o Itamaraty anuncia a sua "satisfação" com o acordo alcançado em Honduras diz bem do pouco que o país fez ou podia fazer na crise.
A rigor, a única atividade brasileira no imbróglio foi passiva: deixar que sua embaixada em Tegucigalpa servisse de residência para o presidente deposto Manuel Zelaya.
Tudo o mais foi, digamos, apertar o "enter" de um programa que todo o mundo, literalmente, utilizou: condenar o golpe, primeiro; exigir a volta de Zelaya; apoiar as gestões negociadoras, impor sanções ao governo golpista. Pode ser muito ou pouco, conforme o ponto de vista de cada qual, mas foi claramente insuficiente para resolver a situação, o que só acabou acontecendo quando os Estados Unidos chamaram golpista e golpeado às falas.
É justo, no entanto, reconhecer que, desde os primeiros dias, o chanceler Celso Amorim e o próprio presidente Lula haviam dito que só os Estados Unidos tinham bala suficiente na agulha para desatar o nó.
O que equivale a reconhecer indiretamente que ao menos àquela parte das Américas não chega a liderança brasileira.
Tampouco chega a venezuelana. Hugo Chávez chegou a ameaçar "quebrar" os golpistas, na sua retórica sempre colorida e incendiária. Não quebrou nem tinha cacife para fazê-lo.
Aliás, o "bolivarianismo" é o principal perdedor da crise toda. O objetivo dos golpistas sempre foi o de impedir a permanência no poder de um presidente nascido das costelas do conservadorismo hondurenho e, de repente, "bolivarianizado". Impediram por quatro meses, bloquearam qualquer hipótese de reeleição e parece altamente improvável que surja um herdeiro de Zelaya para vestir, com alguma força, a camisa vermelha dessa corrente.
Pelo menos nas eleições de novembro, que, em tese, zerarão a crise de uma vez, não há um candidato que possa representar o incipiente "zelaysmo". O presidente, de resto, já havia perdido as eleições internas em seu partido.
Diante da resistência de uma fatia importante dos fatores de poder em Honduras ao "bolivarianismo", o razoável é supor que o presidente que venha a se eleger em novembro será no mínimo cauteloso. Até porque todo o mundo viu que o sétimo de cavalaria que desfez o cerco aos supostos mocinhos não vestia vermelho, mas a velha bandeira das listas e estrelas, sempre presente nessa parte do mundo.

PAINEL DA FOLHA

No rebote

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 31/10/09

Tão logo o PP deixou o jantar com Dilma Rousseff menos atado à candidata petista do que os partidos anteriormente chamados para conversar, o PSDB se apressou em marcar encontro com o presidente da sigla, Francisco Dornelles. Será na próxima semana, e FHC estará presente. Para evitar atrito com o Planalto, o senador minimiza a importância do evento: "Falo com Fernando Henrique de dois em dois meses".
Embora o governo contabilize mais gente do PP dentro do que fora do barco, os tucanos esperam que os cenários estaduais inviabilizem aliança formal, e com isso a perspectiva de Dilma engordar ainda mais um tempo de televisão que já se desenha robusto.




Deixa estar. De um petista diretamente envolvido nas articulações da candidatura de Dilma, sobre a resistência do PP: "Não tem problema. Eles vêm no segundo turno".

Pré-requisito. De acordo com um cardeal do PP, o Planalto terá mesmo de esperar: "Não há hipótese de decidirmos nada antes de ficar claro o que o PSDB vai fazer".

Novo status. Recém-filiado ao PT, o chanceler Celso Amorim encontrou uma nova maneira de saudar Lula em discurso na Venezuela. Começou com "excelentíssimo presidente" e emendou: "já que me filiei, posso dizer agora também "companheiro'".

Louca escapada. Na direção, com Lula de copiloto, Hugo Chávez "deu um perdido" no restante da comitiva ao mudar a rota previamente combinada para dar um giro pela cidade de El Tigre ontem.

Discoteca. A ex-chacrete Índia Potira foi conferir a inauguração do novo consulado do Brasil em Caracas, na presença de Lula e Chávez. Simone na vida real, mora desde 1976 na capital venezuelana, onde dá aulas de dança.

Antenas. Apresentado a pedido da CUT, o projeto que chegou na semana passada à Câmara criando o "horário sindical gratuito" em TV e rádio, de autoria de Vicentinho (PT-SP), encontrou um idêntico, de Manuela D'Ávila (PC do B-RS). Serão anexados.

Ganhou o lugar. Apontado como principal interessado na mudança de comando na Fundação Real Grandeza, fundo de pensão dos funcionários de Furnas, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) estava ontem em Portugal, para onde providencialmente viajou no exato dia em que conseguiu alcançar seu intento.

Emergência 1. O governador Sérgio Cabral (PMDB) convocou a bancada do Rio para discutir em pleno feriado a redistribuição dos royalties proposta por Henrique Alves (PMDB-RN), que contrariou os Estados produtores.

Emergência 2. Na bancada, há quem defenda que a pressão contra a proposta não seja feita sobre o relator, e sim diretamente sobre Lula.

Passe de mágica. Por ora, a maior preocupação do governo é a de que, no Senado, a fatia da União nos royalties encolha ainda mais.

Respiro. Depois de passar o ano acumulando quedas, os repasses do FPM aumentaram 2,9% no fechamento de outubro, em comparação ao mesmo período de 2008. A Confederação Nacional dos Municípios alega que não se trata propriamente de uma recuperação do fundo, mas sim de repasses extras da Secretaria do Tesouro Nacional.

Semeadura. O PV começa amanhã uma rodada de encontros regionais à procura de palanques para Marina Silva (AC) na eleição do ano que vem. Busca também nomes para disputar vagas na Câmara. Cinco Estados foram selecionados para os próximos finais de semana: Minas Gerais, Mato Grosso, Pernambuco, Santa Catarina e Pará.

com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER

Tiroteio

Ela deve ter ido à Venezuela buscar votos. Ou no mínimo uma obra do PAC.

De JOSÉ AGRIPINO (RN), líder do DEM no Senado, indagando o motivo da presença da ministra Dilma Rousseff na comitiva que acompanhou Lula na visita a Hugo Chávez.

Contraponto

Feitos um para o outro Terça-feira, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Régis de Oliveira (PSC-SP) surpreendeu o governo ao apresentar requerimento convocando toda a cúpula da Petrobras para uma audiência pública sobre o pré-sal.
José Genonio (PT-SP) imediatamente reagiu. Aquilo não fazia sentido, argumentou, já que o tema está sob o exame de comissões especialmente criadas para tanto. O petista foi socorrido por Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), que apresentou uma solução de compromisso.
Um deputado da oposição então provocou:
-O PMDB achou uma saída honrosa para o Genoino.
Ao que este rebateu:
-É por isso que gosto deste casamento com o PMDB!

MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA
Maílson da Nóbrega

O estado voltou?

"Na economia real, nada mudará. É fato que nos países ricos
a crise tornou o estado sócio de empresas e bancos, mas depois
do temporal a participação reverterá ao setor privado"

Estudos mais recentes sobre as causas da crise financeira começam a desmentir diagnósticos apressados feitos no calor da turbulência. Perde sustentação, por exemplo, a tese que atribui sua origem à desregulação.

Destino semelhante deverá ter a tese que culpa a influência das ideias liberais e daí um suposto endeusamento do mercado. Um fantasma, o "estado mínimo", povoa a mente dos que sonham retomar a intervenção estatal do passado.

É o que diz o coordenador da campanha presidencial de Dilma Rousseff, para quem o estado teria voltado. "Ele aparece como a única resposta confiável à irracionalidade econômica para a qual foi conduzida a humanidade pelos mercados." Que exagero!

Não ficou por aí. "As advertências sobre o papel que o estado assumirá na economia a partir de agora não podem servir de biombo para um constrangido conservadorismo que não quer admitir suas responsabilidades na construção da desordem mundial em que se encontra hoje mergulhada a humanidade." Que equívoco!

É verdade que o "estado mínimo" foi defendido, mas por libertários que desprezam o seu papel no capitalismo contemporâneo, como o de regular certas atividades e defender a concorrência. No outro lado também há radicais, como os que ainda pregam o falido comunismo. São minorias sem relevância.

A desregulação ocorreu particularmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, entre os anos 1970 e 1980. Foi uma resposta racional aos excessos da intervenção estatal e seus efeitos negativos. Era fruto da imposição da realidade e não de ideologia.

No campo financeiro, os Estados Unidos revogaram a Regulation Q (1980), que previa o tabelamento de juros das cadernetas de poupança, e o Glass-Steagall Act (1999), que ditava a separação das atividades de banco comercial e de banco de investimento. Eram relíquias da época da Grande Depressão, distanciadas das novas realidades.

Na Inglaterra, o Big Bang (1986) deu fim aos privilégios dos stockjobbers, corretores que detinham a exclusividade de compra e venda de ações na bolsa de valores. Aboliu-se o sistema de comissões fixas. Abriu-se o mercado para instituições estrangeiras.

A desregulação foi uma evolução natural. Os bancos americanos perdiam mercado para os de países onde não havia tais restrições regulatórias. As mudanças tinham o apoio do eleitorado, que elegeu e reelegeu os líderes que conduziram as reformas.

Nos dias atuais, o estado tem exercido dois papéis indelegáveis: evitar o colapso do sistema financeiro e preencher, via gastos, o espaço deixado pela contração do consumo e do investimento privados. São ações temporárias necessárias, e não a volta da intervenção do passado.

Houve falhas de regulação – caso dos derivativos – que permitiram a assunção irresponsável de riscos. Fenômenos novos tornaram obsoletos certos marcos regulatórios, que precisam ser refeitos. Por exemplo, crises sistêmicas podem vir da interconectividade dos mercados. No passado, decorriam de corridas bancárias.

A re-regulação tende a abranger novos níveis de capitalização e limites à alavancagem. É provável que inclua regras para as agências de classificação de risco e a remuneração por desempenho nas instituições financeiras.

Na economia real, nada mudará. É fato que nos países ricos a crise tornou o estado sócio de empresas e bancos, mas depois do temporal a participação reverterá ao setor privado. É o que têm reiterado as autoridades. Nos Estados Unidos, não há apoio social para reviver a intervenção nos mercados de transporte, energia elétrica, de petróleo e telecomunicações.

Não voltarão absurdos como o dos reguladores do Texas, que fixavam horários para o funcionamento dos poços de petróleo. A Inglaterra não restabelecerá os privilégios dosstockjobbers nem a proibição de estrangeiros atuarem na bolsa. O Brasil não verá a volta do monopólio estatal das telecomunicações.

Há avanços que se tornam irreversíveis. Regras que se provam melhores tendem a se manter. Novas crenças prevalecem sobre aquelas que não mais servem aos interesses da sociedade.

Visões estatizantes como as contidas nos projetos de lei do pré-sal representam a volta do velho estado, mas são apenas uma involução insustentável.