sábado, outubro 31, 2009

CLÓVIS ROSSI

Brasil fez tudo o que podia; era pouco

FOLHA DE SÃO PAULO - 31/10/09


A curta e asséptica nota com que o Itamaraty anuncia a sua "satisfação" com o acordo alcançado em Honduras diz bem do pouco que o país fez ou podia fazer na crise.
A rigor, a única atividade brasileira no imbróglio foi passiva: deixar que sua embaixada em Tegucigalpa servisse de residência para o presidente deposto Manuel Zelaya.
Tudo o mais foi, digamos, apertar o "enter" de um programa que todo o mundo, literalmente, utilizou: condenar o golpe, primeiro; exigir a volta de Zelaya; apoiar as gestões negociadoras, impor sanções ao governo golpista. Pode ser muito ou pouco, conforme o ponto de vista de cada qual, mas foi claramente insuficiente para resolver a situação, o que só acabou acontecendo quando os Estados Unidos chamaram golpista e golpeado às falas.
É justo, no entanto, reconhecer que, desde os primeiros dias, o chanceler Celso Amorim e o próprio presidente Lula haviam dito que só os Estados Unidos tinham bala suficiente na agulha para desatar o nó.
O que equivale a reconhecer indiretamente que ao menos àquela parte das Américas não chega a liderança brasileira.
Tampouco chega a venezuelana. Hugo Chávez chegou a ameaçar "quebrar" os golpistas, na sua retórica sempre colorida e incendiária. Não quebrou nem tinha cacife para fazê-lo.
Aliás, o "bolivarianismo" é o principal perdedor da crise toda. O objetivo dos golpistas sempre foi o de impedir a permanência no poder de um presidente nascido das costelas do conservadorismo hondurenho e, de repente, "bolivarianizado". Impediram por quatro meses, bloquearam qualquer hipótese de reeleição e parece altamente improvável que surja um herdeiro de Zelaya para vestir, com alguma força, a camisa vermelha dessa corrente.
Pelo menos nas eleições de novembro, que, em tese, zerarão a crise de uma vez, não há um candidato que possa representar o incipiente "zelaysmo". O presidente, de resto, já havia perdido as eleições internas em seu partido.
Diante da resistência de uma fatia importante dos fatores de poder em Honduras ao "bolivarianismo", o razoável é supor que o presidente que venha a se eleger em novembro será no mínimo cauteloso. Até porque todo o mundo viu que o sétimo de cavalaria que desfez o cerco aos supostos mocinhos não vestia vermelho, mas a velha bandeira das listas e estrelas, sempre presente nessa parte do mundo.

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