quarta-feira, setembro 30, 2009

AUGUSTO NUNES

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Líder é o codinome dos ditadores

30 de setembro de 2009

Entusiasmados com as cenas de abertura do pastelão cucaracha produzido por Hugo Chávez, protagonizado por Manuel Zelaya e encenado num estúdio do Itamaraty em Tegucigalpa, os editores da seção internacional da Folha e do Estadão inventaram o jornalismo de altíssima definição e precisão duvidosa. Zelaya, por exemplo, virou ”presidente deposto”, ”presidente democraticamente eleito” ou “presidente constitucional”. Roberto Micheletti, transferido da presidência do Congresso para a chefia do governo por determinação constitucional, foi rebaixado a “presidente golpista” ou ”presidente de facto” (com c, de conspiração).

Se ninguém mais é apenas chefe de governo, chefe de Estado ou presidente, que tal estender ao resto do mundo os qualificativos que iluminam a crise em Honduras? Pelas normas que têm orientado a cobertura, Mahmoud Ahmadinejad, por exemplo, deve ser apresentado como “presidente eleito sob suspeita de fraude”. E o cartão de visitas de Hugo Chávez tem de identificá-lo como ”presidente ex-golpista”.

A varredura das ambiguidades e dos eufemismos exige a imediata demissão de todos os “líderes”. Líder todo chefe político é. Se estiver na oposição, continua líder. Muda de nome ao instalar-se na chefia do governo. Se chegou ao poder pelo voto, é ”presidente constitucional”. Se contornou o caminho das urnas e assumiu o comando a bordo de um golpe militar, uma safadeza civil ou um movimento revolucionário, é ditador. Não pode fantasiar-se sequer de ”presidente golpista”, “presidente inconstitucional”, ”presidente autoritário”. E fica terminantemente proibido o uso do disfarce de líder.

O líbio Muammar Khadafi foi líder só até o golpe vitorioso. Há 40 anos é ditador. Fidel Castro foi líder até 1° de janeiro de 1959. Proibiu-se de ser presidente ao implantar a ditadura comunista. Tornou-se ditador. Como Fidel por quase 50 anos, o caçula octogenário continua aparecendo nos jornais com o crachá de “líder”, ou com a carteirinha de “presidente”. Os jornalistas fazem de conta que é verdade.

Como todos os tiranos, ambos serão sempre ditadores aos olhos dos homens sensatos. Onde combatentes das redações enxergam líderes continuarão a existir assassinos da liberdade, da democracia e de gente.

BRASÍLIA - DF

Jarbas vai à luta


Correio Braziliense - 30/09/2009




Carta fora do baralho na cúpula do PMDB, o senador Jarbas Vasconcelos (PE) comunicou ao presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), que vai se candidatar a governador de Pernambuco, cargo que já ocupou por dois mandatos. Comporá sua chapa com o próprio tucano, que disputará a reeleição ao Senado, e Marco Maciel (DEM), que também precisa renovar o mandato de senador. A candidatura de Jarbas fortalece a coligação PSDB-DEM-PPS, da qual é aliado, e que anda mal de alianças no Nordeste.

Com a definição de Jarbas, a grande incógnita da eleição em Pernambuco passa a ser a posição do ex-prefeito João Paulo (PT), que pode se lançar candidato a governador. O petista disputaria uma das vagas no Senado, em aliança com Armando Monteiro (PTB-PE), na coligação que está sendo articulada pelo governador Eduardo Campos (PSB), candidato à reeleição. A candidatura de Ciro Gomes (PSB) a presidente da República, porém, estremece a aliança PSB-PT. O nome de João Paulo, por isso mesmo, é uma carta na manga do presidente Lula para forçar Campos a retirar seu apoio à candidatura de Ciro Gomes.

O cara



Preocupado com a presença do presidente norte-americano, Barack Obama, na reunião do Comitê Olímpico que escolherá a sede das Olimpíadas de 2016 — a cidade de Chicago disputa com o Rio de Janeiro —, o governador fluminense, Sérgio Cabral (foto), do PMDB, era só elogios ao presidente Lula, ontem, em Copenhague, na Dinamarca. “O presidente Obama vem abrilhantar a festa. Mas nós temos o presidente Lula, que trabalha diuturnamente por essa candidatura há dois anos”, apregoava.

Acionistas


O diretor-presidente da BMFBovespa, Edemir Pinto, defendeu o uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) na compra de ações da Petrobras, durante audiência na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto. Sugeriu que a participação fique limitada a
R$ 50 mil

Do contra


Apesar da euforia para o anúncio da sede dos Jogos Olímpicos de 2016, na Câmara, deputados querem instalar a CPI do Esporte, esvaziada meses atrás sob forte pressão do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Entusiastas da investigação avaliam que, se o Rio não for a sede dos jogos, haverá clima favorável para investigar não só os gastos com a candidatura, que consumiu pelo menos R$ 80 milhões dos cofres públicos, como também a política esportiva do governo.

Revoada


Deputados do PMDB em dificuldades eleitorais começam a comunicar à cúpula da legenda que estão abandonando o partido. Buscam outras legendas Geraldo Pudim (RJ), Rita Camata (ES), Antônio Bulhões (SP), Laerte Bessa (DF), Acélio Casagrande (SC) e Paulo Henrique Lustosa (CE). A propósito, Clarissa Garotinho, líder do PMDB na Câmara do Rio, entregou a carta de desfiliação ontem. Será candidata a deputada federal pelo PR.

Cassação


O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para hoje o julgamento do recurso, movido pelo PDT, que questiona a competência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de deliberar sobre a perda de mandato de governadores. Os pedetistas argumentam na ação que cabe aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) julgarem os pedidos contra a expedição dos diplomas e que, em vez de determinar a posse de Roseana Sarney (PMDB), novas eleições deveriam ter sido convocadas.

Desmanche



Nunca as relações entre o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e o ex-governador Orestes Quércia estiveram tão tensas. O cacique do PMDB paulista barrou a entrada do presidente da Fiesp, Paulo Scaff (foto), que pretendia disputar o governo do estado pela legenda. Também está bloqueando a entrada do prefeito de Campinas, Dr. Hélio, que tem a mesma pretensão. Na cúpula do PMDB, a avaliação é de que o partido cresce nacionalmente, menos em São Paulo, onde a chapa de deputado federal se desmanchou.

Negritude/ Sob pressão de movimentos sociais, deputados começaram ontem a retirar assinaturas do requerimento que barrava a aprovação conclusiva nas comissões do Estatuto da Igualdade Racial. O recurso impedia que a matéria fosse encaminhada ao Senado sem antes ser votada no plenário da Câmara.

Fica/ Depois de estar com um pé para fora do PSDB, o governador cassado da Paraíba, Cássio Cunha Lima, recuou da intenção de deixar o partido para concorrer ao Senado. O tucano foi demovido da ideia depois de uma conversa com os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, durante o encontro do PSDB em Natal.

Guri/ Pela segunda vez, com a viagem de Tarso Genro para a Dinamarca e do secretário executivo Luiz Paulo Barreto para o Uruguai, assume o exercício da pasta o secretário de Assuntos Legislativos, Pedro Abramovay. O ministro da Justiça interino tem 29 anos.

Yesterday


O beatle Paul McCartney pediu US$ 7 milhões para cantar em Brasília em 21 de abril, no megasshow dos 50 anos da capital federal, que deve reunir 2 milhões de pessoas. O Governo do Distrito Federal ofereceu US$ 4 milhões, mas o ídolo pop recusou. A negociação continua.

MÍRIAM LEITÃO

Dinheiro dos outros


O Globo - 30/09/2009

Uma nova fronteira da modernização da economia brasileira ainda não foi transposta. É delicada, difícil, mas inevitável. A caderneta de poupança tem uma remuneração garantida de 6,2% mais TR, num país em que os juros básicos já estão na altura dos 8% e a inflação em 4,5%. O FGTS não tem garantia de inflação, e por isso os trabalhadores acham que foram lesados.

São dois instrumentos de poupança popular e duas soluções diferentes, e ambas trouxeram efeitos colaterais.

O governo quer mandar um projeto de taxação de 22,5% sobre a caderneta de poupança achando que, com isso, reduzirá a atratividade excessiva que a caderneta pode ter por não pagar imposto de renda.

A caderneta é um instrumento fácil de aplicação. A ideia do Ministério da Fazenda foi propor um imposto que incide acima de um determinado valor, mas que recai sobre os depósitos acima desse limite e se o poupador tiver duas ou mais cadernetas tem que fazer um ajuste na declaração de renda.

Ou seja, o governo complicou o que era simples.

Louve-se a coragem do Ministério de Fazenda de propor uma medida impopular quando o ambiente do Congresso está condimentado pelo pré-sal eleitoral. Mas a proposta é ruim. Não há solução fácil. O ideal seria tirar a remuneração prefixada da caderneta de poupança para que ela não seja o impedimento à queda dos juros. Mas o risco é que os poupadores podem se sentir lesados como se sentem os do FGTS.

O GLOBO tem publicado contas que mostram que há alguma coisa errada no Fundo.

Só de 2002 para cá, se comparadas com a inflação, as contas do FGTS perderam R$ 53 bilhões. De 2000 para cá, os cotistas teriam perdido 13% na comparação com a inflação do período.

O país está assim numa sinuca de bico. A caderneta de poupança que tem garantia de remuneração alta é considerada hoje uma barreira para a queda dos juros e uma fonte de distorções. O FGTS que é corrigido por TR mais 3% perdeu para a inflação.

A economia é desindexada e tem que se desindexar mais, mas ao mesmo tempo ninguém quer perder da inflação. Nada disso é simples de resolver.

O FGTS é uma poupança compulsória à qual seu dono não tem acesso. O governo se comporta como se o dinheiro fosse dele. Recentemente impediu que o FGTS fosse usado para a compra de ações da Petrobras; dias depois usou R$ 3 bilhões do fundo para incentivar empreiteiras.

É como se o trabalhador não tivesse capacidade de tomar decisões próprias sobre seu dinheiro. O governo se comporta como um tutor, que guarda o dinheiro e diz quando e quanto seu dono pode sacá-lo. O dinheiro é manipulado, principalmente por este governo, como se fosse um fundo governamental. É um fundo dos trabalhadores.

Tem a mesma sem cerimônia com o FAT, que tem um objetivo específico que é pagar o seguro-desemprego.

Indexar o FGTS num momento em que o país tem que dar um passo adiante na desindexação é um retrocesso; mas usar o dinheiro do trabalhador para alavancar projetos governamentais extraorçamentários, pagando pouco ao dono do dinheiro e vedando a ele o acesso aos recursos, é uma distorção sem tamanho. O Brasil precisa aumentar a taxa de poupança, mas com incentivos à poupança voluntária.

Os poupadores de caderneta de poupança podem dizer, cobertos de razão, que em todo o período no qual perderam descaradamente para os rendimentos dos fundos ninguém achava que isso criava distorção no mercado. Por isso é preciso construir uma solução justa.

Não é um problema trivial.

Na economia há outros entulhos da era de alta inflação.

As tarifas públicas têm garantia de indexação mais outros custos, o que produz maluquices. É o caso de reajustes este ano acima de 20% no setor elétrico. E empresas não querem abrir mão da indexação. O governo Lula trocou o indexador da telefonia de IGP-M para IPCA e o consumidor saiu perdendo, já que o IPCA subiu mais. Os donos de imóveis conseguiram o mundo ideal: os alugueis são corrigidos por IPCA ou IGP, o que for maior.

Os fundos de pensão têm limites de remuneração mínima que são compatíveis apenas com um cenário de juros altos. Para adaptá-los ao novo cenário, o governo decidiu dar a eles mais liberdade para aplicações de risco. Solução perigosa. Primeiro porque de novo o governo está decidindo sobre o dinheiro dos outros; segundo porque em qualquer país existem regras prudenciais para aplicações de fundos de aposentadoria, e por isso os maiores investidores institucionais só podem ir para países com grau de investimento; terceiro porque os maiores fundos do Brasil são de empresas estatais e o governo terá que pagar parte da conta caso eles entrem em desequilíbrio.

Como se vê, regulação sobre dinheiro alheio é um campo minado. Principalmente num país que tem heranças do tempo da desordem inflacionária que foi encerrada há 15 anos com o sucesso do Plano Real. Ajudaria se o governo seguisse duas normas de ouro: primeiro, não complicar instrumentos de poupança que são usados por pessoas de baixa renda, como a caderneta de poupança; segundo, entender que o dinheiro do FGTS e FAT não é governamental, pertence ao trabalhador.

ROBERTO DaMATTA

Profetismo de coluna

O Globo - 30/09/2009

Quando fiz minha primeira pesquisa de campo, em 1960, entre os povos Terena de Mato Grosso do Sul, com entusiasmado assistente do meu mentor e professor, Roberto Cardoso de Oliveira, demiurgo da moderna antropologia brasileira, ouvi de senhor de origem polonesa e um óbvio olhar oblíquo sobre o Brasil a seguinte história: “Num lugarzinho perdido no miolo do Brasil, havia um boi — chamado Boizinho — que era um exemplo de trabalho e dedicação. Para tudo era chamado e a todos atendia com exemplar competência e entusiasmo.

Se queriam arrastar uma tora, chamavam o Boizinho; se era para arar um pedaço de terra, o Boizinho resolvia; quando se tornava necessário puxar uma carroça maior e mais pesada, lá vinha o Boizinho. De tanto trabalhar, fizeram-no — como prêmio — funcionário da prefeitura. Na primeira emergência a que foi chamado, respondeu: ‘Não vou! Agora sou funcionário municipal’.” Na XIV Bienal do Livro do Rio de Janeiro, dialoguei com o jornalista Larry Rohter, ex-correspondente do “New York Times”. Ele, americano, falou do livro de reportagens que escreveu sobre o Brasil, publicadas no livro “Deu no New York Times” (Rio: Objetiva, 2007); eu, brasileiro e antropólogo, falei do meu livro de crônicas sobre os Estados Unidos, “Tocquevilleanas: Notícias da América” (Rio: Rocco, 2005).

O encontro, exemplarmente mediado pela escritora e jornalista Regina Zappa, foi uma boa oportunidade para, mais uma vez, testemunhar ao vivo que ninguém, como disse São Mateus, é profeta em sua própria terra. Pois só os marginais e os de fora — os profetas — enxergam as rotinas e os pensamentos que pensamos sem pensar. Só elas têm aquele sal do estranhamento e da outridade capaz de revelar a multidão de desconhecidos que estão fora (e dentro) de cada um de nós.

Tal como o Boizinho funcionário municipal que não queria nada com o trabalho estava escondido no outro (e no mesmo) Boizinho que era o maior trabalhador do lugar, eu revelei novidades do sistema americano para Larry; do mesmo modo que ele, como um estrangeiro relativo, revelou novidades para nós. Como miniprofetas dissemos coisas que de outro modo pressentíamos, mas não víamos com nitidez. Deste modo, Larry comenta no seu livro uma das minhas crônicas sobre o (para mim) estranho “futebol americano” como revelador de uma atividade exclusivamente masculina numa sociedade zelosamente pluralista. Ao passo que Larry produziu um comentário de alto significado sobre vida política brasileira — o único, aliás, que foi divulgado pela imprensa — quando, ao falar sobre a sua célebre matéria sobre a relação do presidente Lula com a bebida, disse: “Nos EUA qualquer comportamento que possa impactar o desempenho de um funcionário público é pauta. Lá, quem tem cargo público não tem vida privada — isso não existe, Clinton que o diga. Aqui, há essa ideia de casa e rua como coisas distintas. Eu discordo.” Em seguida, voltou-se para mim, pois era óbvio que fazia uma referência ao meu livro “A casa & a rua”, no qual eu mostro como, no Brasil, casa e rua não são governadas por regras únicas, pois cada um desses espaços tem suas éticas e moralidades.

Aqui, certos cargos — o mais exemplar deles é o de presidente da República — estão excluídos do bom senso. Mas existem os profetas. No mundo moderno, eles viraram jornalistas que denunciam eventuais desvios e têm a licença poética da “liberdade de imprensa” para tanto. Essa licença dos que têm a obrigação de noticiar o mundo, mas devem sempre ouvir o outro lado e evitar tomar partido. Deste modo, o jornalista americano diz com todas as letras que o responsável por um cargo público é por ele dominado ou englobado.

Lá, o direito a ter uma vida privada que pode ser contrária à do papel público, como ocorre rotineiramente no Brasil, onde bandidos tomam conta dos dinheiros do povo, não deve existir. Quem ocupa um cargo público tem que honrar e respeitar esse cargo. É dele um devedor. No Brasil, o cargo é dominado pela pessoa ou pelo partido. A falta de separação entre a pessoa e o papel mostra o viés aristocrático brasileiro. A ausência de consciência entre o público e o íntimo revela o igualitarismo tão admirado por Tocqueville na sua memorável visita aos Estados Unidos e, ao lado dela, a minha permanente surpresa com a riqueza dos debates entre estrangeiros relativos.

Se o Boizinho de nossa história fosse americano ele, como funcionário municipal, trabalharia mais para a sua comunidade. O papel de funcionário englobaria o do ex-bom Boizinho particular. No Brasil, conforme sabemos lendo os jornais que inutilmente profetizam em terras familiares, o Estado cola-se às pessoas, criando apenas privilégios e superioridades, jamais deveres e obrigações.

MARCIO SOTELO FELIPPE

Em defesa do Estado

O Estado de S. Paulo - 30/09/2009


Quem passa pela Rua Boa Vista, no centro de São Paulo, vê um painel com números num crescendo alucinante, expressando cifra de bilhões. Pertence à Associação Comercial de São Paulo e quer mostrar ao povo quanto ele está pagando de impostos por ano.

Para informar corretamente a população, deveria haver um segundo painel. Um que mostrasse, também em ritmo alucinante, o volume do que o Estado tem deixado de arrecadar por políticas fiscais benevolentes. E ainda um terceiro, para que a informação fosse ainda mais precisa, mostrando o volume de impostos pagos pelos contribuintes de fato - nós, o povo - retido por inadimplentes com o Fisco e premiados com parcelamentos e descontos generosos que alcançam, praticamente, o surgimento da geração seguinte.

Os tributos compõem o preço dos produtos e serviços oferecidos ao adquirente final. O empresário é intermediário dessa apropriação do excedente econômico que caracteriza o Estado moderno.

Nem sempre o Estado obtém a apropriação do excedente. No meio do caminho, por vezes, o empresário o retém e vem sendo, no entanto, premiado pelo Estado. O Programa de Recuperação Fiscal (Refis), criado pelo governo federal em 2000, inaugurou a prática de parcelamentos infindáveis de tributos. Governos estaduais e municipais fizeram seus próprios "refis". O do Estado chama-se Programa de Parcelamento Incentivado (PPI) e permite que o ICMS - declarado pelo contribuinte de direito, ou seja, o agente econômico que deveria recolher o tributo que embutiu no preço - seja parcelado em até 15 anos, com renúncia parcial do Estado a multas e juros determinados pela legislação tributária.

O governo do Estado pretende mais uma medida do gênero. Enviou à Assembleia Legislativa proposta para "securitizar" esses débitos parcelados. Isso quer dizer que o Estado cederá o crédito desses parcelamentos a investidores do mercado financeiro, para antecipar receita.

É uma operação temerária juridicamente. Trata-se de uma clássica operação de crédito, como definida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas a proposta - defensivamente - procura descaracterizá-la como tal com nomenclatura artificial. Se reconhecesse que é operação de crédito, deveria submetê-la às autoridades monetárias federais, para que não seja atingido o limite de endividamento do Estado.

Mas nomes não mudam a realidade nem transformam magicamente conceitos jurídicos. O nome da rosa é só um nome, mas seu perfume a torna imediatamente reconhecível. Como o Estado terá sempre de prestar garantia por força do Código Civil (artigo 295), que não pode ser alterado por lei estadual, trata-se efetivamente de operação de crédito. Aliás, assim já decidiu a Secretaria do Tesouro Nacional ao editar o Ofício Circular nº 14/2003. E, claro, o Estado terá de garantir para tornar a operação atrativa para investidores.

A operação amplia o rol de benefícios fiscais generosos. É cessão onerosa e implica deságio. O que impedirá o contribuinte cuja dívida fiscal foi "securitizada" - ou seja, transformada em papel negociável - de ir ao mercado, adquirir por interposta pessoa seu próprio título, especular e, com isso, obter mais um ganho em detrimento dos demais contribuintes, os "otários" que pagam pontualmente seus impostos? Fica violado o princípio basilar da tributação numa república moderna: a igualdade dos contribuintes.

Outros problemas jurídicos graves existem. A exposição de motivos afirma que não se trata de vinculação de imposto, que é expressamente vedada pela Constituição, porque "engessa" o Orçamento, com exceções que a própria Constituição estabelece. Nenhuma das exceções constitucionais possibilita destinação de imposto ao tipo de operação financeira desenhada.

Se o Estado realizar a arriscada operação prevista, poderá ficar sujeito a sanções impostas pela LRF, considerando que não há autorização da Secretaria do Tesouro Nacional e do Senado Federal para realizá-la.

Esse quadro mostra que é necessário que a sociedade passe a um novo plano de reflexão e de debates sobre a questão fiscal. Se os tributos fossem civilizadamente pagos e o Estado não premiasse tão generosamente inadimplentes, a carga tributária deveria ser menor. Se fôssemos mesmo republicanos na questão fiscal, teríamos mais racionalidade tributária e uma sociedade com um pouco mais de autoestima. Todos seríamos beneficiados, econômica e moralmente.

CONFIDENCIAL

Atrás do acordo

AZIZ AHMED

JORNAL DO COMMÉRCIO

Todo o empenho da corrente do PMDB que pretende apoiar Dilma Rousseff, e que é majoritária, está voltada para formalizar logo o acordo com o Governo e o PT. O que na verdade desejam os dirigentes peemedebistas é que seja logo consagrada a indicação do nome do partido que será o candidato a vice-presidente na chapa da "mãe do PAC". O pretenso indicado é o presidente licenciado do PMDB e presidente da Câmara, deputado Michel Temer (SP), que acompanha o presidente Lula em Copenhague, na Dinamarca, para a reunião do Comitê Olímpico Internacional que decidirá a cidade-sede da Olimpíada de 2016. Acredita-se que, no regresso dessa viagem, PT e PMDB formalizarão a pré-aliança para a sucessão presidencial de 2010. Defensor do apoio a José Serra, junto com a dissidência minoritária gaúcha do PMDB, o senador Jarbas Vasconcelos (PE) quer adiar a definição para junho de 2010, reconhecendo que hoje perderia de muito. Os aliados de Dilma, que são ampla maioria, não vão esperar tanto.

Outra chinesa pede visto

Está desembarcando no Brasil uma das maiores construtoras do mundo. A China State Construction Engigeering - que ganhou manchetes econômicas em todo o mundo ao fazer o maior IPO do ano, no valor de US 7,3 bilhões - vai abrir escritório em São Paulo. Pretende fazer parcerias com construtoras nacionais.

Pelé é o "cara"

Lula pode ser o "cara", Obama o pop star da vez, mas quem está mesmo batendo um bolão em Copenhague é Pelé, embaixador da candidatura do Rio à sede da Olimpíada de 2016. Ontem, o Rei do Futebol visitou dois projetos sociais que utilizam o esporte como forma de inserção social. Na sede do "Get 2 Sport", que há quatro anos incentiva a prática de esportes entre jovens de famílias carentes, participou do treino de futebol das crianças, doou 60 bolas e empolgou a galera. Feliz como pinto no lixo, teve o nome gritado sem parar pelas 300 crianças, muitas delas filhas de imigrantes. Depois, o Atleta do Século XX comandou uma das equipes do projeto "Street Football", em jogo exibição numa quadra simples de cimento de um bairro popular da capital dinamarquesa.

Michelle e as hortas caseiras

Michelle Obama, que está plantando uma horta e um pomar na Casa Branca, vai ensinar o que sabe. A primeira-dama dos EUA aparecerá, em 10 de novembro, no primeiro episódio da nova temporada de "Vila Sésamo" - programa educativo para crianças, exibido em mais de 120 países -, incentivando crianças a plantar hortas e consumir alimentos saudáveis.

Safra de boas notícias

Em Copenhague, o presidente Lula receberá hoje boas notícias. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulga o Informe Conjuntural do terceiro trimestre, com a revisão - para cima - das expectativas da instituição sobre a economia brasileira este ano.

Agora vai

De São Paulo, Carlinhos Brickmann lembra que Paulo Skaf bem que tentou um partido mais bem arrumado, mas não deu: o presidente da Fiesp deve entrar no PR, comandado por Valdemar Costa Neto (que renunciou ao mandato para não ser cassado), para disputar o Governo paulista. Já contratou pela Fiesp o marqueteiro Duda Mendonça (que recebeu o "por fora" da campanha de Lula em conta no exterior). E, last but not least, será companheiro de partido de Inocêncio Oliveira (aquele dos poços perfurados por estatais).

Remédio para tuberculose

Chegou ao Brasil a primeira remessa do novo remédio para o tratamento de tuberculose. Os comprimidos, fabricados por um laboratório indiano, serão distribuídos no próximo mês.

FOFO. O Corinthians pôs à venda miniaturas do seu artilheiro Ronaldo Fenômeno. O passe do brinquedinho custa R$ 80.

FINEP. A Agência3 venceu a concorrência pública realizada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia. A verba é de R$ 7 milhões/ano.

FROM POMONA. O presidente Lula vai à Ucrânia em dezembro.

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Ataque e retranca no lugar errado


Folha de S. Paulo - 30/09/2009


Governo gasta como se não houvesse amanhã, e gasta no lugar errado; banca privada continua a fechar a área

A DESPESA com a folha de pagamento do funcionalismo do governo federal cresceu R$ 15,7 bilhões, até agosto. Todo o dinheiro investido pelo mesmo governo federal, no mesmo período, foi de uns R$ 17,3 bilhões. Ressalte-se que, no caso dos gastos com os servidores, trata-se da variação da despesa.
No caso do investimento, PAC e outros poucos, trata-se do gasto total.
Esse é o balanço do "governo central" (governo federal, INSS, Banco Central, divulgado ontem).
O deficit do setor público (governo federal, Estados, municípios etc.) vai mais que dobrar neste ano, do 1,5% do ano passado para mais de 3%. Sim, nesse aspecto o governo Lula comportou-se razoavelmente nos demais anos, entregando um superavit primário decente -decente se a gente não pensa muito nos aumentos de arrecadação de impostos, mas vá lá. Sim, este 2009 de recessão mundial e de ameaça de recessão no Brasil era o ano do "gasto anticíclico" (despesa para estimular a economia e evitar um excesso do "ciclo" recessivo). Sim, o governo tomou medidas corretas, como baixar impostos a fim de estimular o consumo e evitar a redução excessiva da atividade econômica.
Sim, a gente não pode falar bem do governo, confirmam os dados divulgados ontem. O bom gasto "anticíclico" é com investimento. Mas o gasto com pessoal cresceu 19%. A despesa com investimento, 8,5%. "Voilá".
O governo está evidentemente extrapolando. Para piorar, se dá ao ridículo incompreensível de inventar firulas contábeis de modo a maquiar o mau resultado fiscal que será o deste ano. Por exemplo, ao dizer que despesas do PAC (investimento) vão, na prática, contar no número que o governo vai apresentar como dinheiro economizado. Qual o objetivo? No final das contas, a prova do pudim é o aumento da dívida pública: a dívida terá aumentado.
Não vai haver "crise" por causa disso. Mas dívida maior implica que continuaremos a gastar exorbitâncias no pagamento de juros. Enfim, a nonchalance do governo em gastar neste 2009 de queda na arrecadação faz a gente pensar no que será o 2010 com a receita de impostos em alta e candidatos do governo empacados nas pesquisas.

E nos bancos...
Enquanto o governo arromba o cofre, espera-se ainda que os bancos privados abram uma fresta no seu.
O balanço do crédito divulgado ontem pelo Banco Central não teve lá grande novidade. Os bancos públicos ainda responderam por 61,5% do aumento do estoque de crédito em agosto. Em um ano de crise, até agosto, foram responsáveis por 72% do saldo de crédito. Agora, os estatais ficam com 40,4% do crédito, contra 40,7% dos bancos privados nacionais.
Em maio, banqueiros privados diziam que já voltavam a emprestar, pois a economia dava sinais de vida. Mas a expansão do estoque de crédito na banca privada (nacional e estrangeira) foi de 18% de janeiro a agosto de 2008. Neste ano, foi de 1%. No caso dos bancos privados estrangeiros, de janeiro a agosto de 2008 o aumento do estoque de crédito foi de 14%. Neste ano, no mesmo período, o saldo de crédito desses bancos encolheu 2,6%. "Voilá".

TODA MÍDIA

General lava as mãos

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 30/09/09

Na manchete do "El País", "El general se lava las manos", com o questionamento de Romeo Vásquez, "chefe das Forças Armadas de Honduras no dia em que um comando militar sequestrou o presidente e o tirou do país de pijama". Relata o jornal que, "sorriso na boca", ele se negou a dizer "quem deu a ordem", "quem tomou a decisão", até "escapulir do assédio dos jornalistas, fortemente escoltado".
Na manchete da BBC Brasil, "Deposição não partiu de nós, diz chefe das Forças Armadas".

No editorial "Micheletti a descoberto", o mesmo "El País" atacou "as medidas do presidente golpista" de "endurecimento" interno e externo. Afirma que ele "se equivoca se pensa que seu desafio se limita à OEA, ao Brasil e à Espanha: o passo que deu isola ainda mais seu governo e permite ver o que havia por trás de seus argumentos jurídicos inverossímeis".
Avisa que "os populistas ainda não capitalizaram a crise" contra a "esquerda institucionalista" na região, mas a situação pode "evoluir para o pior".

Na manchete da Reuters Brasil, despacho postado também por "New York Times" e "Washington Post", "Cresce pressão por fim da crise em Honduras", da ONU ao Departamento de Estado.

LULA SOB FOGO
Da mesma Reuters, "Lula enfrenta crítica no Brasil por papel em Honduras". Ouve os senadores José Sarney e Eduardo Azeredo, presidente da Comissão de Relações Exteriores, e cita os editoriais dos principais jornais, sobre a "armadilha de Hugo Chávez" e a perda da "capacidade de mediação" do país.

OBAMA TAMBÉM
No "Wall Street Journal", a colunista conservadora Mary O'Grady também questiona o "embaraçoso" Barack Obama, dizendo que a "demanda pela volta de Zelaya é destrutiva" para uma eleição que pode "restaurar paz e segurança". Sobra para Lula, criticado por abandonar, em Honduras, o "não intervencionismo".

OBAMA CONTRA LULA & PELÉ
No enunciado da Associated Press, de Copenhague, por "NYT" e demais, "Rio põe Lula no coração da candidatura olímpica", com a entrevista em que a comitiva brasileira "evitou perguntas sobre a influência de Obama junto aos votantes". A presença do americano "pode ter impacto, mas o time do Rio nota que Lula tem 80% de aprovação". A AP destacou que "Pelé não se intimida" e diz, "se eles têm Obama, nós temos Lula, nós temos Pelé".

FAÇAM A COISA CERTA
Tales Azzoni/AP

Também da AP, em longa análise com a foto que vem simbolizando a candidatura , "A mensagem do Brasil: Estejam à altura dos princípios olímpicos". Um em especial, "universalidade", que justificaria levar os Jogos "a um novo continente". Em outras palavras, "o Brasil é a coisa certa a fazer"

"BRAZIL'S MOMENT"
"NYT" e outros apontaram que, ao "cruzar o oceano para um apelo pessoal dramático", Obama se "arrisca a passar vergonha" e soar insensível aos "desafios" do país.
No "WP", Eugene Robinson escreveu que "não iria", até porque "a minha aposta é que o Rio fica com o ouro. Este é o momento do Brasil".

PELA AMÉRICA
No racha político em torno da candidatura de Chicago, o republicano Michael Steele criticou ontem a viagem de Obama. Reação do porta-voz da Casa Branca: "Steele está torcendo pelo Rio?".
Já Bill Kristol, na "Weekly Standard", avisou que a Casa Branca "não é estúpida" e tem carta política na manga.

VIRADA
O "Guardian" proclama "A virada evangélica do Brasil". Reporta que "as novas igrejas brasileiras vivem um boom, mas, com todo o seu marketing, ainda não têm o status do catolicismo" e seus fiéis sofrem preconceito

ENFIM, DEBATES
Nas manchetes dos sites e portais, mas não telejornais, "Lula libera web para debates". Agora eles podem seguir critério jornalístico, sem aluguel, mas só na TV pela web. Concessão pública, Globo, não.

CELSO MING

Felicidade Interna Bruta


O Estado de S. Paulo - 30/09/2009
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, está defendendo a adoção de um novo padrão para medir o desempenho da economia. Em vez de comparar tudo com o Produto Interno Bruto (PIB), que corresponde à renda nacional, quer que prevaleça o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB).

A ideia é incorporar aos padrões produtivos valores de vida, como tempo de lazer, qualidade ambiental, desfrute de valores culturais, transporte confortável e aposentadoria saudável.

Conceituar e medir tudo isso não é fácil porque pressupõe a adoção de valores nem sempre aceitos universalmente, como liberdade, harmonia com a natureza, respeito às ideias e à religião dos outros e coisas assim.

O primeiro a sugerir o conceito de FIB, em 1972, foi Jigme Singye Wangchuck (veja foto), então rei do Butão, território incrustado na longínqua cordilheira do Himalaia, com 600 mil habitantes, o equivalente à cidade paulista de São José dos Campos.

Para o rei Jigme, hoje com 53 anos, o país não deve apenas perseguir prosperidade. Essa prosperidade, dizia, tem de ser partilhada, tem de considerar a preservação das tradições do povo, que deverá contar com um governo justo, moderno e responsivo.

É uma atitude que tem a ver com as tradições budistas que encontraram repercussão nos ocidentais cansados de correr atrás de riquezas vazias. Em 2006, o rei Jigme abdicou em nome de seu filho, hoje com 29 anos.

Embora o Butão continue apresentando uma das rendas per capita mais baixas do Planeta, de US$ 1,9 mil, a expectativa de vida entre 1984 e 2005 cresceu de 47 para 66 anos, o que não deixa de ser um indicador de melhora da qualidade de vida.

De 1972 para cá, antropólogos, sociólogos, religiosos, filósofos, políticos e economistas têm debatido a aplicação do princípio, formas de medi-lo e que peso dar a cada item. Aparentemente, os resultados não são grande coisa. Sem ter conhecido a proposta do rei Jigme, o economista britânico E. F. Schumacher sugeriu algo nessa linha no livro Small is Beautiful, contra o agigantamento das corporações ocidentais.

Na edição de ontem, o Wall Street Journal sugeriu que a proposta de Sarkozy tem a ver com o fato de que a França ficou para trás no processo de crescimento econômico e que agora tenta compensar o baixo desempenho com valores supostamente mais importantes - como o coelho deve ter dito à tartaruga na competição entre a bicharada: "Cheguei depois, mas cheguei descansado e, portanto, mais feliz."

Os franceses parecem apostar na ideia de que trabalhar menos é indício de felicidade e talvez por isso venham tentando implantar a jornada de 35 horas semanais. O Wall Street lembra que o economista Edward Prescott já se perguntou "por que os americanos trabalham mais do que os europeus", e a resposta foi que os europeus estão pendurados nas vantagens garantidas pelo Estado do bem-estar social. É o sistema que dá a sensação de que não vale a pena trabalhar mais, pois o governo leva quase tudo em impostos. Mas a crítica tem um ranço ideológico. Baseia-se na ideia de que o sistema neoliberal é melhor do que a social-democracia.

O fato é que não faz sentido defender a economia e a política de crescimento econômico se o aumento de riqueza não puder ser partilhado e desfrutado pela população.



CONFIRA
Aumentando - O crédito continua crescendo. Em agosto do ano passado correspondia a 37,6% do PIB. No mesmo mês deste ano já atingia 45,2% do PIB. (O PIB do Brasil em agosto era de R$ 2,93 trilhões).


Um dos principais problemas da atual crise global foi o estancamento do crédito. Mas, aqui no Brasil, isso não aconteceu. Desde dezembro de 2007, o crédito vem aumentando todos os meses.


De agosto a agosto, a Selic caiu de 13,00% para 8,75% ao ano, o que dá uma queda de 32,7%. No entanto, a redução dos juros na ponta do crédito é insignificante.

DIRETO DA FONTE

BB avança sobre seguros

SONIA RACY

O ESTADO DE SÃO PAULO - 30/09/09


Tem gente bastante preocupada com a investida do Estado sobre empresas privadas. Além do tiroteio sobre a Vale, está em curso forte investida do BB em cima do setor de seguros.
O banco avisou, esta semana, que vai revelar o novo desenho dessa sua área até o fim de outubro, quando terminam as conversas com parceiros do setor.
São seis as empresas que compõem o grupo segurador do BB. Mas o banco federal só tem controle sobre uma, a Aliança.
Querem mais.

Marcação cerrada

Integrantes da Fifa deram sinais de irritação com o São Paulo durante reunião esta semana, no Rio. Acham que o clube transformou uma discussão técnica em evento totalmente emocional.
O que a Fifa quer é que o estádio do Morumbi se torne viável para receber o público da Copa 2014.
Há quem desconfie que o Estado de São Paulo pode acabar não abrindo o evento.

SALVADOR OU RIO?
Está no Brasil Terry Angstadt, presidente da Formula Indy. Ou seja: está nos finalmentes a decisão sobre onde será a prova no Brasil.


Back to the past

Mais um problema para a coleção de Kassab.
O "centrão", grupo que dá as cartas na Câmara Municipal, pediu "análise rigorosa" de todos decretos do prefeito entre 2005 e 2009. Antonio Carlos Rodrigues, líder do grupo e presidente da casa, está em campanha para trazer de volta o poder que as subprefeituras perderam.


DE ESTIMAÇÃO

Ronaldo, o "Fenômeno", virou brinquedo.
O Corinthians lançou linha de miniaturas do craque alvinegro: um mini-Ronaldo bem mais magro que o original. O preço? R$ 79.90.

Sem jeitinho

Lula teve uma boa razão para voltar de Nova York e passar dois dias no Brasil, antes de ir para Copenhague brigar pela Olimpíada.
Se a temporada lá fora fosse maior, precisaria de autorização do Congresso.


BATIDÃO

Juca Ferreira, da Cultura, anda curtindo um novo tipo de som, o... funk.
Pretende criar o Festival Nacional do Funk.



Mea culpa

"A melhor solução para evitar a violência é os EUA insistirem firmemente para que ele (Zelaya) se entregue às autoridades hondurenhas, seja preso e julgado."
A proposta foi feita ontem, em editorial, pelo Wall Street Journal. A derrubada de Zelaya, diz o WSJ, foi legítima e ele só "sobreviveu" com o apoio dos EUA.


Peru anônimo

A Brasil Foods aceitou nova forma de vender peru. Fornece o produto sem nome da Sadia ou Perdigão, para a cadeia ASDA - a quarta maior da Inglaterra. Entra o nome dos ingleses.


GUARDA-SOL

Carlos Giannazi, do PSOL, mandou projeto à Assembleia que obriga o Estado a distribuir gratuitamente protetor solar para os... albinos.


FOTOSSÍNTESE

A cruzada do príncipe Charles contra o desmatamento dá bons resultados. Abre-se hoje, em Londres, a mostra Threat ("Ameaça"), do fotógrafo Daniel Bertrá. Que vai depois a Paris e Berlim.


COFFEE BREAK

Indagada sobre seu próximo projeto, Glória Perez foi rápida: "Deus me livre, não quero pensar nisso." Pudera: ela escreve sem assistentes.
Glória embarca para Cannes, onde Globo e Telemundo comemoram a co-produção da nova versão de O Clone.



NA FRENTE


A Fundação Luso Brasileira faz jantar amanhã para apresentar seu novo presidente: Miguel Horta e Costa, ex-presidente mundial da Portugal Telecom e atual vice-presidente do Banco Espírito Santo. No Hotel Tivoli.
Começa hoje, no Itaú Cultural, a exposição Ocupação Leminski. Com direito a leitura de poemas por Alice Ruiz Leminski, Mário Bortolotto e Ademir Assunção.

Ivaldo Bertazzo e Yacoff Sarcovas estão entre os convidados do IIº Congresso de Cultura Iberoamericana. A partir de hoje, no Sesc Vila Mariana.
Cristiana Arcangeli e Nelson Kaufman pilotam jantar de lançamento da coleção de jóias Black, para Vivara. Hoje, na casa da empresária.

Foi criado segunda-feira , em Washington, o Prêmio Sergio Arouca de Excelência em Saúde. Uma ideia de José Temporão, da Saúde.
Paula Dip autografa hoje o livro Para Sempre Teu, Caio F. No Sesc Consolação.

Slogan inspirado em Che Guevara e adaptado especialmente para os cada vez mais tensos de Tegucigalpa: "Hay que Hondurecer, pero sin perder la ternura..."

JOSÉ NÊUMANNE PINTO

Banzé brasuca em Tegucigalpa

O ESTADO DE SÃO PAULO - 30/09/09


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um gênio da política e disso não dá para duvidar. Reconhecer essa verdade, contudo, não esclarecerá se ele foi sincero (e, portanto, de um desconhecimento sesquipedal dos fatos) ou se apenas destilou um gosto peculiar pela ironia quando, na Cúpula América do Sul-África, execrou "retrocessos" institucionais em nosso continente - caso da deposição de Manoel Zelaya. Pois o fez ao lado do tirano líbio Muamar Kadafi, no poder há 40 anos, e do ditador de Zimbábue há 29 anos, Robert Mugabe. Falar em ironia no episódio chega a ser um cruel acinte à memória das vítimas de tantas ditaduras que prosperaram na América Central à sombra das bananeiras em flor. E, justiça seja feita, se se trata de mera ignorância, ela teria de ser imputada também a vários colegas de Lula, entre os quais o americano Barack Obama. Sem falar nos coleguinhas jornalistas que, rejeitando os fatos, classificam de "golpista" o governo de facto de Honduras.
Mel, como é apelidado o latifundiário eleito pela direita que aderiu ao bolivarianismo de Hugo Chávez, foi deposto, é verdade, e não submetido a um processo regular de impeachment, como o foi o primeiro presidente brasileiro eleito pelo voto popular depois da ditadura militar de 1964, Fernando Collor. Isso ocorreu, porém, à luz do ignorado artigo 239 da Constituição de Honduras, que reza peremptoriamente: "O cidadão que desempenhou a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente da República. Quem quebrar este dispositivo ou propuser sua reforma, assim como aqueles que o apoiem direta ou indiretamente, terá de imediato cessado o desempenho de seu respectivo cargo e ficará inabilitado por dez (10) anos para o exercício de qualquer função pública."
Collor nem sonhou tentar o que Zelaya tentou: mudar a Constituição e convocar um plebiscito para permitir sua permanência no cargo, ao arrepio do Congresso e da Justiça. O ex-presidente hondurenho pediu apoio aos militares e, não o tendo obtido, demitiu o comandante das Forças Armadas. A Justiça mandou depô-lo, empossou o presidente do Congresso e não permitiu que ele se vestisse, embarcando-o de pijama para o exterior. O mundo inteiro se revoltou com a desfaçatez dos "golpistas" de Honduras por crassa ignorância das regras constitucionais vigentes num país minúsculo e miserável. Teceu-se, aí, com rapidez, a cortina de fumaça do governo "golpista" e do "martírio" do presidente eleito pelo povo e deposto por militares num novo e típico pronunciamiento latino-americano.
No afã de não repetir Bush, Barack Obama, assessorado por madame Clinton, absolutamente jejuna em quaisquer assuntos ao sul do Rio Grande, condenou a deposição, mas depois foi tratar de problemas mais relevantes. Com o "não temos nada com isso" dos xerifes do mundo, tudo se encaminhava para uma solução simples e cômoda do episódio: as eleições presidenciais poderiam ser realizadas e a paz democrática voltaria a reinar naquele antigo pedaço do império da United Fruit Company.
Aí entrou em ação o coronel golpista Hugo Chávez, que despachou de volta para o centro dos acontecimentos o presidente deposto. Este cruzou a fronteira, mas voltou por cima dos pés para, em seguida, empreender uma entrada espetacular em Tegucigalpa, mercê do engenho estratégico do amigo venezuelano e do peculiar conceito sobre democracia da companheirada brasileira. Dirigente sindical no fim da ditadura militar, quando o general Geisel cunhou sua "democracia relativa", Lulinha Paz e Amor inventou a "democracia de conveniência", adaptação petista da sentença de Artur Bernardes: "Para os amigos, tudo; para os inimigos, o rigor da lei." Ahmadinejad roubou a eleição no Irã? Isso não interessa ao Brasil, que não pode intervir na soberania iraniana. Ahmadinejad nega o holocausto? O fato de sermos amigos não nos força a pensarmos da mesma forma.
Mas o mesmo não vale para Honduras, que não tem projeto bélico nuclear nem bate boca com o vilão ianque. E foi assim que, quando o mundo inteiro esperava um banho de votos para lavar a mauvaise conscience pelo completo desconhecimento internacional das regras constitucionais hondurenhas, o governo brasileiro, para apoiar Chávez, foi à caça do apoio de tiranos africanos para repor Mel Zelaya no poder. Para tanto mandou às favas todas as regras do civilizado convívio internacional. Como nunca antes na história deste planeta, abrigou na "embaixada" brasileira não um fugitivo de um regime ditatorial, mas alguém que decidiu impor a própria vontade de continuar mandando em casa, sem dar bola para as instituições e a opinião pública locais. Esses episódios sempre terminam com um salvo-conduto ao abrigado na embaixada e seu asilo pelo país que o hospedou. Mas este não pode ser o caso: Zelaya não quer fugir de Honduras, mas ficar lá, sob a proteção de Lula, porque Chávez mandou.
O absurdo não para por aí. Lula tem exigido respeito absoluto ao território brasileiro da "embaixada" depois de ter chamado o embaixador de volta e mantido em Tegucigalpa apenas um encarregado de negócios. O governo de facto ainda não ocupou o prédio só para evitar pretextos intervencionistas, pois, como não reconhece a autoridade "golpista", o Brasil não tem mais embaixada em Tegucigalpa.
O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda tem razão ao se dizer - em entrevista a Lúcia Guimarães no caderno Aliás deste jornal, no domingo - espantado com a intromissão brasileira em Honduras. Estamos é fazendo um banzé brasuca estúpido em terreiro alheio, que, aliás, não tem interesse nem importância nenhuma para nós. Ao mundo, que tenta se esconder do vexame de ignorar as regras da democracia de um país pobre, o Brasil parece bater no peito e proclamar com arrogância: "Sou ignorante, sim, mas quem aí não é?"
José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

ELIO GASPARI

O Brasil de Lula é inimigo do golpismo

O GLOBO - 30/09/09


Lula disse bem: “O Brasil não acata ultimato de governo golpista. E nem o reconheço como um governo interino (…). O Brasil não tem o que conversar com esses senhores que usurparam o poder.” Os golpistas hondurenhos depuseram um presidente remetendo-o, de pijama, para outro país, preservam-se à custa de choques de toque de recolher e invadiram emissoras. Eles encarnam a praga golpista que infelicitou a América Latina por quase um século. Foram mais de 300 as quarteladas, uma dúzia das quais no Brasil, que resultaram em 29 anos de ditaduras. Na essência, destinaram-se a colocar no poder interesses políticos e econômicos que não tinham votos nem disposição para respeitar o jogo democrático.

Decide-se em Honduras se a praga ressurge ou se foi para o lixo da História.

Nesse sentido, o governo de Nosso Guia tem sido um fator de estabilidade para governos eleitos democraticamente.

Se o Brasil deixasse, os secessionistas de Santa Cruz de La Sierra já teriam defenestrado Evo Morales. Lula inibiu a ação do lobby golpista venezuelano em Washington. Se o Planalto soprasse ventos de contrariedade, o mandato do presidente paraguaio Fernando Lugo estaria a perigo.

Para quem acredita que a intervenção diplomática é uma heresia, no Paraguai persiste a gratidão a Fernando Henrique Cardoso por ter conjurado um golpe contra Juan Carlos Wasmosy em 1996. Em todos os casos, a ação do Brasil buscou a preservação de governos eleitos pela vontade popular.

No século do golpismo dava-se o contrário. Em 1964, o governo brasileiro impediu o retorno de Juan Perón a Buenos Aires, obrigando-o a voltar à Europa quando seu avião pousou para uma escala no Galeão.

A ditadura militar ajudou generais uruguaios, bolivianos e chilenos a sufocar as liberdades públicas em seus países. (Fazendo-se justiça, em 1982 o general João Figueiredo meteu-se nos assuntos do Suriname, evitando uma invasão americana. Ele convenceu o presidente Ronald Reagan a botar o revólver no coldre. Nas suas memórias, Reagan registrou a sabedoria da diplomacia brasileira.) O “abrigo” dado ao presidente Manuel Zelaya pelo governo brasileiro ofende as normas do direito de asilo.

Pior: a transformação da embaixada do Brasil em palanque é um ato de desrespeito explícito. Já o cerco militar de uma representação diplomática é um ato de hostilidade. Fechar a fronteira para impedir a entrada no país de uma delegação da OEA é coisa de aloprados. A essência do problema continua a mesma: o presidente de Honduras, deportado no meio da noite, deve retornar ao cargo, como pedem a ONU e a OEA.

Lula não deve ter azia com os ataques que sofre por conta de sua ação. Juscelino Kubitschek comeu o pão que Asmodeu amassou porque deu asilo ao general português Humberto Delgado. Amaciou sua relação com a ditadura salazarista e, com isso, o Brasil tornou-se um baluarte do fascismo português. Ernesto Geisel foi acusado de ter um viés socialista porque restabeleceu as relações do Brasil com a China e reconheceu o governo do MPLA em Angola.

As cartas que estão na mesa são duas: o Brasil pode ser um elemento ativo para a dissuasão de golpismo, ou não. Nosso Guia escolheu a carta certa.