O PT sangra
O Globo - 20/08/2009 |
São dois assuntos que se cruzam nesse inferno astral em que vive o Partido dos Trabalhadores, que abandonou seu compromisso com a ética na política há muito tempo e, a cada dia, se torna um simples fantoche nas mão do presidente Lula. O PT sangra em público, a ponto de um de seus mais destacados senadores, Flávio Arns, ter se confessado ontem “envergonhado” de fazer parte do partido, do qual pretende sair. O papelão foi completo ontem na Comissão de Ética, a começar pelo líder Mercadante, que foi desautorizado pelo presidente do seu partido e pelos três senadores que votaram a favor de Sarney, e mesmo assim decidiu continuar na liderança, que já não exerce. Os senadores Delcídio Amaral e Ideli Salvatti, que alegavam não querer votar a favor de Sarney para não se exporem ao veto dos eleitores em 2010, o fizeram envergonhadamente, em voz sussurrada, quase escondidos nas últimas filas do plenário. O que importa ao presidente Lula não é mais a preservação do partido que ajudou a fundar, mas um projeto político pessoal, no qual o PMDB é mais importante do que o PT. Eleger a ministra Dilma Rousseff como sua sucessora virou obsessão, e nada o fará entrar em atrito com o PMDB, atrás dos minutos da propaganda eleitoral. O PT, como partido, não tem alternativa, e todos os seus candidatos em 2010 julgam que a presença de Lula em seus palanques fará desaparecer eventuais decepções dos eleitores petistas. É aí que a candidatura da senadora Marina Silva pode desestabilizar a estratégia lulista, que pretende fazer da eleição de 2010 um plebiscito entre seu governo e a proposta da oposição. Dilma Rousseff entraria nessa equação como simples figuração. O problema é que Marina aparece como uma alternativa para eleitores insatisfeitos, para uma classe média envolvida na luta ambiental, e a disputa entre ela e a superministra Dilma Rousseff é a luta entre os ambientalistas e a tocadora de obras que, assim como o presidente Lula, se irrita com a preocupação com a preservação dos bagres, que atrasa a construção de hidrelétricas. Quando anunciou a líder ambientalista Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, em 2003, o presidente Lula tratou a escolha como uma mensagem ao mundo de que, a partir dali, a Amazônia passaria a ser tratada de maneira diferente. Lula saíra de uma campanha presidencial vitoriosa, na qual defendia que o Brasil deveria se preocupar primeiro em matar a fome dos mais pobres, para só então exportar “as sobras”. Era o tempo em que ainda prevalecia no governo a tese de que a agricultura familiar deveria ter primazia sobre o agronegócio. O Fome Zero desapareceu para dar lugar ao Bolsa Família; as exportações agrícolas são a base principal de nossa balança comercial, e Lula acabou sendo acusado até por “companheiros” como Chávez e Fidel Castro de estar priorizando os biocombustíveis em detrimento da produção de alimentos, o que provocaria a alta do preço internacional da comida. O substituto de Marina, o verde Carlos Minc, foi escolhido porque, além de se dar bem com a superministra Dilma Rousseff — foi seu companheiro no tempo da luta armada —, o governador Sérgio Cabral elogiou para o presidente Lula a maneira “moderna” com que ele lidava com a questão ambiental no Rio. A saída de Marina, por discordar do modelo de desenvolvimento, foi vista no mundo como um sinal de que o governo Lula virava as costas para a maior defensora da Amazônia, com o dizia na ocasião o jornal espanhol “El País”, talvez o mais importante da Europa atualmente. A última derrota de Marina foi consequência da decisão do presidente Lula de entregar ao então ministro de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, o Plano da Amazônia Sustentável (PAS), o que a fez deixar o Ministério do Meio Ambiente. A MP 458, apelidada pelos ambientalistas de “a MP da Grilagem”, que caiu como uma bomba entre os ambientalistas do mundo inteiro, é a operacionalização das ideias contidas no PAS. A Climate Action Network (CAN), uma reunião internacional de organizações não governamentais que promove ações para reduzir a níveis “ecologicamente sustentáveis” as ações humanas que provocam a mudança climática, soltou um documento criticando o governo brasileiro. A lei permite a legalização de 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União na Amazônia, até o limite de 1.500 hectares. Empresas que ocuparam terras públicas até 2004 também teriam direito às propriedades. Pressões fizeram com que o governo vetasse, na totalidade, o artigo 7º da medida e o inciso II do artigo 8º que tratavam da transferência de terras da União para as pessoas jurídicas e para quem não vive na Região Amazônica. Mas outros vetos, como à possibilidade de venda dos terrenos no período de dez anos após a regularização, ou ao artigo que prevê apenas uma declaração do ocupante da terra como requisito suficiente para a regularização fundiária, não foram feitos por Lula. A ida de Marina Silva para o PV deve ter como consequência a saída do partido da base aliada do governo. |