domingo, julho 12, 2009

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Uma novidade atrás da outra

O GLOBO - 12/07/09



Não sei por onde começar o primeiro relatório das novidades aqui da ilha, tão ansiosamente aguardado por vocês.


Encaro com seriedade minhas responsabilidades como correspondente especial e, assim que cheguei, montei meu centro de operações. Levei apenas uma semana para me instalar, tempo considerado muito bom, até porque houve a questão do sinal da conexão com a internet. Antes da viagem, eu tinha me certificado de que disporia de conexão com a internet, indispensável para meus despachos. Assim que me acomodei, porém, o sinal fugiu, ninguém sabia para onde. Segundo Beto Atlântico, que foi me receber no aeroporto, o sistema tomou um choque, ao ser solicitado a funcionar. Uma coisa era ele estar aqui para mostrar às visitas, outra é o funcionamento, uma não tem nada a ver com a outra. Depois de vários dias, conseguiram encontrá-lo e capturá-lo já para lá de Santo Antônio de Jesus e ontem ele foi persuadido a trabalhar. Não está muito entusiasmado com a perspectiva, mas se resignou, depois que eu prometi que usaria os serviços dele no máximo duas horas por dia. Esquema puxado, notadamente para um sinal ainda novo e inexperiente, mas acho que vai dar para ele aguentar.


Já quanto a mim, não tenho tanta certeza. Por mais que eu não queira, parece que a radioatividade vai me pegar de novo. Quase não consigo ir ao Mercado na quarta de manhã, quando iniciei minha busca de notícias. Já dia alto, praticamente sete horas, quem disse que eu queria me levantar da cama? Daqui onde estou para o Mercado é uma caminhada de uns dez minutos e a perspectiva de fazê-lo me deixou não somente inquieto, mas exausto por antecipação.


Felizmente, sou amigo de Beto Atlântico, rico milionário quase tanto quanto Gugu Galo Ruço, que botou um dos veículos de sua frota à minha disposição. Cansa um pouco dizer ao motorista qual o meu destino toda vez que entro no carro, mas venho resistindo na minha postura de não medir sacrifícios no cumprimento do dever.


Ainda na saída, enquanto me preparava psicologicamente para a trabalheira de entrar no carro e viajar para o Mercado, me apareceu Xepa, minha principal fonte quanto a assuntos de pescaria a correlatos. Não sei se vocês se recordam de que Xepa me falou de um amigo seu que, pescando peixe miúdo com uma vara de bambu, fisgou um belo tatu, história aparentemente fantasiosa, mas garantida por Xepa, que nunca teve fama de mentiroso e é um cidadão exemplar. Indaguei se haviam fisgado outro tatu anfíbio na minha ausência, mas ele me disse que não, embora esse mesmo amigo jurasse que, depois do tatu, quase pegou uma galinha de Angola com o mesmíssimo anzol, mas ela foi embora já na flor d'água. Alguma coisa me diz que esse amigo de Xepa vive fisgando tatus regularmente e não confessa por medo do Ibama. Anoto o assunto para uma futura reportagem e o carro parte finalmente para o Mercado, onde já me aguardavam, para surpresa minha, Zecamunista e Toinho Sabacu, que vieram a meu encontro. Estavam ambos aparentando alguma preocupação, sobre a qual logo perguntei.


— É verdade que você veio aqui para trabalhar? — perguntou Zecamunista, assim que concluímos os apertos de mão e abraços. — Eu não quis acreditar, mas tenho de perguntar a você, para ter certeza.


— É, vim para trabalhar, sim.


— Veja se ele está com febre — disse Toinho. — Isso não é normal. A última vez em que ele trabalhou eu lembro muito bem, foi em 58, quando o avô dele pediu a ele para tirar umas fotos aqui da ilha e ele quase desmaiou no fim do dia. Deve ser alguma coisa que ele pegou nessas viagens dele.


— É, deve ser. Mas passa, a gente arranja uma boa rezadeira para ele.


— Mas, Zeca, você não é comunista e materialista? Como é que acredita em rezadeiras? — Comunista, mas não fanático, me respeite. Se tivessem feito um bom descarrego no Kremlin, duvido que essa sem-vergonhice de perestroika e glasnost tivesse colado. Eu mando fazer uma reza dialética em você, duvido que não funcione.


Marquei a rezadeira, conversei mais um pouco e fui completar a visita inicial no Bar de Espanha. Logo ao chegar, notei o magnífico telão agora instalado e parabenizei Espanha.


— É, eu comprei eche negóchio — me disse ele. — Fiado, a chente compra até capim.


— Mas isso deve aumentar a freguesia, não é, não? — Aumenta nada. Chó quem achiste é Tainha e achim mesmo chomente em dia de futebol.


— Tainha? Quem é Tainha? — É um cachorro que deu para aparecher aqui. O pechoal diz que ele é comentarista de futebol.


— E cadê esse cachorro, Espanha? Deve ser muito interessante.


— Ah, não chei, ele só apareche mesmo para ver o futebol.


Claro, eu não podia deixar esse furo de reportagem escapar. Uma entrevista com esse cachorro seria coisa de parar as rotativas e até sair no "Fantástico".


Mas não achei o cachorro, só achei Xepa.


Bem, se Xepa não soubesse do paradeiro do cachorro, ninguém mais saberia.


Tive, contudo, uma decepção.


— Ah, mentiram para você — me disse Xepa. — O cachorro não comenta nada, ele só late na hora em que o Bahia faz um gol e, se o Bahia perder, fica de cabeça quente e morde quem curte com a cara dele, é um torcedor normal.


Esse pessoal exagera muito.

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Drimtims

O GLOBO - 12/07/09

Os drimtims não costumam dar certo. Times de sonho geralmente só funcionam mesmo em sonho. Um exemplo famoso disto foi o time de basquete dos Estados Unidos que disputou as primeiras Olimpíadas em que permitiram a participação de jogadores profissionais. Uma seleção dos melhores jogadores em atividade na liga de basquete profissional dos Estados Unidos era a definição de um drimtim. Acho até que foi com eles que nasceu a expressão. Na teoria, os americanos não teriam adversários nas Olimpíadas. Só deixariam de vencer todos os seus jogos com diferença de trinta pontos ou mais por distração ou piedade. E o drimtim americano não ganhou o ouro do basquete naquelas Olimpíadas. Ninguém sabe o que aconteceu. Na teoria o time era imbatível. Mas, como já se disse, teoria não pega rebote.


O Real Madrid teve mais de um drimtim na sua história. O último que formou também ficou na teoria. Não foi exatamente um fracasso, mas nunca jogou como nos sonhos da sua torcida. Porque a promessa do drimtim é a perfeição, uma superioridade tão grande que quase torna o jogo supérfluo: o time já ganha na escalação. No cara ou coroa o adversário já está perdendo de três a zero. Teoricamente, o novo drimtim do Real Madri estaria dispensado de disputar qualquer campeonato, seria proclamado campeão de tudo só pelo seu poder de compra. Com a torcida gritando, além do nome dos jogadores favoritos – “Kaká! Kaká!”, “Cristiano Ronaldo! Cristiano Ronaldo!” – “Tesoureiro! Tesoureiro!”

Por que os drimtims raramente cumprem sua promessa? Talvez porque junto com jogadores que se equivalem na qualidade os clubes também comprem egos que se parecem, e se chocam. Ou então porque a expectativa é sempre maior do que a realidade, por melhor que esta seja.


ALA ESQUERDA

O Internacional tinha um ponteiro-esquerdo excepcional, o Chinezinho. Isto na época em que existiam ponteiros. Chinezinho depois foi para o Palmeiras e acabou na Itália, onde, acho eu, vive até hoje. Mas quando ainda estava no Inter, trouxeram para jogar ao seu lado nada menos do que o meia-esquerda da seleção uruguaia campeã do mundo em 50, Julio Perez. E então nos convencemos do seguinte: teríamos a melhor ala esquerda do mundo. Uma convicção que não sobreviveu ao primeiro jogo do uruguaio. Tinham comprado o nome Julio Perez, esquecidos que a glória do homem estava longe e ele não tinha mais idade para jogar nem futebol de veteranos. Mas por um breve e cintilante momento, tivemos uma ala esquerda de sonho.

DORA KRAMER

Dias de conquista

O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/07/09

Vestido na saia justíssima que o presidente Luiz Inácio da Silva encomendou para a bancada do Senado, o PT tem sido obrigado a se equilibrar entre as conveniências imediatas do governo e os planos eleitorais de um partido que daqui a 14 meses joga o seu destino em votos.
É um serviço complicado e, sobretudo, mal compreendido. E pior, com tarefas até mais difíceis que sustentar a insustentável majestade do presidente do Senado, José Sarney, a serem cumpridas daqui até a eleição de 2010. O líder no Senado, Aloizio Mercadante, reconheceu numa frase dita lá pelo meio de um dos vários discursos para justificar o vaivém do partido no caso de Sarney, que “o PT não tem como sair bem dessa história”.
É uma impressão generalizada dentro do partido. Assim como é consenso entre os petistas que o resultado da prova foi desastroso, mas que não havia outro jeito a não ser atender aos ditames do presidente da República, a única voz de comando e fonte de poder em torno da qual se reúne o PT.
O dilema posto era o seguinte: se rifasse Sarney, o PT teria o aplauso imediato do eleitorado, mas se arriscaria a criar um pretexto para o PMDB aumentar a força da faca que mantém permanentemente apontada para o peito do governo.
Ao aceitar o servir de muro de arrimo - até porque não teria como romper com o presidente, pois dele emana seu poder -, assume um desgaste de pronto, mas aposta na estabilização da aliança política com efeitos benéficos mais adiante. Na sustentação à candidatura de Dilma Rousseff, por suposto.
Mas a questão é até que ponto vale o sacrifício de uma aposta que, em se tratando de PMDB, é sempre um salto no escuro. Qual o maior prejuízo, o político ou o eleitoral? E as perdas decorrentes deste, não podem anular os eventuais ganhos daquele?
Na avaliação de petistas mais pensantes que diletantes esse tipo de balanço não caberia fazer no caso. Na visão deles, sem saída. Embora considerem que o “zigue-zague” foi mal conduzido. Já sobre outros equilibrismos a que o PT será submetido, há divergências em relação ao que o presidente Lula considera a melhor solução.
Lula, por exemplo, está convencido de que vale a pena o PT abrir mão de disputar governos de Estados importantes em favor dos candidatos do PMDB. Sob o seguinte argumento: é mais importante o PT apostar na eleição de uma grande bancada parlamentar, principalmente de senadores, do que conquistar governos de Estados, já que a tendência dos governadores é sempre a de se compor com o Planalto por razões administrativas.
Embora o raciocínio faça sentido em tese, na prática as coisas não são tão esquemáticas. Primeiro, porque se, em princípio, a cessão de direitos ao PMDB seja um fator de harmonia, torna o PT ainda mais refém do parceiro.
Em segundo lugar, nada assegura a submissão automática dos governadores. Em terceiro, a disputa eleitoral e a conquista de espaços de poder é a razão de ser de um partido que se pretende influente. Em quarto lugar, há as vontades partidárias regionais às quais nem sempre a direção nacional tem condições de se impor O trauma da intervenção nacional no PT do Rio de Janeiro, que dizimou o partido no Estado, está vivo em todas as mentes.
E finalmente, e mais importante, a receita acima só dará bom prato se o PT ganhar a Presidência da República. Se perder, terá posto seu patrimônio nas mãos do PMDB para vê-lo, ato contínuo, aderir ao adversário vencedor.

ESCOLA
Os senadores Arthur Virgílio e Heráclito Fortes criticam quando o presidente Lula confunde crítica com agressão, relatos jornalísticos com conspiração, mas navegaram as mesmas águas ao reagir na sexta-feira contra reportagem da revista inglesa The Economist sobre a “casa de horrores” em que se transformou o Senado brasileiro.
Fortes chamou a revista de “elitista e preconceituosa” e pediu aos jornalistas respeito “à autonomia dos países”. Virgílio se juntou a ele lembrando acontecimentos recentes no parlamento britânico que revelaram “práticas típicas de países que não chegaram ao desenvolvimento democrático pleno”. Se o soneto do Senado reproduzido pela revista já é ruim, muito pior ficou a tentativa de emenda dos nobres senadores.
Abre de novo espaço à comparação entre a maneira inglesa e o modo brasileiro de os parlamentares lidarem com suas mazelas. Sem falar na natureza jeca da patriotada. Lá, o presidente da Câmara dos Comuns afastou-se aos primeiros acordes do escândalo de gastos irregulares, verbas extras e auxílios indevidos pagos a seus pares. Sem ter sido envolvido em denúncia alguma, mas por ter se oposto à liberação de informações sobre os gastos.
Ficou com a pecha de defensor dos abusos e, por isso, renunciou. Aqui, nem certidão de culpa passada em cartório do céu consegue demover uma só excelência de continuar agarrada às benesses paradisíacas do cargo.

CLÁUDIO HUMBERTO

“Quero é que o Irã pense o que pensa o Brasil e o que faz o Brasil”
PRESIDENTE LULA, AO REVELAR O QUE PENSA SOBRE A POSIÇÃO DO IRÃ EM RELAÇÃO À ENERGIA NUCLEAR.

ASPONE NO EXTERIOR GANHAVA ‘HORAS EXTRAS’
Além dos salários do Senado enquanto estudava teatro em Barcelona, o funcionário Carlos Alberto Nina Neto também embolsava “horas extras”. Pelas normas da Casa, esse tipo de pagamento só pode ser feito após um superior – no mínimo, o chefe de gabinete – atestar a prestação do serviço extraordinário. O aspone é lotado no gabinete do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que prometeu ressarcir o Senado Federal.
VAI RESSARCIR
Arthur Virgílio não fugiu à responsabilidade: disse a esta coluna que “não importa o valor, vou ressarcir o Senado”, até vendendo seus bens.
NO BEM BOM
E o deputado Edmar Moreira, hein? Livre, leve e solto. Em seu castelo, claro, que nunca lhe pareceu tão belo.
TEU NOME É SATANÁS
Bem-humorado, o deputado Ciro Gomes diz que faz aliança até com o Satanás se for para fazer a obra de Deus”. Referia-se a Paulo Maluf.
BOCA DO POVO
Já se encontram nas feiras do Nordeste revistinhas de cordel sobre a morte do rei do pop, Michael Jackson.
A HISTÓRIA SECRETA DA ‘OPERAÇÃO VENTURINI’
Em 1984, os EUA decidiram invadir o Suriname, para impedir que Cuba o fizesse, e pediram ajuda ao Brasil, com paraquedistas ocupando o aeroporto da capital. O presidente João Figueiredo teve ideia melhor e de custo menor: ajudar o país, à beira do colapso após se livrar da colonização holandesa. A secretíssima “Operação Venturini”, uma dos melhores casos da espionagem brasileira, agora é relatada em livro.
OPERAÇÃO V
O relato romanceado da Operação Venturini é só uma história do livro “Zona de retaguarda”, de Enio Gomes Fontenelle, que participou dela.
NOME DE BATISMO
A operação se chamou “Venturini” porque o general Danilo Venturini foi quem negociou com o Suriname a “ocupação” militar pacífica brasileira.
PELA INTERNET
O livro de Enio Fontenelle, especialista em comunicações e monitoramento, pode ser obtido no site www.clubedeautores.com.br.
DEPUTADOS TRABALHANDO
Após aprovar a profissão de mototaxista, a Câmara votará ouro projeto de transcendental relevância, já aprovado nas comissões: regulamenta a profissão de repentista. Só falta definir se precisa de diploma.
AL MARE
Processado pela morte de cinco pacientes e a mutilação de outras 29, o cirurgião plástico fajuto Marcelo Caron gosta de descansar em um condomínio da Praia de Pipa, endereço dos endinheirados de Natal.
À CABECEIRA
Renan Calheiros (PMDB-AL) está meio fora de combate, na guerra do Senado, às voltas com um grave problema de saúde de sua mulher, Verônica, que até teve de ser internada em UTI. Mas passa bem.
PUROS HABANOS
Como Fidel Castro fazia há anos, o irmão Raúl presenteou o senador Fernando Collor (PTB-AL), através do embaixador no Brasil, com caixas de charutos Cohiba Esplendidos, edição especial de celebração dos 50 anos da revolução cubana.
PURA LOROTA
O ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (PT-SP) espalha que é cotado para substituir o ministro José Múcio (Relações Institucionais). É lorota: faltou combinar com quem nomeia, Lula, que não o suporta.
CHAPA ALTERNATIVA
Alinhava-se nos bastidores uma chapa composta pelo PTB e PT para a disputa da eleição no DF em 2010. Com Gim Argello para governador e Agnelo Queiroz ao Senado. E palanque garantido para Dilma Rousseff.
É TUDO VERDADE
Ricardo Carvalho lança dia 27, no Recife, seu livro “É Tudo Verdade – Memórias de um Repórter”, contando histórias como a da invasão do Exército à CSN, em 1988, com a morte de três operários. A venda da edição será revertida para a Associação dos Doentes de Chagas.
CANETA CHEIA
O Planalto parece satisfeito com sua base no Congresso. Tanto que no começo de agosto libera mais R$ 1 bilhão de emendas de deputados e senadores. A cortesia será honrada, claro, com o bolso do contribuinte.
‘MOONWALK’
Há quarenta anos o homem chegou à Lua. No Brasil ainda estamos de volta às “capitanias sarneyditárias”.

PODER SEM PUDOR
AMENDOIM BENTO
O papa João Paulo II visitava o Brasil, em 1980, e Frei Betto conseguiu marcar um encontro de Sua Santidade com sindicalistas, entre os quais os metalúrgicos Lula e Jacó Bittar e o bancário gaúcho Olívio Dutra. O encontro, no colégio paulistano Santo Américo, atrasou muito, quase três horas, e a fome foi apertando. De repente, apareceu um monsenhor distribuindo uns saquinhos com bolinhas pretas. Lula rasgou o saquinho sofregamente e jogou as bolinhas na boca. Achava que eram amendoins com cobertura de chocolate. Quase quebrou os dentes: era um terço.

DOMINGO NOS JORNAIS

- Globo: Brasil já comercializa e consome ‘drogas legais’


- Folha: Indicação política incha gabinetes de senadores


- Estadão: Curso revela fraude em Fundação Sarney


- JB: Guerra do tráfico vira jogo no Orkut


- Correio: Brasília cresce mais que o país na crise