Para o Brasil se firmar como um dos líderes do novo mundo que está sendo desenhado pela crise internacional, seria preciso uma visão estratégica de longo prazo de seus governantes, focando especialmente a inovação tecnológica e ações em setores modernos da economia que têm repercussão internacional, como o meio ambiente. Mas há quem duvide da capacidade do país de sustentar uma liderança internacional, seja pela visão equivocada com relação ao poder que exerce na região, seja pela própria incapacidade de definir posições inequívocas nas relações internacionais, terreno no qual estariam cada vez mais aparentes suas deficiências técnicas.
O ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira, por exemplo, acha que é urgente adotar “visão ampla de futuro” para poder aproveitar as oportunidades da nova realidade, que, segundo sua visão, “será turbinada pelo conhecimento, respeitosa e exigente quanto ao meio ambiente, carente de alimentos e matérias primas de que somos fornecedores significativos, e sensível às disparidades, tanto geográficas, quanto sociais”.
Ele vê “graves deficiências” a serem superadas, algumas nos diferenciando dos outros Brics. “Nosso baixo nível de poupança e investimento; o espantoso menosprezo secular que devotamos à educação; o insuficiente esforço em pesquisa e desenvolvimento, em ciência e tecnologia, o que inibe a inovação; a frágil e deteriorada infraestrutura física e humana; a inapetência, que não é de agora, em perseguir as reformas estruturantes — a fiscal (não apenas tributária, mas também a de gastos); a previdenciária, a trabalhista e a da gestão eficaz do Estado, que requer modernizar a sufocante burocracia onipresente”.
Já para Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, do Woodrow Wilson International Center for Scholars, de Washington, a recente ascensão internacional do Brasil aconteceu num período em que, “pela primeira vez em sua história, o país conseguiu combinar democracia e estabilidade”.
Fortalecer ambas é, para ele, “condição indispensável” para consolidar os espaços de liderança do Brasil no mundo multipolar que começa a tomar forma. O que significa “reconhecer que estão em casa — na insegurança, na corrupção, na impunidade, na educação deficiente, na desigualdade — os fatores que mais limitam a ação internacional do país”.
Ao mesmo tempo, ressalta Sotero, “é essencial dosar o uso do capital diplomático nacional, investindo-o nas áreas geográficas (América do Sul e Caribe, África) e temas globais (mudança climática, energia, reforma da governança política e econômica internacional, combate ao crime organizado), que correspondem ao interesse nacional e nos quais o país pode fazer diferença”.
O sociólogo Amaury de Souza, da MCM Consultores, advoga posição cautelosa, dizendo que o primeiro passo consistiria “numa avaliação realista dos nossos recursos de poder, o que exige lucidez para identificar nossas vulnerabilidades e determinação para superá-las”.
Um mundo multipolar, lembra, não é necessariamente um mundo multilateralista, e só poder econômico e uma diplomacia sofisticada não bastam. Amaury de Souza se preocupa com “o virtual divórcio entre nossa política externa e a política de segurança e defesa. Tudo se passa como se o poder militar não fosse valioso instrumento de política externa”.
Na sua definição, “soft power (isto é, a opção pelo diálogo e persuasão) é boa política, mas smart power (a combinação de diálogo com pressão) é melhor”. Liderar, lembra Amaury de Souza, significa também assumir responsabilidades perante terceiras nações ou, “para usar o jargão atual, produzir bens públicos internacionais”, o que implica “arcar com custos consideráveis, seja mobilizando a ação coletiva em prol de algum interesse comum (meio ambiente, por exemplo) ou empreendendo ação unilateral em benefício de todos (proteção militar de rotas comerciais marítimas)”.
O sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), é cético quanto a maior relevância do Brasil no cenário mundial.
“O tamanho da economia, a expansão do comércio internacional e a estabilidade econômica consolidada a partir do plano Real certamente ajudam”.
Para ele, no entanto, o Brasil continua tentando ser líder de um “terceiro mundo” que já deixou de existir, em um ativismo de muito poucos resultados. “Não vejo que existam parcerias sólidas e entendimento político com os outros Brics — China, Índia, Rússia — e namoros com lideranças como Chàvez, Morales e Ahmadinejad não ajudam”.
O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, hoje atuando no mercado de capitais em Nova York, diz que falta competência: “Como a China está aprendendo, não é fácil ter uma presença internacional”.
Ele diz que a presumida competência do Itamaraty não se faz sentir em aspectos financeiros. “O Ministério da Fazenda não tem estrutura e nem o Banco Central. Nenhuma instituição, afora o Ministério das Relações Exteriores, tem um acompanhamento sistemático de países”.
“O resultado é que a política é personalizada, na figura do ministro, do diretor no FMI, com resultados insatisfatórios”.
Paulo Vieira da Cunha admite que, de fato, o Brasil é hoje parte importante nos foros financeiros internacionais, e não só no G-20 e no FMI, mas também em outros organismos internacionais.
Mas lamenta que o Brasil não tenha “capacidade de opinar propositivamente, não entra na parte substantiva das discussões”. A China também reluta em tomar qualquer liderança, discute bilateralmente, e objeta. Não é construtiva. “Mas a China é a China”, encerra Paulo Vieira da Cunha.
(Amanhã, as vantagens comparativas)