terça-feira, abril 14, 2009

ILIMAR FRANCO

Forcinha

Panorama Político
O Globo - 14/04/2009
 
Ao defender a interpretação de que medidas provisórias só trancam a pauta do Legislativo parcialmente, o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), listou, em ofício enviado ao STF, que julgará a matéria, o projeto que aumenta o salário dos ministros daquele tribunal como exemplo de "proposições importantes impossibilitadas de serem apreciadas" por causa das MPs. 

Câmaras municipais gastarão mais 


Relator da proposta de emenda constitucional que fixa os gastos das câmaras municipais, o senador Valter Pereira (PMDB-MS) vai propor o aumento do teto de repasse de recursos das prefeituras. Hoje, esse limite varia de 5% a 8% da receita dos municípios, dependendo do número de habitantes. A Câmara dos Deputados fixou o teto do repasse entre 2% e 4,5%. Pereira vai aumentar esse limite para 6,5%. "Colocar o teto em 4,5% inviabiliza o funcionamento de muitas câmaras", disse ele, que apresentará seu parecer amanhã, na Comissão de Constituição e Justiça. Também estabelecerá o IPCA como indexador para reajustes anuais. 

A crítica do mercado é de que se trata de uma intervenção política no banco. E é mesmo, e assim tem de ser" - Artur Henrique, presidente da CUT, sobre a queda do presidente do BB por causa do spread bancário 

PERIGO. O senador Wellington Salgado (PMDB-MG) colocou o emblema de uma caveira na capa de seu celular do Senado para diferenciá-lo de seu aparelho pessoal. "Não posso mais usar esse telefone para nada. Tudo agora vira escândalo", disse ele, que é da tropa de choque do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Na mesma linha, diz que não pediu reembolso de uma operação de vasectomia que fez na semana passada temendo problemas. 

Valeu chiar 

Os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Bernardo (Planejamento) acertaram ontem que o orçamento do Pronasci será mantido. O governo havia bloqueado 47% de R$1,1 bi. Serão liberados R$275 milhões agora e o restante, em setembro. 

Campanha contra FH 


O governo Lula não tem a menor intenção de patrocinar a candidatura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para a presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Os petistas protestaram contra o atual presidente do banco, o colombiano Luis Alberto Moreno, quando este, em 2007, concedeu uma bolsa de estudos para o derrotado nas eleições de 2006, Geraldo Alckmin (PSDB). 

Emprego: suplente 


Além de 15 suplentes de senador estarem no exercício do mandato sem terem recebido nenhum voto, outros seis estão empregados no Senado, em cargos comissionados. São os dos senadores Augusto Botelho (PT-RR), César Borges (PR-BA), Fátima Cleide (PT-RO), José Sarney (PMDB-AP), Magno Malta (PR-ES) e Rosalba Ciarlini (DEM-RN). Há ainda outros sete que assumiram por no mínimo quatro meses em 2008. Os titulares se licenciaram por motivo de saúde ou interesse particular. 

O NOVO diretor do Hospital de Ipanema, Geraldo di Biase, é afilhado político do deputado Alexandre Santos (PMDB-RJ). 

INTERNAUTA. Além do ex-blog, agora o ex-prefeito Cesar Maia também ataca no Twitter. "Vasco não consegue resistir a Sérgio Cabral, Eduardo Paes e Roberto Dinamite, seus apoiadores. É demais para qualquer time", disse ele. 

A OPOSIÇÃO perdeu o timing mais uma vez. Faz reunião de prefeitos amanhã, em Brasília, dois dias depois de o governo federal anunciar compensação acima das expectativas para a queda do FPM. 

Prêmio 

Apeado do Ministério da Defesa por causa do caos aéreo, Waldir Pires foi designado ontem, pelo presidente Lula, membro titular do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, da Controladoria Geral da União.

ARNALDO JABOR

O menino está fora da paisagem

O GLOBO - 14/04/09

O menino parado no sinal de trânsito vem em minha direção e pede esmola.

Eu preferia que ele não viesse.

A miséria nos lembra que a desgraça existe e a morte também. Como quero esquecer a morte, prefiro não olhar o menino.

Mas não me contenho e fico observando os movimentos do menino na rua.

Sua paisagem é a mesma que a nossa: a esquina, os meio-fios, os postes.

Mas ele se move em outro mapa, outro diagrama. Seus pontos de referência são outros. 
Como não tem nada, pode ver tudo.

Vive num grande playground, onde pode brincar com tudo, desde que "de fora". 
O menino de rua só pode brincar no espaço "entre" as coisas. Ele está fora do carro, fora da loja, fora do restaurante.

A cidade é uma grande vitrine de impossibilidades.

O menino mendigo vê tudo de baixo. Está na altura dos cachorros, dos sapatos, das pernas expostas dos aleijados.

O ponto de vista do menino de rua é muito aguçado, pois ele percebe tudo que lhe possa ser útil ou perigoso.

Ele não gosta de ideias abstratas.

Seu ponto de vista é o contrário do intelectual: ele não vê o conjunto nem tira conclusões históricas - só detalhes interessam.

O conceito de tempo para ele é diferente do nosso.

Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos não se somam, não armazenam memórias.

Só coisas "importantes": "Está na hora do português da lanchonete despejar o lixo..." ou "estão dormindo no meu caixote..."

Se pudéssemos traçar uma linha reta de cada olhar do menino mendigo, teríamos bilhões de linhas para o lado, para baixo, para cima, para dentro, para fora, teríamos um grande painel de imagens. E todas ao rés-do-chão: uma latinha, um riozinho na sarjeta, um palitinho de sorvete, um passarinho na árvore, uma pipa, um urubu circulando no céu.

Ele é um espectador em 360 graus.

O menino de rua é em cinemascope. O mundo é todo seu, o filme é todo seu, só que não dá para entrar na tela.

Ou seja, ele assiste a um filme "dentro" da ação. Só que não consta do elenco. Ele é um penetra; é uma espécie de turista marginal. Visto de fora, seria melhor apagá-lo. Às vezes, apagam.

Se não sentir fome ou dor, ele curte. Acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga pedindo dinheiro. Ele se acha normal; nós é que ficamos anormais com a sua presença.

Antigamente não o víamos, mas ele sempre nos viu. Depois que começou o medo da violência, ele ficou mais visível. Ninguém fica insensível a ele. Mesmo em quem não o olha, ele nota um fremir quase imperceptível à sua presença.

Ele percebe que provoca inquietação (medo, culpa, desgosto, ódio). Todos preferiam que ele não estivesse ali. Por quê? Ele não sabe.

Evitamos olhá-lo; mas ele tenta atrair nossa atenção, pois também quer ser desejado. Mas os olhares que recebe são fugidios, nervosos, de esguelha.

Vejo que o menino se aproxima de um grupo de mulheres com sacolas de lojas. Ele avança lentamente dando passos largos e batendo com uma varinha no chão.

Abre-se um vazio de luz por onde ele passa, entre as mulheres - mães e filhas. É uma maneira de pertencer, de existir naquela família ali, mesmo que "de fora", como uma curiosidade. 
Assim, ele entra na família, um anti-irmãozinho que chega. As mães não têm como explicar aos filhos quem ele é, "por que" eles não são como "ele" (análise social) ou por que "ele" não é como nós (analise política).

Porém, normalmente, mães e pais evitam explicações, para não despertar uma curiosidade infantil que poderia descer até as bases da sociedade - que os pais não conhecem, mas que se lhes afigura como algo sagrado, em que não se deve mexer.

O menino de rua nos ameaça justamente pela fragilidade.

Isso enlouquece as pessoas: têm medo do que atrai. Mais tarde, ele vai crescer... e aí? 
O menino de rua tem mais coragem que seus lamentadores; ele não se acha símbolo de nada, nem prenúncio, nem ameaça.

Está em casa, ali, na rua. Olhamos o pobrezinho parado no sinal fazendo um tristíssimo malabarismo com três bolinhas e sentimos culpa, pena, indignação.

Então, ou damos uma esmola que nos absolva ou pensamos que um dia poderá nos assaltar.
Ele nos obriga ao raríssimo sentimento da solidariedade, que vai contra todos os hábitos de nossa vida egoísta de hoje.

E não podemos reclamar dele. É tão pequeno...

O mendigo velho, tudo bem; "Bebeu, vai ver a culpa é dele, não soube se organizar, é vagabundo". Tudo bem. Mas o mendigo menino não nos desculpa porque ele não tem piedade de si mesmo.

Todas nossas melhores recordações costumam ser da infância. Saudades da aurora da vida.
O menino de rua estraga nossas memórias. Ele estraga a aurora de nossas vidas. Por isso, tentamos ignorá-lo ou o exterminamos. Antes, todos fingiam que ele não existia.

Depois das campanhas da fome, surgiram olhares novos. Já sabemos que ele é um absurdo dentro da sociedade e que de alguma forma a culpa é nossa.

Ele tem ao menos uma utilidade: estragando nossa paisagem presente, pode melhorar nosso futuro.

O menino de rua denuncia o ridículo do pensamento ‘genérico-crítico’ - mostra-nos que uma crítica à injustiça tem de apontar soluções positivas.

Ele nos ensina que a crítica e o lamento pelas contradições (como estou fazendo agora) só servem para nos "enobrecer" e "absolver". Para ele, nossos sentimentos não valem nada. 
E não valem mesmo.

Mesmo não sabendo nada, ele sabe das coisas.

PAINEL

Cai, cai, balão

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/04/09


Prefeitos do interior da Bahia que receberam abordagem similar de Rosemberg Pinto, assessor especial do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, relatam ter sido apresentados à seguinte proposta: a estatal estaria disposta a patrocinar as festas de São João, tradicionais no Estado. Em troca, a prefeitura tem de contratar uma das empresas indicadas pelo assessor para organização e montagem do arraial. 
As cotas de ajuda da estatal são variáveis, de acordo com o tamanho do município e da festa. Uma das empresas indicadas por Rosemberg, segundo prefeitos procurados, é a ST Estruturas, especialista em montagem de eventos no Estado.

Fase - Após a derrota dos arrozeiros no julgamento da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, o ex-prefeito de Pacaraima (RR), Paulo César Quartiero, líder dos produtores, foi condenado ontem pelo TCU a pagar R$ 241 mil por irregularidades no uso de recursos repassados pela União.

Municipalista - Dilma Rousseff (Casa Civil) passou um sabão na equipe econômica numa das reuniões para discutir a ajuda aos municípios. ‘Não venham me dizer que tem de fazer superávit. Temos de dar compensação, não antecipação que os municípios terão de pagar lá na frente’, disparou.

Bem com todos - Após o socorro aos municípios, Lula vai ajudar os Estados. O governo ampliará a margem de endividamento para Estados com queda expressiva de receita. O cálculo do limite é feito pelo Tesouro, que vai adotar parâmetros mais flexíveis.

Mais grana - Outra medida sobre a qual Lula já bateu o martelo é que serão reduzidas as contrapartidas de Estados e municípios nas obras do PAC, o que equivale dizer que o governo federal vai arcar com uma fatia maior.

Imobiliária - No auge da série de escândalos administrativos, a direção do Senado se deparou com uma lista com pelo menos 12 apartamentos funcionais destinados aos senadores que estão ocupados por membros do Judiciário: são dez ministros do Superior Tribunal de Justiça e dois desembargadores, além do ministro do TCU Aroldo Cedraz.

Síndico - Logo após a relação dos moradores circular, a Mesa Diretora decidiu nomear o terceiro-secretário, Mão Santa (PMDB-PI), para gerenciar a distribuição dos 72 apartamentos da Asa Sul de Brasília.

SOS - O senador Marco Maciel (DEM-PE) apresentou projeto que autoriza o Executivo a criar o Fundo de Assistência Financeira Emergencial aos Municípios, destinado a garantir que as transferências das quotas-partes do FPM mantenham o valor dos repasses feitos no ano passado. Pela proposta, o socorro viria do Fundo Soberano.

Às origens - A jornalista Tânia Fusco deixou o cargo de diretora da Subsecretaria de Divulgação e Integração do Senado, que ocupava apesar de atuar, no dia a dia, como assessora da senadora Roseana Sarney (PMDB-MA).

Laços 1 - Citado em documentos apreendidos pela Polícia Federal na Operação Castelo e Areia, que investiga suspeitas de evasão e lavagem de dinheiro envolvendo a Camargo Corrêa, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) mantém estreita relação com a construtora desde os tempos de governador, nos anos 90.

Laços 2 - Raupp foi um dos interlocutores do Palácio do Planalto durante o embate entre empreiteiras e órgãos ambientais para viabilizar o projeto da usina de Jirau, uma das vitrines do PAC. Em 2006, a Camargo declarou ter doado R$ 50 mil para a campanha de Marinha Raupp (PMDB-RO), mulher do senador, eleita deputada federal.

Tiroteio

Os advogados são uma elite técnica nessa terra de cegos que é o Senado. Por isso tentam nos identificar com o Agaciel. 
De SHALOM GRANADO , diretor de Controle Externo do Senado, que deve assumir a Advocacia Geral da Casa, negando vinculação política com o ex-diretor-geral do Senado, Agaciel Maia.

Contraponto

Ideia fixa

Ao desembarcar em Chicago, na semana passada, levando comitiva de prefeitos do DEM, o deputado José Carlos Aleluia foi recebido por um funcionário do consulado brasileiro encarregado de acompanhar o grupo até o hotel. 
Enquanto, já na saída do aeroporto, os prefeitos se excitavam diante da possibilidade de conhecer a cidade de Barack Obama, o ‘demo’ baiano, um dos oposicionistas mais estridentes da Câmara, teve sua atenção capturada por um detalhe em que ninguém mais havia reparado: as letras ‘PT’ na placa do carro do consulado. 
O deputado não resistiu e interpelou o funcionário: 
-Então aqui o PT está com a gente?

ELIANE CANTANHÊDE

Pacto na forma, sem conteúdo

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/04/09

BRASÍLIA - O lançamento do Pacto Republicano, ontem, com os presidentes da República, do Supremo, do Senado e da Câmara -ou seja, dos três Poderes- foi uma vitória política de Gilmar Mendes, quase uma vitória pessoal.
A opinião pública pode ainda estar dividida quanto a endeusar ou demonizar o delegado Protógenes Queiroz, mas Gilmar Mendes definitivamente conquistou Lula e reverteu a tendência inicial, principalmente de Tarso Genro, de apoiar e até se regozijar com a Operação Satiagraha. Agora, todos eles se unem na defesa da legalidade, dos limites policiais e dos direitos individuais, que foram os motes da cerimônia de ontem. Gilmar ganhou essa batalha e ontem mesmo já deu sinais de estar iniciando uma outra, novamente na contramão: a favor do Congresso.
Mas, já que ele gosta de uma polêmica, vamos dar uma mãozinha: 1) o ministro disse que, "quanto mais abrangente, criteriosa e participativa for a atuação do Congresso, melhor, mais eficiente e legítimo será o processo de aperfeiçoamento das instituições democráticas". Ok.
Mas o que se vê não tem nada disso, muito menos de criterioso: salários extras no recesso, contas de R$ 14 mil de celulares públicos em mãos de filhos, aluguéis de jatinhos para quem já tem jatinho, notas e pagamentos para as próprias empresas e 130, 180, sei lá quantos diretores no Senado;
2) para Gilmar, em apaixonada defesa, "a Justiça avança a olhos vistos em busca do grau de excelência". Há controvérsias...;
3) a cerimônia passou, mas até a noite os projetos que dão contorno e vida ao que foi dito ali não haviam sido divulgados. Aparentemente, os presidentes dos três Poderes acertaram tudo entre eles, mas faltou combinar com "os russos": a Casa Civil, que encrencou com os textos.
Houve precipitação? O Pacto Republicano, portanto, por ora, ficou na foto, no dito pelo não dito, na forma, sem conteúdo.

CLÓVIS ROSSI

O joio, o trigo e a economia

FOLHA DE SÃO PAULO 14/04/09

SÃO PAULO - Há uma velha brincadeira sobre jornalismo que diz que o que fazemos é separar o joio do trigo, jogar fora o trigo e publicar o joio. Piadinha engraçada e, às vezes, verdadeira.
Menos no caso das previsões sobre economia. Neste caso, nem nos damos ao trabalho de separar o joio do trigo. Publicamos ambos, e o leitor que trate de separar um do outro para sentir-se bem informado. Até tive a esperança de que, com a crise e o colossal fracasso de nove entre dez economistas em prevê-la, haveria um refluxo no torneio de palpites que é dizer como será o futuro da economia. Pura ilusão. Passados uns momentos de silêncio meio envergonhado, eis que a fábrica de palpites voltou a funcionar -e em três turnos.
O mais recente palpite é o das instituições financeiras que atuam no país: segundo o UOL, elas revisaram para baixo, pela sexta semana consecutiva, a sua previsão para o PIB em 2009. Agora, chutam retração de 0,3%. Há apenas seis semanas, previam crescimento (1,5%), não retração.
O que aconteceu nesse mês e meio para uma mudança tão drástica no palpite? Nada de relevante. E nós continuamos a publicar, semana após semana, os chutes travestidos de previsão. Nem nos lembramos que o Datafolha, quando divulga suas pesquisas, informa direitinho o número de pesquisados, as cidades em que foi feita a pesquisa, a margem de erro e avisa claramente que se trata apenas do retrato daquele momento, não a adivinhação do resultado final.
Na economia não. Alguém aí sabe como cada instituição financeira faz seus cálculos?
Podem até acertar. Mas, se há um mês e meio enxergavam uma coisa e agora veem outra radicalmente diferente, como alguém pode acreditar que são realmente capazes de prever o que vai acontecer daqui a oito meses e meio, quando termina o ano de 2009?

DORA KRAMER

Santo nome em vão


O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/04/09


O pacto republicano assinado ontem entre os chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é pretensioso no nome, ambicioso na proposta - garantir ao brasileiro um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo -, mas absolutamente despojado, modesto mesmo, no que tange à sua execução.
À primeira vista, um modelo pronto e acabado daquelas declarações bem-intencionadas, cuja validade não costuma ir muito além do momento solene da inauguração. Será ótimo se essa impressão for equivocada, bem como não haverá melhor notícia que a comprovação, mais adiante, da possibilidade real de se transformar intenções em gestos sem um plano de ação prévio com responsabilidades claramente distribuídas entre os signatários.
Cada qual na posse plena das respectivas condições objetivas para tirar do papel o enunciado do problema, perfeitamente entendidos uns com os outros, equilibrados no grau das respectivas autonomias, mobilizados para a tarefa como prioridade e coordenados por um eixo garantidor do foco do trabalho, do começo ao fim.
Isso posto, é grande a chance de êxito de um pacto. O que lança dúvida a respeito do pacto republicano é justamente o fato de as condições acima não estarem nem de longe postas. A começar pelos sinais de carência de espírito republicano nos três avalistas do compromisso que invoca o santo nome da República, até prova em contrário, em vão.
Poderes que se atropelam, não raro se engalfinham, não são Poderes em estado de normalidade funcional. Há uma evidente desorganização em termos de atribuições. Isso, óbvio, não impede ninguém de propor melhorias, pensar em avanços, demonstrar boa vontade e, sobretudo, vontade de acertar. Embora aconselhe cuidado para não se criar expectativas vazias, frustrantes, indutoras da descrença.
Há acertos a serem feitos no presente, sem os quais fica quase impossível caminhar para o futuro. O pacto assinado ontem depende fundamentalmente do Congresso e da sintonia com os outros dois Poderes.
Em sã consciência, ninguém pode apostar na hipótese remota de o Parlamento tocar as regulamentações e novas legislações necessárias à execução das medidas pactuadas, da maneira como funciona hoje o Legislativo.
Omisso, submisso, referido nos interesses corporativos, defensivo, resistente a mudar seus costumes, preso, enfim, a uma série de deformações, o Congresso nem sequer tem uma agenda própria, mal consegue administrar a sinuca da qual é prisioneiro, quem dirá dar conta de uma tarefa da envergadura proposta pelo pacto. É irreal.
O Executivo, por sua vez, propõe, mas não ajuda a materializar as propostas. Usa sua força apenas para angariar os benefícios políticos das sugestões. A recente proposta de reforma política, posta no Congresso como quem põe um pacote na porta do alheio e dá por cumprida a missão, está aí para demonstrar.
Ao Palácio do Planalto interessa única e exclusivamente tratar de eleições e cultivar a popularidade do presidente Lula de forma a ilustrar sua biografia. Enxerga no Congresso um prestador de serviços, não um Poder autônomo com força correspondente ao papel a ele reservado na definição de República.
O Judiciário reclama. Muito justamente na maior parte das vezes. Mas a própria necessidade de os magistrados precisarem deixar de lado a tradicional neutralidade desapaixonada e partir para o ativismo mostra como o desequilíbrio campeia.
Na cerimônia de ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, declarou que “Câmara e Senado são essenciais para a democracia”. Ora, quando o presidente da corte guardiã da Constituição se vê na obrigação de informar tal obviedade em tom de quem faz algum tipo de alerta, é porque as coisas não estão caminhando com naturalidade.
Se o ministro Gilmar Mendes disse isso para se associar de alguma maneira à tese de que apontar as falhas do Congresso representa um risco para a democracia, aí é que se corre perigo mesmo, porque significa que a desfaçatez pode sair vencedora.
Mas o presidente do STF disse também que o conjunto de metas do pacto republicano só pode ter êxito com um Parlamento “aberto, ativo e altivo”. No momento em que o Legislativo se fecha limitando a circulação de informações por causa das denúncias de suas malfeitorias, no momento em que o Legislativo se queda paralisado como nunca em suas funções, no momento em que o Legislativo é mais submisso aos ditames do Executivo, não é nesse momento que o Legislativo poderá se desincumbir do papel de dar ao Brasil um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo.
Conhecedores dessa crua realidade, os signatários do pacto participaram ontem de um ato inócuo e ficaram devendo um diálogo mais realista com a sociedade brasileira. Se começarem daí, talvez seja possível retomar valores perdidos, como, por exemplo, a confiabilidade da palavra dita e a respeitabilidade do compromisso assumido.

MÍRIAM LEITÃO

Além do horizonte

O GLOBO - 14/04/09

O Banco Central errou ao acreditar na tese do descolamento. Grande parte do mercado acreditou, mas a função do BC é ser capaz de ver além do horizonte de curto prazo. Erra de novo agora, quando não prepara o governo para a gravidade da crise e defende a tese de que a recuperação já começou. Erra mais ainda quando é conivente com o expansionismo fiscal que vai criar esqueletos no futuro.

A tese de Henrique Meirelles é de que a recuperação econômica já começou neste segundo trimestre, e a projeção do BC é de um crescimento de 1,2% do PIB. A previsão de inflação foi uma espécie de conta de chegar para não brigar com os fatos que indicam recessão e não desagradar o governo, que aposta num crescimento de 2%. É um número político, e uma declaração política numa hora em que, mais do que nunca, é necessário um Banco Central técnico.

Meirelles disse aos repórteres Alex Ribeiro e Cristiano Romero, do jornal Valor Econômico, que o BC não errou na política monetária, e explicou que a crise foi provocada pela quebra do Lehman Brothers e pela falta de liquidez que dela resultou. Segundo Meirelles, “não há país, independentemente da política monetária, que pudesse evitar esse fenômeno”.

A crise tinha começado muito antes, a quebra do Lehman Brothers foi apenas o gatilho que detonou o ataque de pânico que aprofundou uma crise da qual já se sabia que era de grandes proporções antes mesmo daquele 15 de setembro. Os Estados Unidos já estavam em recessão, bancos já estavam mergulhados no vermelho – alguns estatizados até em países como a Inglaterra –, o estouro da bolha imobiliária já produzia queda em cascata do preço dos ativos havia quase um ano, quando o Lehman Brothers quebrou. O fato é que o BC achava que o país estava “blindado”, ele realmente acreditou neste conto da carochinha. Por causa disso é que estava em pleno “ciclo de aperto de política monetária” quando a crise se agravou.

A função de um banco central é ver além dos consensos de curto prazo dos operadores do mercado, e não ficar a reboque deles. Precisava ter visto a tempo a gravidade da crise externa, que já tinha contratado uma queda do crescimento global, qual fosse o destino do Lehman Brothers. Qualquer pessoa que tenha conversado com as autoridades do BC, ou tenha lido com calma seus atos e relatórios, e tenha sido informada das análises que ele fez periodicamente, sabe que seu erro foi achar que a bolha imobiliária americana se dissolveria paulatinamente e não explodiria; o erro foi avaliar mal a conjuntura econômica internacional e superestimar a capacidade brasileira de resistir a ela. Na verdade, para o BC, o único risco que o Brasil corria em 2008 era o de excesso de crescimento, de aquecimento da demanda. O erro do Banco Central foi ficar impressionado com os números imediatos, sem ver o horizonte mais amplo que indicava uma retração global que atingiria todos os países, entre eles o Brasil.

O BC precisava, também, ter preparado o país, do ponto de vista institucional, para o momento de queda maior das taxas de juros, para não se criar o dilema que está agora, entre queda de juros e remuneração da poupança. Isso é pedra cantada há muito tempo. Já se sabia que haveria este impasse com a natural queda dos juros abaixo dos dois dígitos. Poderia ter apontado a necessidade de se desarmar a bomba da renegociação da dívida dos estados, quando havia tranquilidade para fazer isso, o que evitaria uma mudança feita por pressão em momento de crise. Não cabe ao BC gerir toda a política econômica, mas ele tem que ter visão de longo prazo para ir mostrando a necessidade de se desfazer os nós institucionais que o Brasil tem. Até porque a atual gestão do Ministério da Fazenda não tem mesmo capacidade de formulação. Principalmente, já poderia ter trabalhado para reduzir o spread, se acha que o problema é tão relevante.

Caberia também ao BC ter dado alertas mais fortes sobre os riscos fiscais que o país correu em anos recentes, e corre muito mais agora na abertura geral dos cofres aos lobbies amigos. Não o fez porque o órgão vive na corda bamba no governo Lula, numa autonomia consentida, tendo que ser confirmada a cada nova reunião do Copom. Faria melhor a defesa da moeda se tivesse explicitado que o governo fez uma política de ampliar gastos de custeio numa época de crescimento da arrecadação, não preparando, a tempo, a política contra-cíclica. O BC se omitiu para não ferir suscetibilidades do governo Lula.

Da mesma forma que, agora, finge não ver que a política fiscal expansionista, feita de forma improvisada, está erodindo, na prática, a Lei de Responsabilidade Fiscal e contratando os próximos esqueletos dos armários de Brasília. O uso abusivo dos fundos de poupança compulsória e o dos bancos públicos aumenta os riscos de esqueletos. E é deste descontrole que se alimentará a inflação futura. A estabilidade monetária precisa muito mais da vigilância fiscal que de certos preciosismos supostamente técnicos, alegados em alguns dos seus comunicados.

TERÇA NOS JORNAIS

Globo: Lula abre o cofre para socorrer municípios

 

Folha: Imobiliárias driblam lei para doar

 

Estadão: Obama levanta parte das restrições a Cuba

 

JB: Bancos freiam crédito e culpam consumidor

 

Correio: Hospitais privados fecham portas para as crianças

 

Valor: Investidor estrangeiro movimenta 37% da bolsa

 

Gazeta Mercantil: Caio se recupera da falência e investe para ganhar na crise

 

Jornal do Commercio: Casa mais barata e com juros menores