Aos olhos dos governados, o Congresso já não tem a menor importância, a não ser pelo vasto, mas pequeno em relação à população em geral, contingente que se beneficia, direta ou indiretamente, das esculhambações, roubalheiras, falcatruas, impropriedades e até — sei lá — de uma surubinha ou outra nos feriados, com um dos surubantes portando a chave de um excelente cômodo, de outra forma sem nenhuma serventia.Na internet apareceram umas coisas, não sei se verdadeiras. Não vejo exagero meu nisso, pelo contrário, até me imponho uma certa contenção.
O poder, na observação feita por Henry Kissinger, é afrodisíaco e, em casa onde o poder não conhece freio nem legal nem moral nem de qualquer outra espécie que não a conveniência, em casa labiríntica e ameaçadora, que combina, entre outros, aspectos da "Bleak House" de Dickens, do "Castelo" de Kafka, da casa de campo de um aristocrata libertino na França pré-revolucionária e de um filme de Buñuel, é lícito pensar que tudo pode acontecer.
Alguns episódios erótico-sentimentais que vieram à tona, certamente uma pequena fração do que ocorre naquele ambiente em que o poder envolve em concupiscência e onipotência seus detentores e, ainda para outros, se transforma em instrumento para a consecução dos objetivos mais espúrios, fornecem asas à imaginação e, desta forma, creio que a maior parte de nós acreditaria em tudo, ou quase tudo, de ruim ou afrontoso que mais contassem sobre o Congresso, ou sobre senadores e deputados. Mas que os governantes não se alarmem. O Congresso não perdeu absolutamente relevância. Ele continua indispensável por várias razões.
Entre elas, aliás, não se encontra a de que, se o presidente Lula tivesse pretensões ditatoriais, a existência de um Congresso seria um obstáculo. De novo estaríamos esquecendo que o presidente é bastante esperto e agora já deve ter visto que é com esse Congresso mesmo que ele faz o que quer. As medidas provisórias são um dos melhores instrumentos já inventados para governar sem contestação e a canetadas, não importa quanto bolodório jurídico as adorne. A famosa governabilidade é uma via excelente para proporcionar oportunidades excelentes de enriquecimento ilícito e outros trambiques, bem como expansão da órbita de influência do contemplado.
Sem o Congresso, estaríamos gastando muito menos e deixando de desbastar o patrimônio de xingamentos, pragas e invectivas insultuosas em que tanto abunda nossa língua, mas ficaria chato para Lula ser presidente de uma República sem representantes do povo (como, espantosamente, ainda são considerados os membros do Congresso, que não costumam representar nada além das próprias algibeiras). Além de não ter o que mostrar para as visitas, ainda seria obrigado a responder a perguntas chatas no exterior. Não, não, sem o Congresso todo o esquema de corrupção, furto, fraude e ladroagem, de todos os níveis, em que se fundamenta nossa vida pública teria que ser revisto e a perda do sem-número de canais e oportunidades que ele proporciona seria inevitável, quiçá irreparável.
Não, senador, o Congresso não é irrelevante, é muita modéstia de quem fala. Não sei por que percentual da Maracutaia Interna Bruta ele é atualmente responsável, direto ou indireto, mas seguramente não se trata de parte desprezível. Talvez seja até uma cifra não passível de cálculo, o Brasil está sempre batendo recordes, é difícil acompanhar. De qualquer forma, senador, Vossa Excelência (por que a gente tem de chamar governante de excelente? por que ele é excelente e não a gente? são indagações da democracia, desculpem, por favor) estava vendo as coisas de uma perspectiva diversa da dos governados.
Estivesse Vossa Excelência do lado de cá, teria percebido que deputado e senador não têm, já de muito, a menor relevância para o povo. Só os apadrinhados, parentes e amigos é que iam sentir, se vocês todos estuporassem fedendo a enxofre, para nunca mais ninguém os ver, que não o Grão-Tinhoso. Querem ver, façam uma pesquisa séria aí. Mas nem isso adianta, melhor penando, porque ninguém mais acredita em nada sério vindo de vocês ou através de vocês. Isso, porém, é com os governados.Para os governantes, o Congresso tem toda a utilidade que esbocei acima e mais alguma. Isto porque quem se tornou irrelevante mesmo foram os cidadãos, aos quais cabe somente pagar impostos para os governantes furtarem ou desperdiçarem e votar para legitimar quem os escorcha e furta.
E o Congresso está compreendendo isso muito bem, porque vem agindo em consonância com novos paradigmas, segundo me contam. Por exemplo, vai implantar novo esquema de relacionamento com a imprensa.Perguntas da imprensa terão que ser encaminhadas às mesas, com um prazo de cinco dias para resposta. Deve ser para dar tempo de esconder algum ato delituoso, dos incontáveis que lá concebivelmente são praticados por segundo, levando-se em conta coisas miúdas, tais como papel, material de escritório, material de informática e uma transadinha ligeira com a namorada, dentro do armário de 30 metros cúbicos construído em jacarandá lavrado para abrigar a obra completa do ex-senador Sibá Machado, essas bobagens.
Só falta, pelo visto, que, no interesse de manter as instituições republicanas na plenitude de seu funcionamento, se proíba a entrada de povo por lá, a não ser em dias de festas, com convites selecionados pela Mesa. Quanto à imprensa, dia nenhum. Mente muito, pode dar o mau exemplo ao Congresso.