domingo, março 15, 2009

ÉLIO GASPARI

Lula plantou sua crise em maio de 2008

Folha de São Paulo - 15/03/09

Lula tomou a decisão que potencializou os efeitos da crise financeira mundial sobre a economia brasileira no dia 1º de maio do ano passado, antes mesmo que o céu começasse a desabar em Nova Iorque. Ele recebeu a notícia de que o Brasil obtivera o “investment grade” da agência Standard & Poor e desistiu de trocar o presidente do Banco Central.

Uma semana antes, havia convidado o economista Luiz Gonzaga Belluzzo para o lugar de Henrique Meirelles. Nos dias seguintes, confessara-se aliviado por ter resolvido um problema. Faltava apenas chamar o presidente do BC ao Planalto para o ritual da despedida. Com a boa notícia vinda de Wall Street (numa época em que ela ainda produzia boas notícias), a troca foi arquivada e, em janeiro, para felicidade da torcida, Belluzzo assumiu a presidência do Palmeiras.

Não se pode dizer o que Belluzzo faria no Banco Central, mas pode-se garantir que derrubaria a taxa de juros. Dias antes do convite de Lula ao professor, o Copom elevara a Selic de 11,25% para 11,75%. Depois de altas sucessivas, em setembro ela chegou a 13,75%. Em outubro, depois da quebra da casa bancária Lehman e da propagação da crise pelo mundo, os sábios do Copom mantiveram a taxa e assim contribuíram para o desastre da contração de 3,6% do PIB no último trimestre do ano. Feito o estrago, a Selic voltou aos 11,25% e continua sendo a mais alta do mundo.

Lula não sabe, mas sua decisão de manter Meirelles e a turma do Copom seguiu o padrão dos erros políticos cometidos no Brasil ao longo dos últimos 50 anos. Ele se explica pela “teoria da goteira”, exposta há tempos pelo economista americano Irving Fisher. O sujeito tem uma telha quebrada que pinga chuva na sala. Sempre que o sofá molha, pensa em fazer o conserto, mas a chuva passa e ele deixa para depois. É o erro do não fazer. Diferente de outro, que resulta da vontade de fazer. Por exemplo: a decisão dos comandantes militares japoneses e do imperador Hirohito para que se levasse adiante o plano de ataque à base americana de Pearl Harbor.

Fernando Henrique Cardoso criou a crise cambial de 1999 um ano antes, quando desistiu de tirar o economista Gustavo Franco da presidência do Banco Central, perseverando na sobrevalorização do real. O Plano Cruzado explodiu no fim de 1986 porque José Sarney não mexeu nos preços congelados antes da eleição. A bancarrota de 1982, na qual o Brasil perdeu a capacidade de honrar seus compromissos externos, começou em 1978, quando Ernesto Geisel persistiu na política de captação de empréstimos externos atrelados à taxa de juros bancários americanos. Eles foram dos 6,8% do tempo das vacas gordas para 19% em 1981. No ano seguinte começou a “Década Perdida”, que durou pelo menos 12 anos.

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Gasolina barata

Os sábios da Petrobras e do Planalto fabricaram um pesadelo. A política de preços altos da estatal fez com que o barril da gasolina ou do diesel importados chegue ao Brasil custando 30% menos. (Nessa conta entram todas as despesas, inclusive frete e impostos.)Se os comissários não fizerem nada, as importações aumentarão e a Petrobras venderá menos. Se decidirem baixar o preço dos combustíveis, o PAC y otros amigos más perderão sua principal fonte de financiamento. Se fecharem a importação, serão acusados de forçar a patuléia a consumir um produto mais caro.

El deportador

Discutindo a deportação dos boxeadores Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, o comissário Tarso Genro disse o seguinte: “Como é que nós íamos manter aqui dois jovens cubanos que queriam sair?”. Ele não gosta de ouvir que eles foram deportados. Pena, porque sua Polícia Federal os fez assinar um termo de deportação. O comissário já fez muitas viagens e sempre voltou ao Brasil porque quis. Em nenhum país fizeram-no assinar um termo de deportação.

O ato foi justificado pelo delegado federal Felício Laterça, chefe da PF de Niterói, com as seguintes palavras: “Eles estão sem documentos. Essa já é causa suficiente para serem deportados”. Ou, nas palavras do agente Alessandre Reis: “Foram considerados ilegais. Nessa condição, a deportação é compulsória”. Se o doutor não gosta do verbo deportar, deve tratar do assunto com seus subordinados. (Isso tudo fazendo-se de conta que o comissário não soube que os dois jovens já fugiram de Cuba, onde haviam virado párias.)

O festim romano dos sonegadores

No fim da tarde de quarta-feira, o deputado Tadeu Filipelli (PMDB-DF) estava na tribuna da Câmara e lia seu parecer sobre a Medida Provisória 449, que alivia os débitos tributários inferiores a R$ 10 mil. Mal começara e foi interrompido pelo presidente da sessão, Inocêncio de Oliveira, informando-o de que o debate prosseguiria às 19 horas, quando seria iniciada uma sessão extraordinária. Essa sessão não houve e o assunto ficou para esta semana.

Quem acompanhou o episódio de longe dificilmente terá percebido o que estava em jogo. Entre a chegada da MP 449 e a elaboração de um novo texto pelos deputados, armou-se uma monstruosidade tributária, festim romano de sonegadores e assalto à Bolsa da Viúva. Aquilo que era um mecanismo de reescalonamento de pequenos débitos e de perdão para os pequenos contribuintes que deviam R$ 10 mil transformou-se numa xepa para todos os caloteiros, de quaisquer quantias. Pela nova redação, quem deve R$ 100 milhões à Receita poderá aderir ao novo sistema e terá todas as multas reduzidas numa escala que vai de 30% a 100%. O sonegador poderá fechar a conta em 15 anos. Tem mais: o governo queria que o saldo devedor pagasse juros da Selic (11,25%). Na nova versão, pretende-se aplicar a TJLP (6,25%). É o moto-perpétuo financeiro. O sujeito sonega, aplica o dinheiro na Selic, paga pela TJLP e ainda sobra algum.

O alívio para quem deve até R$ 10 mil e o parcelamento de pequenos débitos renderiam alguma economia para a Viúva, pois deixaria de gastar com a burocracia da cobrança. Com o festim dos deputados, pode-se estimar que, neste ano, a pancada fique em uns R$ 10 bilhões. Isso sem se levar em conta a avacalhação que o socorro aos sonegadores impõe à máquina da arrecadação federal.

Nestes dias, quando os cidadãos cumprem o dever de apresentar suas declarações de Imposto de Renda à Receita, a Câmara dos Deputados, impulsionada pelos perseguidores da diligência do PMDB, mostra que pagar imposto é programa de otário. O melhor negócio é dever, ir para a praia e esperar o próximo festival.

Proposta: amanhã a liderança do governo vai ao microfone e informa que não vota o substitutivo relatado pelo deputado Filipelli. Que vá ao voto o texto original da MP.

DORA KRAMER

A bossa da conquista

O ESTADO DE S. PAULO - 15/03/09

A cúpula do DEM se reuniu quinta-feira em São Paulo, anunciou que tanto pode apoiar o governador José Serra como pode ficar com o governador Aécio Neves na disputa pela candidatura a presidente em 2010 e foi jantar no Palácio dos Bandeirantes avisando que jantará em breve no Palácio das Mangabeiras.

Deu a impressão de que decidiu primeiro e foi jantar depois para comunicar a resolução.

Como o encontro com Serra estava marcado havia pelo menos sete dias, o mais provável é que o jantar no Bandeirantes não tenha sido fruto de uma decisão partidária unilateral, mas produto de uma estratégia conjunta.

Qual seja a de começar a arrumar o ambiente para a escolha pacífica do candidato da aliança PSDB-DEM e quem mais se disponha a se engajar na campanha presidencial de 2010 no terreno da oposição.

A fim de que o espírito da coisa ficasse patente mesmo, na sexta-feira o presidente do DEM, Rodrigo Maia, tratou de informar que havia se "equivocado" quando manifestou anteriormente preferência pelo nome de Serra.

Providência semelhante tomou o prefeito Gilberto Kassab, anfitrião da reunião de cúpula, cuja predileção pelo mentor de sua eleição ficou reduzida a mera "posição pessoal".

Não é. O DEM continua comprometido com a candidatura de José Serra. Assim como a direção do PSDB, aí incluídos Fernando Henrique Cardoso, Tasso Jereissati e o presidente do partido, Sérgio Guerra.

De novidade, o que aconteceu foi a necessidade de acelerar o início do jogo para valer. Uma, por causa do agravamento da crise econômica, que vai exigir um posicionamento da oposição. Outra, porque a campanha do governo corre solta e sozinha.

Ninguém faz campanha sem organização e não se organiza nada com movimentos isolados e erráticos. Um equívoco, dentro dessa nova percepção da realidade, é tomar o favoritismo do governador Serra como fato consumado.

Reconheceu-se, na seara oposicionista, que o governador de Minas Gerais não pode ser tratado como um dissidente. Não pode deixar de ter reconhecido o seu direito de querer ser candidato, lutar por espaço político e dar uma satisfação ao eleitorado de seu Estado que gostaria de tê-lo como candidato e detestaria vê-lo sendo apresentado pelo próprio partido como mero coadjuvante de um jogo já decidido.

O ex-presidente da República e presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, considera a oposição franca favorita em 2010, mas põe um senão no raciocínio: "Se não fizer grandes besteiras."

Aí é que está, anda fazendo várias, de acordo com avaliações internas. A principal, ausência de unidade e uma atitude compassiva ante os atritos entre aliados de Serra e Aécio.

Ninguém acredita na possibilidade de o governador mineiro sair do PSDB nem na hipótese de ele incentivar conflitos regionais. Mas, se a Aécio não interessa comprar briga com o primeiro colégio eleitoral do País, a Serra não apetece atrair a ira do segundo maior eleitorado. É forte com São Paulo, mas fica fraco sem Minas.

Na interpretação dos oposicionistas, o grande trunfo seria juntar os dois na mesma chapa.

Ideia, aliás, propagada antes da hora, o que pôs Aécio Neves em segundo plano e o desgostou (para dizer de modo ameno) profundamente.

Acionado o freio de arrumação, o roteiro começa do zero com o trabalho de composição entre os pretendentes. O primeiro ponto é elevar o status de Aécio não apenas dentro do partido, mas em todos os atos para fora dele.

Daí o passo inicial ter sido dado pelo DEM, com o recuo tático do apoio explícito a Serra.

Posto em cena o equilíbrio de forças, parte-se para a definição sobre o que fazer: pôr logo os dois blocos na rua ou esperar mais um pouco, antecipar as prévias ou apostar numa escolha sem disputa.

A escolha por meio de eleição prévia não é um desejo genuíno de nenhuma parte. Mas, caso seja a melhor solução - inclusive para Aécio apaziguar seu grupo político -, há disposição de fazer. Se fossem realizadas hoje, seu mais ardoroso defensor perderia a disputa nos diretórios regionais.

Aécio carrega a bandeira porque é a única disponível para quem quer destaque sem abrir guerra contra o governo agora. Além disso, há sempre a expectativa de que um processo de debate interno possa mudar o quadro e a ação do imponderável que o obriga a estar preparado.

Serra aceitou formalmente a proposta para não criar um atrito insolúvel. Aécio disse "eu quero", Serra respondeu "façamos" e a coisa ficou parada por aí.

Até o gesto do DEM na última quinta-feira, aparentemente inspirado no entendimento de Fernando Henrique de que caberia a Serra o passo seguinte. Mas só depois de tudo combinado entre os interessados, Aécio Neves da Cunha incluído.

Mapa

A oposição joga tudo em Minas e São Paulo porque acha que Lula leva no Nordeste e, no Rio, só vê chance se Fernando Gabeira for candidato a governador.

JOÃO UBALDO RIBEIRO


A privacidade num boteco Leblon

O GLOBO - 15/03/09


— Cara, mas isso é nojento. Nojento mesmo.

— É, com certeza. Nojento é pouco.

— Está certo que o sujeito tenha vida pública e fique exposto, mas tudo tem limite. Esse cara passou muito dos limites.

— Que limites? — Os limites da legalidade e da decência! — Ah, sim, claro. Senador ou deputado? — Que senador, não estou falando de nenhum senador.

— De que é então que você está falando? Negócio de limites da legalidade e da decência normalmente é com deputado ou senador.

— Você não estava prestando atenção no que eu falei.

— É, desculpe, de fato me distraí um bocadinho, estou ficando assim com a idade.

— Que coisa, cara, tu até falou “nojento mesmo”, concordou comigo.

— Ah eu falei genericamente. É difícil hoje em dia o sujeito achar uma coisa que não seja nojenta, então eu vou logo concordando. Tudo aqui ficou nojento, concordar não tem perigo.

Mas desculpe, em qual nojentismo você estava falando? — Era nesse caso do delegado Protógenes.

— Um parêntese aqui, antes de você começar a me dizer o que há de nojento no caso dele. Você já notou como deram para aparecer uns nomes estranhíssimos, desde que o Lula assumiu? O sujeito chega a pensar que são extraterrestres.

Mas é tudo muito contraditório.

Esse mesmo não é nome de extraterrestre, tem o som do nome de um filósofo grego pouco manjado. Não sei por quê, agora imaginei um filósofo grego chamado Protógenes. Que é que você acha? Protógenes, o grande filósofo grego pré-socrático, autor da teoria da cacogênese, segundo a qual o ser humano se origina do cocô dos deuses. Taí, esse cara, se não existiu, devia ter existido. Vamos brincar de fazer a biografia dele? Num dos seus fragmentos mais conhecidos, Protógenes, que era ateniense, afirma que Zeus comeu mocotó e aí surgiram os espartanos. Quanto aos...

— Para de esculhambar, cara, ninguém aqui leva nada a sério. É por isso que...

— O que é pra levar a sério, os grampos que ele fez? Onde é que você mora, cara? Pega o jornal ali na banca, que a gente em duas horas, no máximo, grampeia o telefone de quem quiser.

Vê lá, tem um monte de detetives particulares. Todos eles grampeiam telefone numa boa, dizem que não, mas grampeiam. Portanto, é altamente democrático que os poderosos sejam também grampeados.

—Eu acho que não é com esses métodos que se faz justiça.

—Nisso você tem razão, não se faz mesmo. Você já viu alguma gravação levar alguém para a cadeia aqui? De cabeça assim não sei enumerar, mas já cansei de ouvir gravações e até filmagens de gente recebendo suborno em dinheiro vivo, gente transando droga pesada, acho que já vi e ouvi de tudo.

Só não vi acontecer nada a quem foi flagrado. Então qual é a diferença? —Ah, eu não penso assim. O direito à privacidade é sagrado.

—Deixa de ser bobo, cara, isso não existe. Pode ter existido, mas acabou há muito tempo. Cada dia acaba mais. Tem chip pra tudo, pra implantar, pra engolir, pra botar na roupa e assim por diante, você tendo conhecimento ou não. Não manjo muito telefone celular, mas com certeza já apareceram modelos que localizam o aparelho via satélite, ou qualquer coisa assim. Aí o cara atende o telefonema da mulher, diz que está na Avenida Rio Branco, mas ela vê que ele está num motel na Barra.

—Pois é, você já sentiu que estrago isso é? —Que estrago? Uma mão lava a outra, meu filho, no fim tudo se equilibra.

Ou você acha que interessa a todas as mulheres, ou mesmo à maioria, ter um celular assim? Quando o sujeito vai a um a motel, vai com uma mulher, mulher essa... Deixa de ser besta, cara, no fim tudo se equilibra. Na verdade, você me fez desenvolver um raciocínio que eu acho perfeito. O grampeamento geral é um avanço da democracia, todo mundo sabendo dos podres de todo mundo. Vai ser, inclusive, um alívio geral.

O deputado terá certeza de que todo mundo é testemunha de que ele é um ladrão descarado e então não precisará se desgastar, alegando pureza e inocência. Ele simplesmente dirá “sou, mas quem não é?” e a maioria vai ter de botar o rabo entre as pernas e calar a boca. Não, não, meu amigo, eu acho que, se o Protógenes fez o que dizem mesmo, está prestando um grande serviço à nação, vamos finalmente nos ver como realmente somos, grande Protógenes, encontrou a chave para compreendermos nossa identidade.

—Tu tá é de porre, cara.

—Um brinde ao Protógenes! Aos dois Protógenes! Cara, depois falam que o boteco não é um manancial de cultura e sabedoria. Esse cara devia ser canonizado, livrou um país inteiro da necessidade de ser hipócrita, São Protógenes do Grampo, o Grande Equalizador. Vamos saber agora por que, com um povo tão honesto, só os políticos são desonestos.

— Tu tá é delirando, cara.

—O mesmo disseram de Colombo e Pasteur, eu sei de que estou falando, pode ficar com seu moralismo obsoleto aí. Me diz uma coisa, o que é que tu acha que Tupã comeu antes de os brasileiros aparecerem?