Diogo Mainardi
Sob o domínio de Travis
"Quando leio sobre Lula, Travis, o chimpanzé
– um Travis, o chimpanzé, metafórico –, pula
em cima de mim e começa a arrancar nacos
de meu rosto com os dentes"
O enredo da Beija-Flor é sobre o banho. Lula é Beija-Flor. Decidi permanecer alguns dias sem tomar banho. Até quando? Quarta-Feira de Cinzas.
"No chuveiro da alegria, quem banha o corpo lava a alma na folia."
Para mim, nada de banhar o corpo. Para mim, nada de folia.
O meu arrebatamento patriótico – o meu ímpeto transformador – arrefeceu-se tremendamente nos últimos tempos. Reduziu-se a isto: a um protesto aleatório, ocasional, arbitrário, isolado, insensato, ineficaz, melancólico. E, no caso dessa dispensa do banho, profundamente desumano com meus familiares.
Apesar de tudo, continuo a ler sobre Lula. Quando isso acontece – e acontece diariamente –, eu me sinto como Charla Nash. Sim, Charla Nash: aquela pobre americana que foi brutalmente agredida por Travis, o chimpanzé. É o que ocorre comigo: quando leio sobre Lula, Travis, o chimpanzé – um Travis, o chimpanzé, metafórico –, pula em cima de mim e começa a arrancar nacos de meu rosto com os dentes. Depois do incidente, Sandra Herold, amiga de Charla Nash e dona de Travis, o chimpanzé, declarou que o animal era como um filho para ela. Eu, dilacerado por aquela irracionalidade primata, com o rosto desfigurado – metaforicamente desfigurado –, como posso reagir? Posso comer um pudim. Posso marcar uma consulta com o dentista. Posso dormir. Posso me recusar a tomar banho.
Barack Obama – continuo a ler sobre ele, assim como continuo a ler sobre Lula e sobre Travis, o chimpanzé – diria o seguinte a Charla Nash: "Vai piorar antes de melhorar". O que seria um tema perfeito para o samba-enredo da Beija-Flor no ano que vem. Obama está certo. Depois de passar um bom tempo mordendo Charla Nash, Travis, o chimpanzé, foi abatido por policiais. Piorou para ela, antes de melhorar. E também vai piorar no nosso caso, antes de melhorar.
Em 2010, Lula sairá de cima de nós. A imensa carga de irracionalidade com a qual ele acometeu a política poderá ser abatida. Ele já designou sua herdeira, Dilma Rousseff. Ela se apresentou ao eleitorado como a Ugly Betty da luta armada – ou, segundo o original colombiano, a Betty La Fea da luta armada: a secretária meticulosa e dedicada ao chefe, que um dia tira os óculos, tira o aparelho dos dentes, tira a franja e tira as rugas, atingindo o sucesso e encontrando o grande amor.
O campo para o nosso arrebatamento patriótico e para o nosso ímpeto transformador restringiu-se cada vez mais. Só sobraram uns gestos marginais, como a recusa em tomar banho. Perdemos a luta contra Lula, mas daqui a algum tempo, com o rosto roído e comido, já vai dar para ligar o chuveiro.