De volta à planície depois do discurso de posse de Barack Obama celebrando a tolerância, a coragem, a honestidade, a lealdade e o patriotismo entre outros valores caros à humanidade, Brasília nos oferta a volta de Renan Calheiros à cena, por intermédio do ex-presidente (da República, do Senado, da Arena, do PDS) José Sarney.
É de se perguntar: é tudo o que o Parlamento tem a oferecer ao cidadão brasileiro? Duas décadas e tanto de democracia plena e consolidada, inserção do Brasil na economia global, quebra de monopólios, ampliação do acesso a bens e serviços, formação de uma sociedade mais crítica, provas institucionais vencidas com louvor, nada parece afetar a firmeza do anacronismo na política.
Aquela velha esperteza do vai não vai, do dito pelo não dito, do jogo de simulações, ainda é saudada como demonstração de grande habilidade, digna de louvor e reconhecimento, quando se trata, na realidade, de um legítimo monumento à obsolescência.
O problema não é a pessoa do senador José Sarney, mas o uso que ele aceita que se faça da figura de um ex-presidente da República de reconhecido valor pelo papel exercido na transição democrática, com dotes de moderação e equilíbrio que já prestaram bons serviços ao País.
Não é admissível que agora se ponha a serviço de um senador envolvido em denúncias graves, obrigado por causa delas a renunciar ao mandato de presidente do Senado e salvo da cassação por conta da indulgência de seus pares e pelo que há de mais arcaico na política brasileira: a conjugação do fisiologismo com o corporativismo.
O senador Sarney desponta - faltando mais de 10 dias para a eleição - como o favorito. É bem possível que venha a se eleger porque conta com a maioria dos votos de seu partido, o PMDB, e até agora com a reverência de boa parte da oposição, DEM e PSDB.
Nem tucanos nem democratas ignoram os fatos subjacentes à alegação formal de que, sendo a maior bancada, o PMDB tem todo o direito de reivindicar a presidência da Casa.
Sabem muito bem que o jogo se dá em torno de uma disputa de hegemonia dentro do PMDB entre o grupo que durante o primeiro mandato de Lula prevaleceu na condução dos negócios governamentais do partido sob o comando de Renan e Sarney e a ala que aderiu na reeleição, sob a liderança de Michel Temer e Geddel Vieira Lima.
Ambos os lados lutam pelo lugar de interlocutor privilegiado deste e do próximo governo. PSDB e DEM confrontaram Renan Calheiros e o exortaram a deixar a presidência do Senado, imagina-se que convencidos da veracidade das denúncias que o atingiam.
Como ficam diante da sociedade emprestando os respectivos apoios à volta do canto da antiga musa? Darão o dito pelo não dito? Dirão que não sabiam dos detalhes? Alegarão que a História absolveu Renan Calheiros? Neste caso, ficam devendo desculpas ao senador por tudo o que disseram dele naqueles terríveis meses de 2007, da denúncia até a renúncia.
Oficialmente, justificam que não é politicamente interessante para a oposição dar ao PT a presidência do Senado em período pré-sucessão. Paralelamente apostam no rompimento da aliança PT-PMDB, se incentivarem o apoio a Sarney contra o petista Tião Viana, pondo em risco a eleição do presidente do PMDB, Michel Temer, para a presidência da Câmara.
Estrategistas de fancaria. Ou dissimulados, porque ainda que o mundo se acabe, o PMDB não romperá com o governo faltando dois anos, cinco ministérios, presidências e diretorias de estatais para terminar o mandato de Lula.
Reserva técnica
Pelo balanço que exibiu a carruagem, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, jamais foi de fato candidato à reeleição.
Esteve para a candidatura de José Sarney mais ou menos como a ministra Dilma Rousseff está para o campo governista na sucessão de 2010.
Em domicílio
Consta que o governador Aécio Neves ficou aborrecido com o governador José Serra por causa da nomeação do ex-governador Geraldo Alckmin, agora secretário estadual de Desenvolvimento.
A razão, segundo as versões correntes, residiria na frustração da expectativa de Aécio de ter em Alckmin um arrimo na luta interna pela legenda do PSDB à Presidência da República.
Mas a razão - no sentido de racionalidade - não sustenta a possibilidade de Aécio de fato esperar que Alckmin possa apoiar um candidato de Minas em detrimento de um nome paulista.
O mesmo compromisso com o eleitor de origem que faz Aécio se apresentar como candidato levaria Alckmin necessariamente a ficar, no máximo, neutro. A menos que estivesse pensando em mudar de domicílio eleitoral.
Só que o primeiro a saber disso é o próprio Aécio Neves, cujos aliados, ao transmitir a insatisfação do governador com a cooptação de Alckmin, devem estar querendo passar outra mensagem. Por ora indecifrável. |