quarta-feira, dezembro 23, 2009

SEBASTIAN MALLABY

China, a pedra no sapato do Brasil

O Estado de S. Paulo - 23/12/2009


O Brasil é o país do momento, o cadinho onde se mesclam quase 200 milhões de pessoas. Nesta democracia pujante, cujo presidente desfruta de enorme popularidade, a pobreza está diminuindo rapidamente. Recentemente, o País saiu vencedor no sorteio para escolher a sede da Copa do Mundo de futebol e as Olimpíadas de 2016. Missões diplomáticas brasileiras estão sendo abertas no mundo todo. Sua economia foi uma das últimas a sofrer os efeitos da crise internacional e uma das primeiras a livrar-se dela. E, no entanto, as realizações do Brasil são vulneráveis. Para preservar seu maravilhoso sucesso, o Brasil talvez precise apelar para algo que assusta seus diplomatas: um confronto com a China.

A vulnerabilidade do Brasil está relacionada à sua moeda, o real, que no ano passado teve uma valorização de 33% em relação ao dólar. Uma nova elevação poderá prejudicar os exportadores e tornar impossível para os produtores nacionais concorrer com importações baratas, comprometendo a vitalidade, que é o pressuposto básico do milagre brasileiro. Aliás, uma nova valorização parece bastante possível e as forças que impulsionam o real não deverão se reverter.

O primeiro motivo é a fragilidade da economia dos Estados Unidos, que faz com que o Federal Reserve (Fed, banco central americano)mantenha baixas as taxas de juros, induzindo o capital a procurar retornos maiores em outros países. O Brasil é um dos favoritos: suas taxas de juros são altas e as condições financeiras inspiram confiança.

Segundo a maioria das agências responsáveis pelas previsões, a recuperação dos EUA continuará lenta no futuro próximo. Portanto, a lógica da redução das taxas de juros americanas provavelmente não mudará, e a pressão para a valorização do real deve se manter.

O segundo elemento que empurra o real para cima é a China. Se a sua lógica econômica predominar, o real cairá em relação ao yuan chinês: a China tem um enorme superávit da conta corrente, enquanto o Brasil tem um déficit. Mas no ano passado a China voltou a atrelar sua moeda ao dólar, de modo que o yuan seguiu o dólar na queda, comprometendo a capacidade do Brasil de competir com os produtores chineses.

Ao mesmo tempo, o yuan, ilogicamente fraco, afeta os produtores de outros países, encorajando os bancos centrais a manter baixos os juros e atraindo mais capital para o Brasil. Essa pressão da China provavelmente aumentará com a economia chinesa.

O que o Brasil pode fazer para que sua moeda não continue se valorizando? Pode cortar as taxas de juros para frear o ingresso de dinheiro, mas a economia do Brasil está aquecida e a redução das taxas de juros ativaria a inflação. Poderia combater o ingresso de capitais por meio de impostos - e já experimentou esta opção -, mas essas restrições tendem a vazar como guarda-chuva furado. Poderia intervir no mercado de câmbio, vendendo reais e comprando dólares, mas a escassa poupança brasileira ficaria amarrada a uma moeda (dólar) que está se desvalorizando. Ou o Brasil poderia proteger a sua indústria com tarifas, mas o protecionismo provocaria um ciclo de retaliação.

A verdade desconfortável é que os instrumentos de que o Brasil dispõe não são suficientemente fortes para impedir que sua moeda ponha em risco o seu sucesso. E a diplomacia? Pedir aos EUA que subam suas taxas de juros e tirem a pressão do real seria uma medida destinada ao fracasso. Com o desemprego americano em torno de 10% e com mais 7% da força de trabalho obrigada a aceitar empregos em tempo parcial, o Fed não elevará as taxas de juros para salvar o Brasil de sua situação difícil.

Resta a opção de uma conversa com a China. Ao contrário do Fed, o banco central chinês tem boas razões para elevar as taxas de juros e abandonar o dólar, a moeda em declínio à qual o yuan está atrelado.

Essa situação distorce a economia chinesa, levando a nação a acumular enormes reservas em dólares que estão destinadas a se desvalorizar.

Além disso, a liderança política chinesa passou por cima dos tecnocratas que gostariam de modificar a âncora cambial e ignorou os apelos dos EUA e da Europa. Mas talvez se mostrem mais abertos aos argumentos de uma economia emergente e bem-sucedida como o Brasil, principalmente se os brasileiros conseguirem o apoio de outros membros do Grupo dos 20 (G-20).

Infelizmente, o Brasil hesita em argumentar com a China. Seus diplomatas valorizam a solidariedade entre as nações emergentes do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), mesmo que essa solidariedade possa ameaçar o crescimento no qual se baseia a posição brasileira no Bric. E, por enquanto, o aperto monetário do Brasil não é suficientemente grave para pedir ajuda. Sua economia deverá crescer respeitáveis 3,5%, aproximadamente, no próximo ano, e, nos últimos tempos, o Brasil tem apresentado resultados tão bons que parece não ter tempo de se preocupar com os problemas.

Recentemente, em São Paulo, quando os brasileiros festejavam o fim do campeonato de futebol, ladrões penetraram no prédio de uma empresa de carros fortes por meio de um túnel escavado anteriormente e explodiram um cofre, levando quase US$ 6 milhões. Os seguranças da empresa ouviram a explosão, mas não fizeram nada, achando que eram torcedores comemorando um gol com fogos de artifício mais potentes.

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