sábado, dezembro 05, 2009

MERVAL PEREIRA

Ambigüidades

O GLOBO - 05/12/2009

O presidente Lula apenas repetiu o seu pensamento original sobre o tema quando disse, na Alemanha, que Estados Unidos e Rússia só teriam moral para exigir que o Irã não fabrique armas nucleares se abrissem primeiro mão de seus próprios arsenais.
Quando candidato já favorito, na campanha da eleição presidencial de 2002, Lula, em um debate promovido por militares, provocou grande polêmica e teve que voltar atrás quando criticou a adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e, numa referência direta aos países desenvolvidos, afirmou que o acordo só teria sentido se todos deixassem de usar armas nucleares.

Se a posição de Lula já estava equivocada naquela ocasião, agora ainda mais, quando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no início do ano em Praga, reafirmou a proposta de um mundo “sem armas nucleares”, que havia lançado na campanha presidencial.

O tratado vigora desde 1970, veta pesquisas para a produção de bombas atômicas, e foi assinado por 187 dos 190 países da ONU, mas ratificado por menos da metade.

O Irã foi um dos primeiros a assinar, ao tempo do governo do xá Reza Pahlevi, mas, a partir da Revolução Islâmica, em 1979, passou a descumpri-lo e a ser alvo de pressões internacionais.

Com o fim da Guerra Fria, Estados Unidos e Rússia vêm em processo de negociação para a redução do arsenal nuclear e, na Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), em 2000, houve acordo sobre medidas de desarmamento nuclear pelas potências atômicas, mas os ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 fizeram com que o assunto sofresse um retrocesso.

As críticas à adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, somente formalizada no governo de Fernando Henrique Cardoso em 1998, têm no embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, novo ministro do Planejamento Estratégico do governo e exsecretáriogeral do Itamaraty, um de seus porta-vozes históricos e vêm provocando polêmicas permanentes.

Já no início do primeiro governo, o então ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, do PSB, em uma entrevista a um repórter da BBC, disse que o Brasil não podia renunciar a nenhum conhecimento tecnológico, nem mesmo sobre a bomba atômica.

A defesa da integração militar na América do Sul foi tema de uma palestra do então ministro da Casa Civil da Presidência, José Dirceu, em uma reunião internacional em Campos do Jordão, também no início do governo Lula.

Não falou na questão nuclear, mas citou China, Índia e Rússia como exemplos de países que impõem suas presenças no cenário mundial também pelo poderio militar, sendo que o Brasil é, dos Brics, o único que não tem armas nucleares.

Há cerca de dois anos, o então secretário de Política, Estratégia e Relações Internacionais do Ministério da Defesa, general-de-Exército José Benedito de Barros Moreira, defendeu em um programa de televisão que o Brasil desenvolva a tecnologia necessária para a fabricação da bomba: “Nós temos de ter no Brasil a possibilidade futura de, se o Estado assim entender, desenvolver um artefato nuclear.

Não podemos ficar alheios à realidade do mundo.” O descumprimento do TNP ocorreria, segundo ele, no caso hipotético de um país vizinho fabricar a bomba ou “no momento em que o Estado se sentir ameaçado”.

Poucos países dominam a técnica de enriquecer urânio: EUA, Rússia, China, França, Alemanha, Holanda e Inglaterra. O Brasil também está entre eles. Já tivemos problemas com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que, anos atrás, já no governo Lula, quis impor novas regras para a inspeção em Resende, uma fábrica semi-industrial que, em alguns anos, deve produzir o urânio necessário para o funcionamento das duas usinas de Angra e da terceira que virá a ser construída.

As instalações de Aramar hoje estão sob salvaguardas da AIEA, e as de Resende estão sendo negociadas. Lá se utiliza uma centrífuga especial para enriquecimento de urânio que o governo brasileiro protege por ser uma técnica pioneira.

O que o presidente Lula deveria fazer é ressaltar o exemplo da nova administração americana e levar ao Irã essa postura. É inexplicável essa defesa do programa nuclear do Irã, que o mundo está criticando.

O Brasil sempre foi a favor da redução das armas nucleares; incluímos na Constituição de 1988 que o país não terá armas nucleares.

O comentário do presidente Lula deixa implícito que o Irã e outros países têm o direito de ter armas nucleares, pois Estados Unidos e Russia têm. Essa posição é contrária ao consenso internacional, que vê no programa nuclear iraniano características claras de beligerância.

Quem faz usinas nucleares secretas e se recusa a inspeções dos organismos internacionais não está fazendo um programa de utilização pacífica da energia nuclear.

O objetivo mais óbvio da posição brasileira é ter o apoio do Irã para sua reivindicação de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas essa explicação não resiste à lógica, já que, com essa atitude, o Brasil perde o apoio dos países que têm poder de veto, inclusive e, principalmente, os Estados Unidos.

A proximidade com a Venezuela, que já propôs um programa nuclear conjunto, e com o próprio Irã, e as declarações de autoridades diversas, civis e militares, não ajudam nossa confiabilidade internacional, que historicamente é boa.

Posições como a injustificada defesa do programa nuclear do Irã, em vez de usarmos a eventual influência que tenhamos para convencer aquele país a se submeter às inspeções internacionais, só colocam ambiguidade na retomada do projeto nuclear brasileiro, que oficialmente tem fins pacíficos e é sujeito a inspeções internacionais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário