segunda-feira, dezembro 28, 2009

JOSEPH E. STIGLITZ

Muito grande para viver

O Globo - 28/12/2009


Uma controvérsia global está tomando forma: que novas regulamentações são necessárias para restabelecer a confiança no sistema financeiro e assegurar que uma nova crise não venha a eclodir alguns anos à frente? Mervyn King, presidente do Banco (central) da Inglaterra, defende restrições no tipo de atividade que os megabancos podem realizar. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, diverge: afinal, o primeiro banco britânico a falir — a um custo de US$ 50 bilhões — foi o Northern Rock, que estava engajado nos negócios com hipotecas.

O que Brown quer dizer é que tais restrições não impedirão que haja nova crise; mas King está certo ao defender que bancos muito grandes para falir sejam monitorados. Nos EUA, na Grã-Bretanha e em outros lugares, o resgate de grandes bancos respondeu pela maior parte da carga sobre os contribuintes.

Os EUA deixaram 106 bancos menores quebrarem este ano. São os megabancos que representam os megacustos.

A crise é o resultado de pelo menos oito falhas distintas, mas relacionadas: — Bancos grandes demais para falir têm incentivos perversos; se jogam e ganham, ficam com o lucro; se perdem, o custo é do contribuinte.

— Instituições financeiras são muito entrelaçadas para falir; a parte do AIG que custou aos contribuintes americanos US$ 180 bilhões era relativamente pequena.

— Mesmo no caso de bancos pequenos, se eles se usam o mesmo modelo (dos grandes), seu comportamento pode ampliar o risco sistêmico.

— Estruturas de incentivo dentro dos bancos são concebidas para encorajar comportamentos com visão de curto prazo e a aceitação de riscos excessivos.

— Ao calcular seu próprio risco, os bancos não consideram as exigências que imporiam aos demais; e esta é uma das razões pelas quais precisamos de regulamentação.

— Os bancos trabalharam mal no cálculo dos riscos — os modelos que estavam usando eram tremendamente falhos.

— Os investidores, aparentemente menos informados sobre o risco do excesso de alavancagem do que os bancos, pressionaram muito as instituições para que assumissem riscos excessivos.

— Reguladores, que deveriam entender tudo isso e prevenir ações que aumentem o risco sistêmico, falharam.

Também eles usavam modelos furados e incentivos falhos; muitos deles não entenderam o papel da regulamentação; e muitos foram cooptados por aqueles a quem deveriam estar monitorando.

Se pudéssemos ter mais confiança em nossas instâncias regulatórias, poderíamos ficar mais relaxados sobre todos os demais problemas. Mas reguladores e supervisores são falíveis, o que torna necessário que ataquemos os problemas por todos os lados.

A regulamentação tem seu custo, é claro, mas as despesas de uma estrutura regulatória inadequada são enormes. Não fizemos o bastante para prevenir outra crise, e os benefícios de reforçar a regulamentação ultrapassam largamente os custos.

King está certo: bancos que são grandes demais para falir são grandes demais para existir. Se continuarem a existir, deverão fazê-lo na forma que às vezes é chamada de modelo de serviço público, significando que serão pesadamente regulados.

Em particular, permitir aos bancos continuar engajados no comércio de bens é algo que distorce os mercados financeiros. Por que se permitiria que eles jogassem, com os contribuintes arcando com suas perdas? Quais são as “sinergias”? Elas podem ultrapassar os custos? Alguns grandes bancos estão agora envolvidos numa maior parcela de comércio, suficientemente grande (por conta própria ou em nome de seus clientes), de forma que, na verdade, dispõem da mesma vantagem injusta que a de qualquer negociante com acesso a dados confidenciais.

Isto pode gerar lucros mais altos para eles, mas às expensas de outros.

É um campo de jogo desfavorável para pequenos jogadores. Quem não iria preferir um credit default swap garantido pelos EUA ou o governo britânico? Não admira que instituições grandes o bastante para falir dominem este mercado.

Uma das coisas sobre a qual os economistas concordam hoje em dia é que incentivos fazem a diferença. Altos executivos dos bancos são recompensados por lucros mais altos — sejam eles resultado de melhor desempenho (acima do mercado) ou de maior exposição ao risco (maior alavancagem).

Ou estavam fraudando acionistas e investidores, ou não entendiam a natureza do risco e recompensa. Possivelmente, ambos. De qualquer modo, isto é desencorajador.

Dadas a falta de entendimento dos riscos pelos investidores e as deficiências na governança corporativa, os banqueiros não foram estimulados a desenvolver uma boa estrutura de incentivos. É vital corrigir tais falhas — no nível organizacional e da gerência individual.

Isto requer desmembrar instituições muito importantes para quebrar (ou muito complexas para consertar).

Onde isto não for possível, será necessário restringir decisivamente o que podem fazer e impor taxas mais elevadas e exigências de adequação do capital, ajudando a nivelar o campo de jogo. O diabo, é claro, está nos detalhes — e grandes bancos farão o que puder para assegurar que quaisquer novas taxas sejam pequenas o bastante para não ofuscar as vantagens obtidas a partir do apoio recebido com dinheiro dos contribuintes.

Mesmo se a estrutura de incentivo dos bancos for adequadamente consertada, eles ainda representarão um grande risco. Quanto maior o banco, maior a ameaça a nossas economias e nossas sociedades. Não são matérias preto no branco: quanto mais limitarmos o tamanho, mais relaxados podemos ficar sobre este e outros detalhes da regulamentação.

É por isso que King, Paul Volcker, a Comissão da ONU de Especialistas na Reforma do FMI e um número de outros estão certos quando defendem conter os grandes bancos. É preciso um approach múltiplo, incluindo impostos especiais, mais exigências em termos de capital, supervisão mais estrita e limitação do tamanho dos bancos e das atividades que os exponham a riscos.

Tal estratégia não evitará outra crise, mas poderá torná-la menos provável e menos gravosa, se ela vier a ocorrer

JOSEPH E. STIGLITZ é economista.

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