segunda-feira, dezembro 14, 2009

FERNANDO ABRUCIO

Nossa Política
Revista Época


Salvem Brasília da máfia que a governa


Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

A discussão sobre o “escândalo do panetone” não tem tocado na verdadeira causa da tragédia política brasiliense. Todos aqueles vídeos não podem ser explicados apenas por falhas das instituições brasileiras. Brasília, com exceção da gestão de Cristovam Buarque, tem sido governada por uma máfia que a domina desde que a capital ganhou independência política. O pior é que esses “donos do poder” local têm sua força ligada a três fortes instrumentos de poder.

O primeiro diz respeito à enorme parcela de recursos federais que o Distrito Federal recebe. Com esse acréscimo substancial em seu orçamento, o governador pode fazer os gastos básicos sem se preocupar muito com o desgaste de cobrar mais tributos dos brasilienses. Também tem condições de aumentar a política clientelista para as cidades satélites e, mais recentemente, elevar as despesas com obras viárias para o conforto das pessoas do Plano Piloto. É o melhor dos cenários para qualquer governante: não há restrição orçamentária forte e é possível conseguir mais dinheiro de outro nível de governo.

Nessa situação, o governo federal fica numa posição muito difícil. Isso porque as principais instituições nacionais estão em Brasília, e o bom funcionamento do Plano Piloto é uma salvaguarda à governabilidade. Paradoxalmente, conseguiu-se isolar tanto o território brasiliense daquilo que é efetivamente o Brasil – inclusive até do entorno da cidade – que se produziu uma verdadeira “bolha de plástico”, um mundo político autista em relação à sociedade.

A situação financeira privilegiada garantida pela União é acompanhada por uma enorme autonomia político-administrativa. Novamente, é o melhor dos mundos para um governante, porque ele aumenta seus instrumentos de poder sem precisar ser mais responsável perante as fontes dos recursos. O governador de Brasília é um chefe do Executivo quase sem a obrigação de prestar contas a quem lhe sustenta. É um cenário perfeito para máfias e caçadores de renda pública dominarem o Estado.

Pode parecer impossível, mas há oito anos o Espírito Santo estava na mesma situação – e hoje prospera O segundo fator que favorece os “donos do poder” brasiliense refere-se à formação do eleitorado local. Esse aspecto envolve dois processos. Um deles é que, em Brasília, o Estado não só veio antes da comunidade politicamente organizada, como grande parte da sociedade depende do governo para sobreviver. Isso enfraquece a ideia de cidadania. Tal situação também aparece noutras capitais pelo mundo, que enfrentam dificuldades semelhantes do ponto de vista democrático. Mas nenhuma delas tem a autonomia do Distrito Federal.

O grande diferencial da capital brasileira em termos eleitorais está noutro aspecto. A maior parte do eleitorado vive nas cidades-satélites, em regiões que cresceram incentivadas pela distribuição de terras e outras prebendas para a população local, formada por gente que migrou para fugir da pobreza. A construção desse rebanho eleitoral foi feita por políticos que têm dominado a política brasiliense. O governo Arruda está repleto de lideranças vinculadas a esse grupo, e a Câmara Distrital mais ainda. Novos líderes têm surgido com outras vinculações sociais, mas eles não são hegemônicos. Quem quiser ganhar a eleição de 2010 terá de conquistar a clientela criada pela máfia de Roriz e companhia.

Para completar o quadro do poder, o grupo que domina Brasília é ligado às principais atividades econômicas mercantis da cidade. Mais particularmente à área da construção civil, em aliança com setores cujo maior cliente é o Estado. A importância deles começa no quase monopólio do financiamento de campanha e termina nas obras e serviços públicos. Completa-se aí o ciclo que vai gerar a corrupção e o jogo de chantagens que vigora na relação entre os Poderes.

A alteração desse quadro passa por mudanças profundas no sistema político brasiliense. Pode parecer impossível, mas cabe lembrar que o Espírito Santo estava, há oito anos, na mesma situação. O governador Paulo Hartung teve coragem de enfrentar a máfia que estava incrustada no Estado e encontrou apoio para isso. Quem pode, em Brasília, como regente e com apoio político-social, cumprir esse papel?

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