sábado, dezembro 12, 2009

CLÓVIS ROSSI

De vira-latas a megalomaníaco

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/12/09


Brasil, impotente no próprio quintal, quer ser potência na cúpula de Copenhague e no conflito do Oriente Médio

É INEGÁVEL que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi relevante para que o Brasil espantasse o complexo de vira-lata que Nelson Rodrigues via incrustado n'alma do brasileiro. Pena que o seu governo tenha trocado esse complexo pela megalomania, sem nem sequer passar por algum estágio intermediário mais consentâneo com a realidade do poder brasileiro.
O mais recente exemplo de megalomania está em frase do presidente durante comício em Recife na quarta-feira: "Copenhague só vai ser o que vai ser porque o nosso querido país teve a coragem de, há um mês, apresentar as metas que apresentamos", afirmou.
Ninguém sabe ainda o que Copenhague vai ser, mas o próprio Lula já havia descartado, apenas uma semana antes, que de lá saísse o acordo de seus sonhos.
Portanto, o que fez "o nosso querido país" não diz grande coisa. De mais a mais, qualquer pessoa que não tenha perdido completamente o senso de proporção sabe que Copenhague, saia o que sair de lá, será o produto de um equilíbrio entre os lobbies empresariais, sindicais e de ONGs, além das necessidades político-eleitorais dos líderes dos principais atores participantes, Brasil inclusive, mas não apenas nem principalmente o Brasil, ao contrário do discurso de Lula.
Qualquer pessoa que tenha mantido o sentido comum sabe igualmente que um acordo "dos sonhos" depende principalmente de Estados Unidos e China, seja qual for a posição do "nosso querido país".

Próprio quintal
De resto, nem seria preciso o caso Copenhague para que ficassem notórios os limites da pátria. O Brasil não conseguiu resolver nem um só dos problemas que surgiram em seu próprio quintal nos últimos tempos, mas ainda assim se anima a querer resolver o problema do Irã e o do Oriente Médio.
O Brasil gritou contra o acordo Colômbia/Estados Unidos que permite o uso de bases colombianas por militares norte-americanos. Exigiu "garantias por escrito" de que as bases não seriam usadas para ações fora da Colômbia. Nem os EUA nem a Colômbia deram nem bola nem garantia por escrito.
O Brasil condenou o golpe de Estado em Honduras e exigiu a volta de Manuel Zelaya ao poder. Não conseguiu nem mesmo um salvo-conduto para que Zelaya deixasse a embaixada brasileira rumo ao México, em vez de rumo ao poder. Mas o episódio que mais recomendaria que a diplomacia brasileira evitasse cenas explícitas de megalomania é anterior.
Trata-se da crise das "papeleras", as fábricas de celulose construídas no Uruguai, junto à fronteira com a Argentina, episódio que levou ao rompimento de relações entre o casal Néstor e Cristina Kirchner e o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez.
São vizinhos do Brasil, sócios do Mercosul, projeto prioritário da diplomacia brasileira -e nem assim o Brasil conseguiu mediar o conflito que se arrasta há anos. Qualquer pessoa de bom senso diria que é infinitamente mais fácil resolver o problema de uma "papelera" do que o conflito bíblico entre árabes e judeus. Mas megalômanos não costumam ter bom senso.

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