quarta-feira, novembro 11, 2009

MIRTO FRAGA

Colocando os pontos nos is

Correio Braziliense - 11/11/2009


Está em debate a concessão, pelo Ministério da Justiça, de status de refugiado a Cesare Battisti. A concessão tranca a ação? É bem mais simples do que parece: nós estamos numa democracia; temos Constituição e leis. O MJ não tem poderes arbitrários. Seu ato, concedendo o refúgio, não é discricionário. Ao contrário. É um ato administrativo vinculado e está sujeito à observância das leis e ao crivo do Supremo Tribunal Federal (STF), já que nenhum ato vinculado está imune à apreciação da Justiça. Logo, será o STF o juiz da questão: decidirá, preliminarmente, se a concessão de refúgio foi legal. Em caso positivo, encerrará o processo de extradição. Mas, se concluir pela ilegalidade da concessão, o processo extradicional seguirá seu curso. Em síntese: o STF dará a última palavra.

Outra questão também merece reflexão. Tem se dito que o presidente da República não entregará Battisti às autoridades italianas, ainda que o STF julgue legal e procedente o pedido. Poderá fazê-lo?

Em primeiro lugar, há que registrar-se que a concessão da extradição é um ato de governo, embora subordinado ao exame de legalidade e procedência pela Justiça do país requerido. O governo não age discricionariamente; só pode entregar o extraditando ao Estado estrangeiro se o STF, depois de regular processo, concluir que a extradição é legal e procedente.

Em seguida, há que distinguir-se entre a obrigação convencional (baseada em tratado) e a discrição governamental. Quando dois Estados firmam tratado, eles se obrigam a entregar, um ao outro, sempre que houver solicitação, pessoas procuradas pela Justiça do Estado requerente, mas desde que os órgãos jurisdicionais do Estado requerido decidam pela sua legalidade e procedência. Não havendo tratado, a extradição é facultativa e pode, inclusive, ser indeferida, sumariamente pelo governo, sem qualquer exame do Judiciário.

Há tratado de extradição entre Brasil e Itália. O presidente da República é a autoridade que mantém relações com Estados estrangeiros. Sua vontade em entregar, quando solicitado, quaisquer estrangeiros à Itália, já se manifestou na promulgação do tratado assinado.

A extradição pode ser instrutória (processo ainda em curso no país de origem) e executória (já há condenação a ser cumprida). Questões discutidas no processo penal italiano não são examinadas pela Justiça brasileira. A defesa do estrangeiro só se prende a aspectos de legalidade e procedência do pedido e à identidade do extraditando (ser ou não ele a pessoa procurada).

No caso Battisti, a extradição foi requerida com base em um tratado firmado entre os dois Estados (é, pois, obrigatória) e tem como objetivo a entrega do estrangeiro a seu país para que ali ele cumpra pena (é executória) já imposta pelos tribunais italianos. A vontade do presidente da República já foi manifestada, obrigando-se, no tratado, à entrega, desde que o STF julgue legal e procedente o pedido. O direito é lógico e racional e, dentro desses princípios, deve ser interpretado. Não há que falar numa segunda manifestação. E se a decisão for pela legalidade e procedência, o Brasil não pode, sob pena de violar o tratado, deixar de entregar o extraditando ao Estado requerente.

O presidente da República é a autoridade maior do país. Mas, nem por isso está isento de seguir as leis, de observar os tratados internacionais e, sobretudo, de respeitar, cumprir e fazer cumprir as decisões dos tribunais. O atual ocupante do Palácio do Planalto é um cidadão que viveu situações difíceis e, por méritos próprios, atingiu o mais alto patamar da hierarquia brasileira. Tem conhecimento, tem vivência, graduou-se na escola da vida. Sabe das consequências de seus atos. Não creio que venha a fazer o que dizem ser intenção dele. Não maculará sua passagem pela Presidência. Um ato como o que se diz ter ele a intenção de fazer só é admissível numa ditadura, quando o governante sobrepõe sua vontade às decisões emanadas de outros Poderes constituídos.

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