sábado, novembro 14, 2009

MERVAL PEREIRA

Plutocracia

O GLOBO - 14/11/09

A tendência de realizarmos uma campanha polarizada entre o PT e o PSDB, com uma definição já no primeiro turno, como seria de gosto tanto do presidente Lula como dos tucanos, é cada vez mais acentuada, e uma das razões mais perversas é o financiamento das campanhas eleitorais. O risco de caminharmos para uma plutocracia, onde o dinheiro desequilibre as campanhas eleitorais, só é neutralizado pelo já existente financiamento público, cujo principal item é a propaganda partidária pelo rádio e televisão.

Mas as pressões do Palácio do Planalto para inviabilizar alianças partidárias do PDT e do PCdoB com o PSB, que dariam mais tempo de televisão para a candidatura do deputado federal Ciro Gomes, por exemplo, vai estreitando a competição.

Ao mesmo tempo em que as discussões sobre o mensalão e o caixa dois nas campanhas eleitorais voltaram ao centro político com o processo contra o senador Eduardo Azeredo na eleição para o governo de Minas, em 1998, os partidos preveem que a campanha presidencial do próximo ano poderá custar R$ 500 milhões.

O PT, protagonista do mensalão denunciado em 2005, já anuncia que a campanha de Dilma Rousseff poderá custar R$ 200 milhões.

Se o PSDB gastou oficialmente em 2006 o mesmo que o PT, cerca de R$ 160 milhões cada um, para ser competitivo terá que repetir a dose em 2010. Entre as muitas barreiras às candidaturas à Presidência do deputado federal Ciro Gomes e da senadora Marina Silva, pelo Partido Verde, o financiamento de suas campanhas será das mais difíceis de superar.

O PSB considera que, para ser competitiva, a candidatura terá que arrecadar pelo menos R$ 100 milhões. O PSOL, que deve apoiar a candidatura de Marina, gastou com a então senadora Heloísa Helena em 2006 menos de R$ 400 mil e, segundo o deputado federal Chico Alencar, “prefere correr o risco de se tornar irrelevante no cenário político nacional a aderir a esse esquema das campanhas milionárias”.

O sucessor do tesoureiro Delúbio Soares no PT é Paulo Ferreira, que não se intimida com o passado polêmico nesse quesito do partido, e é tão pragmático quanto o antecessor, abatido no inquérito do mensalão: “É preciso ter competitividade, eleição é operação de guerra”.

Plutocracia consentida e estimulada pelos grandes partidos, que concentram entre si os recursos de financiamentos privados e agora também tentam ampliar as alianças partidárias para dominar o maior tempo possível da propaganda eleitoral gratuita.

Se, por hipótese, o PT conseguir manter sua ampla aliança partidária em apoio à candidatura da ministra Dilma Rousseff, terá mais que o dobro de minutos que o PSDB, ficando a senadora Marina Silva com pouco mais de dois minutos.

As propostas de financiamento público ou de teto de gastos, e doações só de pessoas físicas, não conseguem ser votadas. Bem a propósito, a Campanha da Fraternidade de 2010 será ecumênica, reunindo várias igrejas cristãs, e tem como lema “Não se pode servir a Deus e ao dinheiro” (Mateus, cap. 6, v. 24), e como tema “Economia e vida”, e tem um capítulo dedicado integralmente à influência do dinheiro nas eleições.

O leitor Job Rodrigues Teixeira Junior, economista, que não acredita na existência do mensalão, mas se preocupa com o uso indiscriminado do caixa dois pelos partidos políticos, diz que esse problema poderia ser resolvido com uma reforma política que contemplasse regras rígidas de repressão a gastos eleitorais elevados e financiamento público de campanhas.

“Não interessa à democracia brasileira que somente dois partidos tenham recursos para fazer sua propaganda eleitoral”, ressalta. Ele aponta como a causa do uso do caixa dois a assimetria do financiamento de campanha, que se concentra nos cargos majoritários para o Executivo, e no PT e PSDB no plano federal e em parte dos estados da federação, havendo nesse caso espaço para o PMDB, fazendo com que os parlamentares eleitos fiquem dependentes do financiamento do candidato a presidente que seu partido apoia.

O financiamento de campanhas eleitorais é problemático em todo o mundo. Na França, o Estado criou a figura do “reembolso de despesas”. Os candidatos que obtiverem mais de 5% dos votos podem receber até 50% dos gastos de um teto estabelecido pelo governo a cada eleição. Candidatos menos votados recebem menos de volta.

Nos Estados Unidos, há um conflito permanente entre dois valores básicos para os americanos: liberdade de expressão e garantia de uma eleição justa e equilibrada para todos os candidatos.

Na prática, a teoria é outra.

O candidato independente Michael Bloomberg acaba de se reeleger pela terceira vez prefeito de Nova York, depois de mudar a legislação e de gastar R$ 100 milhões do próprio bolso.

Mas quase foi castigado pelo eleitorado: teve uma vitória apertada, de 5%, sobre o praticamente desconhecido democrata William Thompson.

O país utiliza o sistema de financiamento público, mas, se o candidato quiser abrir mão dele, pode gastar seu dinheiro próprio sem limitações, ou receber doações privadas com limites: empresas não podem doar, e indivíduos têm um limite de US$ 2 mil.

O atual presidente, Barack Obama, inovou na captação pela internet e acabou sendo ajudado por cerca de 2 milhões de eleitores, que fizeram doações. Para tanto, ele abriu mão do financiamento público.

Mas as brechas existem: empresas, sindicatos e ONGs colaboram com seus candidatos, seja estimulando doações pessoais de seus executivos ou mesmo financiando organizações civis que defendem temas específicos — como contra ou a favor do aborto — que acabam fortalecendo as candidaturas.

Mas o país valoriza o vínculo dos partidos com a sociedade, e considera a captação de recursos uma forma de participação cívica. Uma forma de um candidato a presidente mostrar força política é divulgar quanto já arrecadou.

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