domingo, novembro 22, 2009

JOSÉ ELI DA VEIGA

Os vetores da descarbonização

FOLHA DE SÃO PAULO - 22/11/09


Prognóstico pessimista? Pelo contrário. Ele só realça que os vetores dos processos geopolíticos reais vão muito além de acordos globais


SE TRATADOS entre quase 200 nações fossem realmente decisivos, o mundo estaria muito mais seguro do que ao término da Guerra Fria. Porém, já são 40 os países com potencial nuclear, embora não passassem de meia dúzia quando foi adotado o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (NPT). Que chegou a ter 187 adesões até a retirada da Coreia do Norte, em 2003.
"Mutatis mutandis", a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) tem 189 países signatários, mas também não passam de 40 os responsáveis por mais de 90% das emissões de carbono. E praticamente todos estão no G20, a melhor instância de governança global, que junta 15 das maiores economias do mundo às 27 da União Europeia, além da participação ex officio do FMI e do Banco Mundial.
Então, se o G20 foi incapaz de chegar a um acordo sobre o regime climático a vigorar em 2012, pouco se pode esperar da algaravia que rábulas de 196 nações promoverão em Copenhague de 7 a 18 de dezembro.
Pior: mesmo na hipótese da mais grata surpresa, o precedente da ameaça de um inverno nuclear permite supor que ela não impediria o longuíssimo verão carbônico decorrente da dependência de energias fósseis.
Prognóstico pessimista? Muito pelo contrário. Ele só realça que os vetores dos processos geopolíticos reais vão muito além de acordos globais. A biosfera não teria sobrevivido se dependesse só de respeito ao velho NPT. De modo similar, a descarbonização continuará por outras razões, seja qual for o desfecho da cúpula climática de Copenhague.
A predisposição a se engajar na transição ao baixo carbono tem sido primordialmente determinada pela preocupação de cada nação com a sua própria segurança energética e pela confiança que pode ter em sua capacidade científico-tecnológica para aproveitar as oportunidades já vislumbradas da próxima onda longa de desenvolvimento do capitalismo.
Processo cada vez menos influenciado pelos setores econômicos e segmentos sociais que serão perdedores com o inexorável encarecimento da emissão de carbono.
Algo que parece valer para todos, inclusive para os grandes emissores da semiperiferia, como é o caso do Brasil. Todavia, ao contrário do que ocorre no Primeiro Mundo, os chamados emergentes não têm como confiar na geração própria das inovações necessárias à descarbonização. Por isso, ainda vêm nessa transição mais sacrifícios ao seu crescimento econômico do que possíveis vantagens competitivas em novos negócios e novos mercados.
A ressalva é importante, pois, dos 20 países que mais contribuíram em termos absolutos para o aumento de 60% das emissões globais de 1980 a 2006, entre 12 e 15 são emergentes, a depender de como se classifique os tigres Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura. Somente cinco são indiscutivelmente do pequeno clube dos ricos: Estados Unidos, Japão, Austrália, Espanha e Canadá.
Por isso, o que mais influenciará o rumo da descarbonização global serão as vias que forem abertas aos países desse Segundo Mundo para que não fiquem na dependência de perversas transferências de tecnologia. Que possam, ao contrário, se beneficiar de esquemas de cooperação na montagem de seus próprios sistemas de ciência, tecnologia e inovação.
A China tem mostrado muita clareza sobre essa prioridade, principalmente em seus entendimentos bilaterais com os EUA. Certamente devido à sua imensa dependência do carvão e por precisar muito da energia nuclear, busca saídas das mais pragmáticas para uma equação energética muito difícil de ser resolvida em uma sociedade cuja economia não pode crescer menos de 8% ao ano.
Ao contrário do Brasil, onde a evolução da atitude governamental só evidencia a ausência de estratégia nacional. Em grande parte resultante do comodismo induzido por uma das mais limpas matrizes energéticas do mundo. E também, é claro, por divergências ministeriais que refletem clivagens entre os segmentos mais organizados da sociedade civil.
Muito outros argumentos em favor dessa tese -de que pouco importa o desfecho da COP 15 para a transição ao baixo carbono- estão no livro "Mundo em Transe: Do Aquecimento Global ao Ecodesenvolvimento", a ser lançado na Livraria Cultura exatamente no início do segundo tempo da pelada de Copenhague: dia 14/12.

JOSÉ ELI DA VEIGA, 61, é professor titular de economia da USP. É co-autor, com Lia Zatz, de "Desenvolvimento Sustentável, que Bicho É Esse?".
www.zeeli.pro.br

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