quarta-feira, novembro 11, 2009

ELIO GASPARI

Parte da coleção de Lévi-Strauss virou pó

O GLOBO - 11/11/09


"Curioso retorno", observou o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss quando viu que os missionários da Amazônia guardavam em estojos os lindos diademas de plumas dos índios bororo, e só os emprestavam à tribo em ocasiões festivas. O retorno era curioso porque os primeiros missionários chegaram à Amazônia pensando em tirar aquelas penas das cabeças dos selvagens.

A morte de Lévi-Strauss permitiu à repórter Gabriela Longman mostrar a trajetória de outro curioso retorno, no qual centenas de objetos da cultura indígena, conservados em Paris, reaparecem na agenda brasileira, expondo os maus costumes dos brancos de Pindorama na preservação de seu patrimônio cultural.

Lévi-Strauss viveu no Brasil de 1935 a 1938, pesquisando a vida de tribos da Amazônia. Coletou milhares de peças da cultura dos bororos, nambiquaras e cadiuéus, entre outros. Pelas leis da época o professor podia mandar metade de sua coleção para a França. De um lote de cerca de mil objetos, o Brasil ficou com 328. Em duas viagens, ele e a mulher embarcaram um total de 1.200 peças. Desde 33 arcos e pequenas cerâmicas até quatro diademas de penas de araras, periquitos e papagaios. Essa coleção está no Museu du Quai Branly, catalogada, fotografada e acessível na internet.

Os 328 objetos que ficaram no Brasil foram divididos entre três instituições e mais tarde reagrupados no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, onde está um magnifico diadema. Ao longo de mais de meio século, uma parte misturou-se com outras peças, pois não foi catalogada e etiquetada, outra quebrou-se e sabe-se lá quantas plumas simplesmente apodreceram. Em 2005, o próprio Lévi-Strauss identificou algumas peças para uma exposição em Paris.

Coisas assim acontecem nos museus brasileiros porque eles padecem de duas pragas. Há as instituições que são criadas ou socorridas por conta do peso político de seu diretor. (Em geral esses museus estão em obras.) Há também as instituições que são mantidas como se fossem patrimônio dos competentes servidores que lá trabalham. (Essas são facilmente identificáveis: não abrem nos fins de semana.)

A USP tem nove museus. A universidade Yale tem quatro. Consultando-se o Cadastro Nacional de Museus percebe-se que no eixo Rio-Niterói-Petropolis há algo como 110 museus. Roma tem 104.

A proliferação museológica é produto do casamento de ministros, governadores e prefeitos que querem inaugurar novos museus e amigos de ministros, governadores e prefeitos que querem dirigir museus. Afinal, o diretor do Metropolitan, em Nova York, tem carro, gabinete e secretária. (No chute, estima-se que seu acervo valha 400 bilhões de dólares.) É possível que o diretor do Museu do Esporte Mané Garrincha, que funcionava das 10h às 16 h e não abria nos fins de semana tivesse as mesmas facilidades. (O Ministério da Cultura diz que ele está fechado.)

Há excesso de museus banais e redundantes e escassez de instituições comprometidas com o acervo e o atendimento ao público. Como resolver semelhante problema? À falta de ideia melhor, o governo federal, os governadores e os prefeitos poderiam estabelecer um piso de visitantes mensais para cada museu. Quando essa meta não for cumprida vai embora o diretor. Depois, caso não tenha outra utilidade, fecha-se a instituição.

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