sábado, novembro 21, 2009

CLÓVIS ROSSI

Parole, parole, parole

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/09


Casos de Honduras e de bases mostram que o Brasil precisa aprender que a diplomacia não pode ser apenas retórica

TÍTULO DA CAPA desta Folha ontem: "Abbas quer que Lula peça ao Irã fim de apoio ao Hamas".
É indiferente ou inócuo Lula atender ou não o pedido do presidente da Autoridade Nacional Palestina. Peça ou não peça algo ao Irã, é óbvio que não haverá mudança de posição. A diplomacia presidencial tem-se caracterizado, recentemente, por uma quantidade de pedidos que não levam a nada.
Não se trata de negar o avanço considerável que o Brasil está tendo na cena internacional. Sou, aliás, testemunha ocular desse avanço, talvez a mais presente, pelo tempo de estrada no acompanhamento de atividades internacionais de autoridades brasileiras.
O problema é que está na hora de criar condições para que as palavras sejam acompanhadas de ações e soluções.
Não basta o presidente ameaçar telefonar "ao Obama" (ou "ao Sarkozy" ou "ao Hu Jintao" ou a quem seja), cada vez que surge um problema, nas negociações do clima, na Rodada Doha, onde for.
Não basta tampouco soltar caudalosos documentos oficiais que nem quem os assina lê na íntegra.
Exemplo: o comunicado conjunto Brasil/Argentina, a propósito da visita desta semana de Cristina Kirchner, tinha 5.713 palavras, sem contar uma declaração conjunta e uma lista de atos.
Boa parte dos parágrafos começa com "reiterar" ou "reafirmar", sinal óbvio de que as partes nada tinham de novo a dizer.
Caso de Honduras, por exemplo: Brasil e Argentina "reiteram sua enérgica condenação do golpe de Estado" e "reiteram", também, que "não reconhecerão o resultado de eleições conduzidas pelo governo de fato".
Bonito, mas e daí? Os dois governos, além de todos os outros das Américas, passaram os cinco meses mais recentes a "reiterar" essas posições inutilmente. Foi preciso que os Estados Unidos entrassem em ação para quebrar o impasse, que, no entanto, se reinstalou porque o Congresso hondurenho fez corpo mole e não aprovou a volta de Manuel Zelaya ao poder.
Não seria o caso, então, de Brasil e Argentina apresentarem alguma proposta, tipo adiamento das eleições, para que possam se dar com Zelaya restituído?

Bases na Colômbia
Vale idêntica cobrança para o caso das bases que os EUA poderão usar na Colômbia, que serviu de pretexto para uma ofensiva da Venezuela (igualmente retórica, aliás). Lula e Cristina Kirchner "reiteraram" que querem garantias de que as bases não serão usadas para operações além das fronteiras colombianas.
Pura retórica: nenhum acordo no mundo dirá algo como "sim, pretendemos doravante atacar nossos vizinhos".
É sintomático que o ministro equatoriano da Defesa, Javier Ponce, tenha admitido, na quinta-feira, que "a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) não conta com os instrumentos necessários" para atuar em situações de crise como a que se criou entre Colômbia e Venezuela.
Por enquanto, acrescentou, é apenas "uma grande vontade política de avançar na integração e na paz". Palavras, palavras, palavras.
por lindas que sejam. É óbvio que diplomacia é também retórica. Mas não pode ser só retórica.

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