segunda-feira, novembro 02, 2009

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

A era dos governos

O ESTADO DE SÃO PAULO - 02/11/09


Tirante a Inglaterra, as principais economias do mundo já escaparam da recessão. Presidentes e primeiros-ministros comemoram. Todos se consideram donos do sucesso e - quer saber? - com razão. Por toda parte, a receita se repetiu: aumento de gasto público e redução de impostos para estimular consumo e investimentos.

Os Estados Unidos foram os últimos da fila. O produto interno bruto (PIB) cresceu expressivos 3,5% no terceiro trimestre e quase tudo decorreu de ações do governo. Houve uma reação na venda de imóveis? Foi porque o presidente Barack Obama mandou um cheque de US$ 8 mil a quem comprou a primeira casa. Vendas de automóveis? Porque o governo mandou um cheque para que os donos de carros velhos os trocassem por novos, programa denominado "sucata por dinheiro". Obras nos Estados? Dinheiro federal. Empresas voltando a investir? Porque receberam impostos de volta, ou financiamento, ou dinheiro quase dado pelo governo.

E assim foi. Consumou-se, dessa forma, mais uma virada no pensamento econômico dominante. Agora, os governos têm uma licença para gastar, o mercado só faz trapalhadas, os burocratas e funcionários é que sabem o que é bom para todos.

No início da crise, por exemplo, quando os governos assumiam o controle de bancos e empresas para impedir seu fechamento, os dirigentes se apressavam a informar que se tratava de política provisória. Passada a crise, bancos e empresas voltariam ao controle privado. Hoje, porém, dirigentes e burocratas tomaram gosto pelo comando dessas grandes companhias.

Claro que não é socialismo. Na verdade, estamos voltando aos tempos do que se poderia chamar genericamente de "capitalismo de Estado". Os alemães, uns dos principais inventores do modelo, chamavam de "economia social de mercado" - ou seja, capitalismo sob rígido controle do Estado para garantir distribuição de benefícios e impedir que as empresas buscassem apenas o máximo de lucros. Apareceram várias outras versões, até a "economia socialista de mercado" dos chineses, mas o espírito é o mesmo: o Estado controla o mercado e as empresas de diversas maneiras, desde obtendo a maioria acionária até exercendo a pressão política.

Seria uma nova era ou apenas um momento de transição?

Saberemos isso na saída da crise, quando dívidas e déficits públicos, todos hoje nas alturas, aparecerem como problema a administrar. Aí então se verá, mais uma vez, que "gasto público" pode designar coisas bem diferentes. Boas ou ruins.

Ou seja, na emergência da crise, todo gasto dos governos ajudou. Na volta à normalidade se verá que algumas despesas deixam consequências ruins.

Recentemente, em entrevista ao jornal Le Figaro, o presidente Nicolas Sarkozy defendeu o "seu" tipo de déficit. Garantiu que foram elevados apenas os gastos que apoiam diretamente a economia real e ressalvou que continuou a cortar as despesas correntes. Lembrou que, em seu mandato, reduziu em 100 mil o número de funcionários públicos. (Aliás, com uma política interessante, sem demissões, sempre politicamente inviáveis. A regra: de cada dois que se aposentam, admite-se apenas um.)

Nos Estados Unidos, Obama e seus assessores chamam a atenção para o caráter dos principais gastos: feitos uma única vez, programas de estímulo com prazo certo para terminar, como o cheque para a casa própria ou o "sucata por dinheiro".

A vantagem é óbvia: trata-se de gastos que não se prolongam pelos próximos orçamentos. Como são, também, os investimentos em obras. Têm fim determinado.

O problema é que dívidas e déficits públicos têm de ser pagos. Podem ser empurrados com a barriga por algum tempo, mas sempre chega a hora da verdade. E só tem um jeito de equilibrar as contas públicas: uma combinação de contenção de despesas e aumento de impostos.

Há aí um problema imediato. Corte de gastos e aumentos de impostos constituem uma política de contração, que puxa a atividade econômica para baixo, a menos que investimento e consumo privados estejam bem.

O risco do momento, portanto, para os governos mundo afora é retirar o estímulo do gasto público antes que a economia privada esteja andando por suas próprias pernas. O risco de médio prazo é demorar tanto para retirar o estímulo a ponto de permitir um aumento exagerado da dívida pública.

Por isso todos os governantes fazem hoje a mesma torcida. Esperam que a retomada da atividade econômica leve a um aumento "natural" da arrecadação de impostos, de modo que o problema se resolva automaticamente. Faz sentido: se a economia privada volta a bombar, pessoas e empresas ganham e consomem mais, pagam mais impostos, os programas de gastos terminam e, pronto, déficits e dívidas públicas começam a ser amortizados.

Em qualquer caso, o tipo de gasto feito na hora da crise vai fazer a diferença na hora de pagar. Gastos permanentes, como com pessoal e previdência, exigirão, sim, aumento de impostos. Mas os governantes pelo mundo afora juram que não vão fazer isso.

Como, então, pagar as dívidas? Bem, que tal privatizar algumas estatais e reduzir o tamanho do Estado?

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