terça-feira, outubro 20, 2009

SANDRA POLÓNIA RIOS

Brasil e Argentina: discutindo a relação

O ESTADO DE SÃO PAULO - 20/10/09


O relacionamento entre Brasil e Argentina se assemelha ao de um casamento que já não satisfaz às expectativas dos cônjuges, mas vai sendo mantido, administrando os conflitos diários e abrindo mão das ambições e planos de longo prazo. Desde o início desta década, os dois países vêm se concentrando na administração dos conflitos comerciais de curto prazo e têm sido incapazes de definir objetivos e estratégias conjuntas para o longo prazo.

Brasil e Argentina seguem caminhos opostos em suas estratégias de inserção internacional. Enquanto o primeiro aumenta sua integração à economia global e ganha projeção nos foros econômicos mundiais, o segundo adota atitudes essencialmente defensivas, isolando-se do mundo na expectativa de recuperar seu projeto de industrialização.

A falta de uma agenda argentina de internacionalização de sua economia tem repercussões negativas também para sua relação com o Brasil. Ao abrir mão de seus interesses ofensivos em termos de abertura de mercados externos, o país não constrói uma agenda positiva em relação ao Brasil e concentra seus esforços na proteção de sua indústria.

Por seu lado, o governo brasileiro, que atribui elevada importância política ao relacionamento com o vizinho, adota a estratégia que alguns chamam de "paciência estratégica" combinada com unilateralismo benévolo. Incapazes de mobilizar outros instrumentos de cooperação - como a oferta de financiamento -, as autoridades brasileiras contemporizam com as medidas protecionistas argentinas.

O problema dessa estratégia é que, à margem do "baixo equilíbrio" que caracteriza atualmente as relações intergovernamentais bilaterais, se consolidou uma densa rede de negócios, que inclui não só operações comerciais, mas investimentos diretos e desenvolvimento de diversos tipos de parcerias. Esses atores têm interesses concretos e podem contribuir para o reforço da integração econômica entre os dois países.

A discussão da relação também deve levar em consideração que o mundo atual apresenta opções múltiplas para todos os países. Isso significa que não existe um "destino manifesto" que necessariamente levará ao estreitamento das relações econômicas bilaterais. Para aproveitar as oportunidades existentes e elevar o patamar do relacionamento será necessário construir uma agenda bilateral positiva para o longo prazo.

Em 2011 teremos novos governos nos dois países. O período de campanha eleitoral é propício para fomentar o debate sobre estratégias de longo prazo. Buscando aproveitar essa oportunidade, o Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e a Universidad de San Andrés, de Buenos Aires, lançaram no mês de outubro a iniciativa "Diálogo Argentina-Brasil".

Esse movimento reúne um pequeno grupo de acadêmicos, empresários e políticos dos dois países que se dispôs a aprofundar as discussões das relações bilaterais e de suas perspectivas. Duas perguntas foram propostas ao grupo como estímulo ao debate: 1) O que caracteriza atualmente as relações bilaterais? 2) O que não pode deixar de ser feito nos próximos cinco anos para levar a relação a um novo patamar?

Em sua primeira reunião, em Buenos Aires, o grupo coincidiu com o diagnóstico de que a relação se encontra em um "equilíbrio baixo", que não condiz com as expectativas do passado e com as possibilidades e oportunidades que existem para o adensamento do relacionamento.

O novo contexto internacional traz novos desafios e oportunidades para a cooperação bilateral. Entre os temas que o grupo considerou que deveriam ser incorporados à agenda estão: segurança alimentar e oferta de proteínas para grandes mercados consumidores; energia renovável, biocombustíveis e tecnologia; integração energética; integração em alguns segmentos dos mercados de capital e cooperação nas negociações de mudanças climáticas e no G-20. As visões e recomendações do grupo serão reunidas em um documento a ser discutido em nova reunião, que será realizadano início do próximo ano.

A administração dos conflitos comerciais pontuais não pode ser o único foco dos governos. Tanto para lidar com a nova agenda temática quanto com a agenda tradicional (comércio e investimentos) é preciso convergência e estabilidade de regras. Contemporizar com o protecionismo e abrir mão da discussão de regras não parece ser a melhor contribuição do Brasil ao desenvolvimento do vizinho nem ao futuro das relações bilaterais.

*Sandra Polónia Rios, economista, é diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes)

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