sexta-feira, outubro 16, 2009

PAULO SOTERO

Brasil e EUA impotentes em Honduras

O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/10/09


A impotência do Brasil e dos Estados Unidos na busca de uma solução para o imbróglio constitucional armado em Honduras é o fato político mais saliente produzido pelo desentendimento entre as elites da República centro-americana - a de direita e a que se diz de esquerda. As duas maiores nações do continente, que se juntaram às demais para condenar o golpe de 28 de junho passado como uma violação da Carta Democrática das Organização dos Estados Americanos (OEA), estão diplomaticamente paralisadas diante de uma crise de opereta num dos menores países da região. Não apenas se mostram incapazes de viabilizar uma solução para a crise, como começam a ver sua relação bilateral prejudicada pela perpetuação do impasse em Tegucigalpa.

Por razões que permanecem mal explicadas, o Brasil associou-se operacionalmente a uma das partes do conflito a partir do momento em que aceitou abrigar o presidente deposto, Manuel Zelaya, em sua embaixada no país. Tenha ou não sido surpreendido, como alega que foi, pela chegada de Zelaya, sua família e um séquito de 60 acompanhantes à chancelaria da embaixada no último dia 21 de setembro, o governo brasileiro está hoje impossibilitado de cumprir o papel tradicional de mediador que desempenhou com sucesso em outros conflitos regionais. Na ausência de uma solução à vista, o impasse entre Zelaya e o governo de facto de Roberto Micheletti vai negando a cada dia que passa o argumento que o chanceler Celso Amorim apresentou ao Senado no final do mês passado, quando afirmou que a decisão de dar guarida a Zelaya era "um convite ao diálogo" e acabaria favorecendo uma solução negociada.

As negociações entre os dois campos, retomadas esta semana após a visita a Tegucigalpa de uma missão da OEA, poderá levar a um entendimento que resolva a constrangedora situação criada pela presença de Zelaya na chancelaria da embaixada brasileira na capital hondurenha. Mas não está claro se a solução permitirá transformar as eleições presidenciais marcadas para o mês que vem em veículo para restabelecer a ordem constitucional e uma dose de normalidade no país. Enquanto a crise não se resolve, o Brasil está reduzido a mero espectador: será criticado se o impasse perdurar e não levará o crédito se ele terminar.

Nos Estados Unidos, a crise hondurenha virou motivo de briga ideológica e de uma lucrativa disputa interna financiada com dinheiro de Tegucigalpa. É pretexto para os republicanos minarem a incipiente política da administração Barack Obama de maior engajamento com a América Latina e levarem adiante sua estratégia de fazer oposição sistemática ao presidente americano. Militantes nostálgicos de batalhas perdidas da guerra fria, nos anos 1980, quando Honduras foi usada como base do exército dos contras, pago e treinado por Washington para a custosa e vã tentativa de desalojar o governo sandinista da Nicarágua pela força, encontraram na crise hondurenha uma oportunidade para afirmar sua declinante relevância, acertar contas com adversários e ganhar dinheiro fazendo lobby para o governo de facto de Micheletti e os empresários hondurenhos que apoiaram o golpe. Até a semana passada, lobistas associados a militantes anticastristas haviam embolsado US$ 292 mil em serviços prestados ao governo de facto de Tegucigalpa em Washington. A firma de relações públicas de Lanny Davis, que foi advogado de Bill Clinton num dos escândalos que marcaram sua presidência, recebeu outros US$ 350 mil para levar os argumentos dos golpistas a congressistas republicanos e democratas.

Apanhadas no fogo cruzado, que se intensificou após a volta de Zelaya a Honduras, no mês passado, a nomeação do diplomata Thomas Shannon para a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília e a do professor Arturo Valenzuela para substituir Shannon no posto de secretário de Estado adjunto para o Hemisfério Ocidental foram bloqueadas pelo senador Jim DeMint. Republicano da Carolina do Sul, que em julho passado conclamou os conservadores a fazerem da proposta de reforma do sistema de saúde americano, em debate no Congresso, o "Waterloo" de Obama, DeMint exige que o presidente reveja sua política em relação a Honduras.

Enquanto isso não acontecer, os Estados Unidos continuarão sem embaixador no Brasil e a relação entre os dois países, que é superficial e vem perdendo importância no comércio e em outras áreas, tenderá a continuar em refluxo. Uma eventual mudança na postura de Washington que atenda a Micheletti deixará o Brasil exposto em Honduras e será com toda a probabilidade rechaçada por Brasília, intensificando o clima de má vontade mútua que ressurgiu nos últimos meses entre altos funcionários dos dois governos. Nesse ambiente, segue sem data a viagem que Obama faria ao Brasil este ano, em retribuição à visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe fez em março passado. Em meio ao vácuo que se forma na relação bilateral, aproxima-se a visita que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, fará a Brasília no final do mês que vem. Com os Estados Unidos e outras potências, europeias e asiáticas, engajados num esforço de diálogo com Teerã sobre o programa nuclear iraniano, a visita de Ahmadinejad dá ao presidente Lula uma oportunidade única para exercer um papel positivo de liderança e jogar no time principal na questão da não-proliferação, que está hoje no topo da agenda de segurança internacional. Ela oferece, ao mesmo tempo, amplo espaço para o País repetir em escala global o passo em falso que deu em Honduras e fazer o jogo de Hugo Chávez numa questão central para a segurança internacional.

Paulo Sotero, jornalista, é diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington

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