quinta-feira, outubro 15, 2009

MARTIN WOLF

Boatos sobre a morte do dólar

Folha de S. Paulo - 15/10/2009


ESTAMOS NA temporada do pânico quanto ao dólar. E os responsáveis pela propagação do pânico são muitos: os investidores em ouro, os proponentes da linha dura fiscal e muitos outros observadores que parecem concordar em que o dólar está em seu leito de morte. Um colapso hiperinflacionário está à espera. Será que isso faz sentido? Não. Mesmo assim, o sistema monetário mundial baseado no dólar apresenta defeitos. Seria bom começar a construir arranjos alternativos. Deveríamos começar pelo que não está acontecendo. No pânico recente, as crianças correram na direção da mãe, ainda que os erros desta tenham boa parte da responsabilidade pela crise. O dólar subiu 20% entre julho de 2008 e março deste ano. Desde então, perdeu boa parte de seus ganhos.

Assim, a queda do dólar é um indicador de sucesso, e não de fracasso. Será que podemos encontrar sinais mais profundos de que o mundo está abandonando a moeda norte-americana? Um indicador muito apreciado é o preço do ouro, que registra alta de 400% desde o começo de 2000. Mas esse preço é um indicador dúbio quanto aos riscos inflacionários: seu pico anterior foi atingido em janeiro de 1980, pouco antes de a inflação ser derrotada. O preço mais alto do ouro reflete medo, e não fatos. E esse medo não é generalizado. O governo dos EUA tem a capacidade de tomar empréstimos com prazo de 30 anos a juros de 4,2% ao ano, e com prazo de 10 anos a 3,4%. Durante a crise, as expectativas inflacionárias indicadas pela disparidade entre os rendimentos de títulos convencionais e títulos com correção monetária desabaram.

Desde então, recuperaram parte do terreno perdido, o que representa mais um sinal de sucesso para a política econômica. Mas ainda assim continuam abaixo do nível anterior à crise. O perigo imediato, dada a capacidade de produção excedente existente no mundo e nos EUA, é de deflação, não de inflação. A correção do dólar é não só natural como benéfica. Reduzirá o risco de deflação nos EUA e facilitará a correção dos "desequilíbrios" mundiais que ajudaram a causar a crise. O que poderia substituir o dólar? A menos que, e até que, a China revogue seus controles cambiais e desenvolva mercados financeiros profundos e de grande liquidez, o que provavelmente demorará uma geração, o euro é o único concorrente sério para o dólar. No momento, 65% das reservas cambiais mundiais estão em dólares e 25% em euros. Sim, é possível que haja algum avanço da moeda europeia. Mas é provável que seja lento.

A zona do euro também sofre de altos deficit fiscais e dívidas públicas. O dólar, com certeza, continuará a existir dentro de 30 anos; o destino do euro é menos seguro. É nesse ponto que convergem as preocupações quanto à estabilidade monetária dos EUA e o papel externo do dólar. Uma recomendação comum, quanto ao primeiro fator, é tanto preservar a independência do Fed quanto garantir a solvência fiscal em longo prazo. Se crescer o medo de que qualquer uma dessas coisas, ou, pior, ambas, estejam em perigo, a preocupação pode bastar para causar uma crise.

O dólar poderia despencar, e as taxas de juros de longo prazo disparariam. Em uma crise como essa, seria perfeitamente possível temer um Fed menos independente se vendo forçado a adquirir títulos de dívida pública. E isso aceleraria a fuga ao dólar. O papel mundial do dólar não serve aos melhores interesses dos EUA. Os argumentos em favor de um sistema diferente são muito fortes. Isso não acontece porque o papel do dólar esteja em risco, hoje, mas sim porque ele prejudica a estabilidade interna e mundial. A hora de buscar alternativas é agora.


Tradução de PAULO MIGLIACCI . Este texto foi produzido originalmente para o "Financial Times".

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