segunda-feira, outubro 05, 2009

JENI KLUGMAN

Um novo acordo para a migração


Folha de S. Paulo - 05/10/2009



O medo e a xenofobia podem vir à tona e, com isso, perdemos de vista os resultados positivos da migração



NO CENÁRIO atual de recessão mundial, perda de postos de trabalho e cada vez mais pressão nos sistemas de saúde e outros serviços públicos, a migração desperta fervorosos debates. Mas grande parte gira em torno do peso dos migrantes para as economias já debilitadas. E uma minoria em situação irregular acaba no centro das atenções. O medo e a xenofobia podem vir à tona e, com isso, perdemos de vista os resultados positivos da migração.
Isso não precisa nem deve ser assim. "Não deve" pois a mobilidade, a capacidade de buscar melhores oportunidades em outros lugares, é um elemento fundamental da liberdade humana. E "não precisa ser" porque as políticas migratórias podem satisfazer necessidades internas, reduzir preocupações e ampliar a contribuição da migração para o desenvolvimento humano.
A migração é um processo a ser gerenciado, e não um problema a ser resolvido, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 -um relatório independente comissionado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-, lançado hoje mundialmente.
Esse estudo inovador, "Ultrapassar Barreiras: Mobilidade e Desenvolvimento Humanos", examina com cuidado os dados sobre a migração -interna e internacional- a partir da perspectiva das pessoas: migrantes, parentes que acompanham, os que ficam e as comunidades de destino.
O relatório mostra o potencial de ganhos para todos os envolvidos, bem como os riscos e os custos, especialmente para os mais pobres.
O estudo afirma, no entanto, que a migração não deve substituir, mas sim complementar as estratégias de desenvolvimento socioeconômico. O relatório também revela as barreiras que impedem o movimento: as proibições absolutas, os altos custos e as exigências e dificuldades que muitos migrantes enfrentam.
O relatório também derruba diversos mitos. A maioria dos quase 1 bilhão de migrantes do mundo migra dentro de seus próprios países e entre suas regiões de origem. Ao contrário do que muitos pensam, o número de migrantes tem se mantido estável nos últimos 25 anos. Mas é verdade que, recentemente, aumentou o número de emigrantes de países em desenvolvimento para países desenvolvidos.
É preciso desafiar os estereótipos de que os migrantes "roubam empregos" e "lesam os contribuintes".
Migrar raramente é processo fácil. Conflitos, desastres naturais e dificuldades econômicas obrigam muitos a deixar suas cidades, seus países, suas famílias. Alguns se tornam vítimas de traficantes, muitas vezes com consequências terríveis. Mas, na maioria dos casos, os custos, as dificuldades e o estresse da mudança são compensados pela melhoria de qualidade de vida: renda, bem-estar, saúde, escolaridade e empoderamento.
Os empregos normalmente estão no cerne do debate. O relatório propõe uma série de medidas que podem ampliar o acesso dos migrantes, vinculadas à demanda por trabalho. E este é precisamente o momento oportuno para um novo acordo sobre migração que pode beneficiar aqueles que migram, os que ficam e as comunidades de destino. Baseadas em boas práticas de diversos países, as medidas propostas são politicamente viáveis. Com a retomada do crescimento econômico, novos postos de trabalho vão abrir.
Esta é a hora de reformar políticas migratórias para que elas beneficiem migrantes e as sociedades de destino.
Em muitos países desenvolvidos onde as populações estão envelhecendo, principalmente na Europa, é preciso garantir o fluxo de trabalho se esses países quiserem manter o crescimento econômico.
Mas o interesse mútuo requer planos de desenvolvimento mais amplos. A desigualdade entre municípios, Estados e países é um grande motor da migração. E os pobres têm mais a ganhar ao migrar.
Se houver maior acesso para os menos qualificados, por exemplo, isso pode ajudar a aumentar os ganhos para o desenvolvimento humano. Garantir o tratamento digno aos migrantes é tão importante quanto. Lutar contra a discriminação salarial, por exemplo, beneficia trabalhadores locais tanto quanto os migrantes. Os direitos dos migrantes devem ser protegidos, inclusive os daqueles em situação irregular.
Sabemos que os desafios são difíceis. Para isso, é preciso uma perspectiva de longo prazo, em que governos, empregadores, sindicatos e sociedade civil têm papéis fundamentais.
O relatório lançado hoje contribuiu para um debate mais equilibrado e informado, já que pessoas do mundo todo vão continuar migrando: a mobilidade é inevitável e é um elemento fundamental do desenvolvimento humano.

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