sábado, outubro 10, 2009

CLÓVIS ROSSI

Nobel não dá paz a Obama

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/10/09


Presidente americano precisa administrar o ódio da direita e o encolhimento dos Estados Unidos após crise financeira

BENFEITAS as contas, o presidente Barack Obama precisa é de paz, não de um Nobel da Paz, ainda que prêmio seja sempre bem-vindo, principalmente quando se trata do que é, talvez, o de maior prestígio internacional. Mas não será o Nobel que eliminará a assustadora campanha de ódio movida pela extrema direita contra o presidente.
Ficou ainda mais assustadora a partir do momento em que Thomas L. Friedman, colunista do "New York Times", escreveu faz pouco que "as críticas da extrema direita começam a roçar a deslegitimação e a criar o mesmo tipo de ambiente aqui [nos EUA] que existia em Israel na véspera do assassinato de Rabin" [Yitzhak Rabin, primeiro-ministro morto em 1995].
Friedman tem toda a autoridade para tocar nesse assunto, não apenas por ser um dos mais respeitados colunistas do planeta. Ele foi sucessivamente correspondente no Líbano e em Israel. Abre parêntesis: de sua experiência resultou um livro ("De Beirute a Jerusalém"), indispensável para qualquer jornalista que queira fazer coberturas internacionais.
Fecha parêntesis e voltemos a Friedman: ele foi testemunha ocular de como o ódio como alavanca da ação política leva ao horror. O exemplo de Rabin é suficiente para mostrar que o Nobel é incapaz de proteger seus detentores do ódio dos extremistas: foi assassinado um ano depois de levar o prêmio, por radicais judeus cuja cabeça não é diferente da mentalidade da extrema direita norte-americana.
Rabin foi companheiro de Nobel de Iasser Arafat, que continuou, ele também, exposto à ira dos inimigos, no caso o governo de turno de Israel. Morreu (em Paris) longe da paz, depois de sitiado por Israel em sua Mukata, a sede do governo palestino em Ramallah.
Ou, visto por outro ângulo, o Nobel da Paz não assegura que os premiados logrem, de fato, a paz. Convenhamos que, por mais simpatias que Obama desperte com suas iniciativas apontadas de fato nessa direção, a dura realidade é que nenhuma delas prosperou o suficiente para que o prêmio seja justo. É apenas prematuro. Pior: a herança que Obama recebeu de seu antecessor George Walker Bush tira a paz de espírito não só do próprio presidente mas também de uma parcela significativa dos seus governados.
Constrangido pelas circunstâncias, Obama abandonou ou, ao menos, mitigou a noção dos EUA como um poder excepcional, um farol para a humanidade, que sempre esteve no núcleo central da narrativa heroica norte-americana. Roger Cohen, outro dos grandes colunistas do "New York Times", citou anteontem frase de Tom Paine (1737-1809), um dos pais da pátria ("founding fathers") norte-americana, que é a seguinte: "A causa da América é, em grande medida, a causa de toda a humanidade".
Cohen termina seu artigo lembrando que "os americanos estão [depois da crise] em um lugar mental diferente" e que "a América odeia retroceder". Corolário: "O desafio que [Obama] enfrenta agora é como gerenciar expectativas reduzidas". Nada que o Nobel da Paz seja capaz de resolver.

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